Ele tem público há mais de 20 anos. Já é tanto só por si. Mas no intervalo de tempo entre as duas imagens está a história de uma longa queda e de um regresso em que poucos acreditavam. Dificilmente se viu antes algo assim. Tiger Woods voltou a ganhar um torneio de golfe, pela primeira vez em cinco anos. E não parou. De Atlanta seguiu para Paris, junto com a seleção norte-americana que vai disputar a Ryder Cup neste fim de semana. Ainda não teve tempo para digerir o que foi esta semana, diz. Mas há coisas que não precisam de muitas palavras. As imagens de domingo, da multidão a segui-lo para a vitória no Championship Tour, dizem tudo sobre a dimensão do momento. Voltou «o melhor jogador do mundo de todos os tempos».

É a opinião de muitos, também do golfista português Ricardo Santos, sem dúvidas sobre aquilo a que estamos a assistir. «É extraordinário. Impressionante a volta que ele deu, o que conseguiu atingir de uma época para a outra», diz o português com 25 anos de carreira no golfe que ajuda o Maisfutebol neste olhar sobre o fenómeno Tiger.

Falar de Tiger Woods é falar de um dos desportistas mais marcantes de sempre. Pode parecer exagerado dizê-lo assim, não se tratando de um desporto de massas. Mas o que Woods representou, não só para o golfe como para toda a indústria desportiva, é ímpar.

Começou há muito tempo. Ainda agora, à chegada a Paris, Woods recordou a primeira vez que esteve em França, em 1994, quando venceu com os Estados Unidos o Campeonato do Mundo amador. Disseram-lhe que no domingo ele «rebentou a internet», com a vitória em Atlanta, e ele respondeu: «Quando aqui estive pela primeira vez nem havia internet.»

Filho de um antigo militar, veterano do Vietname, e de mãe tailandesa, Woods começou a jogar golfe ainda criança. Treinado pelo pai, com métodos que o ajudaram a formar o carácter. Earl Woods costumava, por exemplo, gritar insultos ao filho enquanto ele treinava. Era uma coisa de família, dizem. Havia um código combinado para parar, quando Woods começasse a ficar afetado, mas ele nunca o acionou. «Não ia dar parte de fraco», contou Woods no seu livro «Unprecedent», numa passagem recordada agora pelo «Guardian».

Esse «treino psicológico», como lhe chama Woods, ajudou-o a conseguir fazer o que faz como ninguém: foco. Concentrar-se no jogo, fechar a mente ao que vem de fora: «Vejo mas não vejo, ouço mas não ouço.»

Foi sempre isso que distingiu Woods, diz Ricardo Santos. «Quando está no campo é como se não estivesse mais ninguém. O que o caracteriza é a concentração e a capacidade de superar os momentos de nervosismo que para ele parecem não existir», observa o golfista português, que se cruzou uma vez com Tiger, em Abu Dhabi. Não esperava nenhum tipo de interação, conta, vinda de alguém com esse perfil frio e indiferente em campo. «Cruzámo-nos no «players lounge» e ele cumprimentou-me. Aquele olá que me dirigiu foi uma surpresa.»

Ao longo de mais de uma década Woods ganhou, ganhou muito. Em campo, 14 Majors e dezenas de torneios: o Tour Championshp deste ano foi o 80º da sua carreira. E ganhou muito fora dele. Ainda hoje é o segundo atleta mais rico de todos os tempos na lista da revista Forbes, atrás apenas de Michael Jordan. Tornou-se uma estrela, um mediatismo absolutamente inédito para um golfista.

Antes de mais, diz Ricardo Santos, «graças ao golfe dele». «A primeira razão é a forma de estar em campo e a forma como joga. Como jogava especialmente quando estava no auge. Ganhou os torneios praticamente todos. O foco, a forma de bater a bola, comparado com os outros. Parecia que era de outro planeta.»

Depois, levou à modalidade uma nova abordagem, mesmo na preparação física. «De repente chegou um atleta ao golfe», continua o golfista português. «Não quer dizer que não houvesse já essa preocupação com o ginásio e a preparação, mas não com a expressão dele. Com o passar dos anos todos nós fomos seguindo esses passos, os treinadores também mudaram a forma de ensinar.»

