«O homem que acabou com a tristeza», «A peça que faltava no puzzle»: após cada jogo, tenho a curiosidade de espreitar a imprensa britânica para constatar um certo fascínio com que a pátria que inventou o futebol vai descobrindo aquele franzino «camisola 18» do Manchester United.

Por estes dias, a BBC fazia uma comparação entre o antes e o depois da chegada do internacional português, que acaba de ser eleito jogador do mês no clube.

«Desde a sua estreia, em fevereiro, Bruno Fernandes está diretamente envolvido em mais golos em todas as competições do que qualquer outro jogador da Premier League», escrevia, colocando os «Red Devils» no topo da tabela em termos pontuais no pós-BF.

Gosto de Bruno Fernandes por ter a mesma cabeça levantada a jogar ou a encarar adeptos e jornalistas. Gosto dele pela vedeta que não é. Por manter essa constância e fazer de Old Trafford uma extensão do rinque da Maia, onde cresceu a dar chutos na bola. Gosto de o ver a pegar na batuta como um maestro do Scala e a esgueirar-se com a desenvoltura de um bailarino do Bolshoi.

Não é a qualidade de Bruno Fernandes que surpreende, mas a capacidade de adaptação e a influência imediata no jogo do United. À sua volta, todos cresceram e a outrora equipa errática de Solskjaer passou a ser funcional.

Nesse sentido, a transferência de Bruno Fernandes é uma espécie de antítese da de João Félix, que acaba de completar um ano desde a sua mudança para o Atlético de Madrid.

Ambas poderiam preencher um capítulo do manual de transferências em Portugal, que serviria de bom guia a qualquer dos grandes, sem exceção.

Bruno Fernandes saiu aos 25 anos, por um valor não escandaloso para os parâmetros da liga em que joga, está no auge da sua maturidade futebolística, depois de outras experiências no estrangeiro e de saber o que custa carregar uma equipa às costas.

Félix é um talento incontestável, sublinhe-se. Porém, a estratégia para o potenciar terá sido nefasta para a sua própria evolução.

Foi negociado por valores milionários aos 19 anos, aproveitando o hype de seis meses deslumbrantes, mas para uma equipa desajustada à sua forma de jogar: mais fina do que rude, que suplica por bola no pé e não por correr atrás dela.

Ao contrário de Bruno Fernandes, que parece encaixado como uma luva na equipa do United, Félix dá sensação de ser um peixe fora de água no Atlético de Simeone. Torna-se tudo tanto mais evidente ao perceber como lhe pesa sobre os ombros um investimento colossal de 126 milhões, quando apenas cumpre a sua segunda época como sénior.

No fundo, transacionar craques não será assim tão diferente de um negócio de exportação de hortifrutícolas, por exemplo. Há quem siga o cultivo sustentado e quem opte pelo método de estufa.

Em qualquer atividade, há que saber respeitar o tempo de cada coisa. Quando não o fazemos, a realidade acaba por revelar-se muito teimosa.

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«Geraldinos & Arquibaldos» é um espaço de crónica quinzenal da autoria do jornalista Sérgio Pires. O título é inspirado pela expressão criada pelo jornalista e escritor brasileiro Nelson Rodrigues, que distinguia os adeptos do Maracanã entre o povo da geral e a burguesia da arquibancada.