Uma reacção de orgulho na segunda parte evitou que a selecção portuguesa vivesse este sábado um dos maiores embaraços dos últimos anos. A vitória sobre a Albânia (5-3), impede que, a oito meses do Euro, o mal-estar instalado depois da derrota com a Espanha se transforme em crise de nervos generalizada, mas não restabelece, bem pelo contrário, a convicção de que tudo está bem.

O jogo foi anormal do primeiro ao último minuto, face ao elevado número de erros na ocupação de espaços e ao ritmo descontraído que as duas selecções decidiram aplicar. Um conjunto invulgar de oportunidades de golo poderia ter dado uma expressão ainda mais folclórica a um marcador já de si estranho.

A perder por 1-2 ao intervalo, depois de 35 minutos simplesmente pavorosos (os primeiros dez foram engraçados, e o vistoso golo de Figo até prometia noite de show na festa de consagração de Fernando Couto), os portugueses recolheram aos balneários sob uma das assobiadelas mais justas da sua história. As facilidades sentidas nos primeiros minutos, com um golo de Figo em traje de passeio e dois remates de Pauleta aos postes, levaram a um excesso de descontracção que se revelou em toda a sua extensão nos espaços concedidos para o primeiro golo.

«Mas não era suposto ser fácil?!»

Fragilizada pelos maus jogos recentes, a Selecção caiu então num inexplicável acesso de pânico, começando a cair em vícios antigos, o maior dos quais a procura de soluções individuais sem que o talento fosse alimentado pela velocidade. Perdas de bola, passes errados e, com o passar dos minutos, uma ocupação de espaços cada vez mais anárquica, que a Albânia (muito limitada, mas com princípios de jogo bem interessantes) explorou com passes cada vez mais ousados, até ao segundo golo.

No fim da primeira parte, o Restelo estava em choque. A exibição não tinha sido mais do que o levar até às últimas consequências do mau futebol exibido em testes anteriores, em especial com a Macedónia e o Cazaquistão, mas desta vez a corda da paciência tinha-se esgotado. Tanto desacerto acumulado nos últimos jogos já cansa. E para pagar o débito do primeiro tempo a vitória não chegava. Era preciso ir além disso: marcar muitos golos, jogar um futebol festivo e, acima de tudo, apagar das memórias a humilhação suprema de ver, durante largos minutos da primeira parte, a selecção albanesa a trocar a bola ao ritmo de olés, com os das camisolas grená a fazer o papel de bobos.

Simão, orgulho e Strakosha, as bases da reviravolta

Sejamos justos: descontando um frango de Ricardo, que permitiu à Albânia interromper o massacre e escapar à goleada, a tarefa acabou por ser cumprida. Por isso, na despedida, as palmas substituíram os assobios e o divórcio definitivo com o público foi evitado. Com a colaboração decisiva de um guarda-redes simpático - mas quase tudo foi simpático neste jogo tão pouco competitivo - e o estímulo das boas entradas em jogo de Simão e Hugo Viana, Portugal marcou três golos em oito minutos, devolveu alguma lógica aos acontecimentos, e teria certamente aproveitado a embalagem para selar uma vitória mais expressiva.

Mas como Ricardo imitou o mau exemplo de Strakosha, e permitiu ao improvisado lateral-esquerdo (!) Aliaj levar uma recordação para contar aos netos - «sim, é verdade, uma vez marquei dois golos a Portugal» - o empolgamento luso que se adivinhava para o resto do tempo voltou a ser quebrado. Miguel, recém-entrado, assinalou com um golaço o ponto final na anormalidade do jogo e, com a vitória assegurada, a última meia hora serviu apenas para os não-titulares somarem minutos.

Scolari deve ter tirado indicações positivas das boas entradas em jogo de Boa Morte e Frechaut, mas descontando isso pouco mais ficou a saber: no aspecto competitivo, este jogo não pura e simplesmente não existiu. Aproveitaram-se outras coisas, não muitas, a mais importante das quais a certeza de que, por mais insegura que esteja a ser a caminhada até aqui, este grupo de jogadores ainda não está disposto a aceitar a factura do ridículo.