E sobre isso a figura de Woods, o atleta multi-racial de sucesso. «Se calhar uma das razões para ele ter atingido tanto mediatismo é por ser um jogador de cor», observa Ricardo Santos. «Nos Estados Unidos não queriam deixar entrar os jogadores de cor nas competições, há sempre essa questão latente, e ele deu a volta a isso. Se calhar também criou esse mediatismo.»

Com a fama veio tudo, bom e mau. E Woods viveu a outra face do mediatismo como poucos. A exposição da vida pessoal, de relações extra-conjugais, do divórcio, uma vida à vista do mundo, replicada à náusea. Depois a perda de patrocínios. E, sobre isso, problemas físicos.

Em dezembro de 2009, depois da sucessão de escândalos, Woods anunciou que iria fazer uma pausa. Tentou o regresso por várias vezes, a última vitória num torneio aconteceu em 2013.

Pelo meio uma lesão nas costas que o arrastou para o fundo. Um período negro em que, admite, já não era o golfe a questão, mas a dúvida se conseguiria vir a ter uma vida normal. «Provavelmente o ponto mais baixo foi não saber se conseguiria voltar a viver sem dores. Iria conseguir sentar-me, andar, deitar-me, sem sentir as dores que sentia?», recordou agora, depois da vitória de domingo.

Woods foi submetido em abril de 2017 à quarta operação às costas em três anos. Um mês depois atingiu o ponto mais baixo desta queda, quando foi preso por conduzir embriagado, depois de ser apanhado dentro do automóvel, com o motor ligado e sob um cocktail de medicação e drogas. Todo o mundo viu as imagens de um homem destruído.

Há um ano, o homem que esteve anos a fio no topo da hierarquia mundial ocupava a posição 1.199 do ranking. Tinha passado quase uma década desde que esta curva descendente começou. Parecia o fim.

«Durante alguns anos pensei que ele ia regressar. Mas para ser sincero depois comecei também a ter as minhas dúvidas», diz Ricardo Santos, que como toda a gente no mundo do golfe assistiu de longe com consternação à queda de Tiger. «Vi com muita tristeza a decadência dele.»

Seria o fim para muitos. «Facilmente qualquer outro que passasse o que ele passou tinha-se retirado há muito tempo», nota Ricardo Santos.

Mas Woods deu a volta. Passou por uma clínica de reabilitação, voltou aos treinos e voltou ao golfe. Por si e pelos filhos, diz. Sam, de 11 anos, e Charlie, de 9, só conheciam os bons tempos do pai pelo que viam no Youtube, diz Tiger. «Agora já percebem um pouco melhor o que o pai faz. Agora sabem o que o pai pode fazer num campo de golge, não apenas o que fazia. Muitas vezes o golfe para eles era sinónimo de dor, porque sempre que jogava magoava-me. Agora vêm alguma alegria mais, e como é divertido para mim voltar a fazer isto.»

Este foi um ano em crescendo até ao triunfo de Atlanta. «Antes do Tour Championship já fez muitos top-5. Este ano já esteve a disputar dois Majors», nota Ricardo Santos. «Dar a volta assim é de uma grande mentalidade, que não está ao alcance de muitos. É isso que me impressiona mais no Tiger, a força mental dele. Facilmente qualquer outro que passasse o que ele passou tinha-se retirado há muito tempo. Seguramente não lhe falta dinheiro», continua o golfista português. «É uma fonte de inspiração para qualquer jovem, para qualquer pessoa.»

E agora? Aos 42 anos e depois de tudo o que passou Woods poderá voltar a ser Tiger, dominar a modalidade como dominou? «É difícil ganhar a quantidade de torneios que ganhou. É verdade que o golfe não tem idade, mas não sei se ele consegue manter a potência. Também tem a questão das costas. E agora chegam ao desporto muitos jovens e bem preparados.»

Mas ele está aí. Para já na Ryder Cup, a tentar ajudar os Estados Unidos a conseguir uma vitória sobre a Europa que lhes escapa desde 1993. E, aconteça o que acontecer, a voltar a dar palco ao seu desporto. «O golfe deve muito ao Tiger. Hoje em dia joga-se para certos prize-money graças ao Tiger Woods», diz Ricardo Santos. «Atrás deste regresso vem mais atenção, mais patrocínios.»