Há exatamente 20 anos, as autoridades colombianas comunicavam ao mundo a morte do narcotraficante Pablo Escobar, na sequência de um tiroteio na cidade de Medellín. Um dia depois de completar 44 anos, um dos criminosos mais célebres e procurados em todo o mundo, concluía, da forma mais previsível, uma carreira que, durante mais de uma década, teve fortes ligações ao futebol do seu país.

O tema encontra-se documentado em várias obras, sendo a mais conhecida o documentário «The two Escobars», que relaciona o fim violento de Pablo com o assassinato, seis meses mais tarde, do defesa internacional Andrés Escobar, depois de um funesto autogolo que custou a eliminação da Colômbia no Mundial dos Estados Unidos, em 1994.

Embora os nomes não estivessem ligados por qualquer laço familiar, os destinos dos dois Escobares acabam por ter mais pontos comuns do que poderia pensar-se. Pablo Escobar, que ao longo das décadas de 70 e 80 foi subindo a pulso na hierarquia do tráfico de droga, até ascender ao posto mais alto, liderando o cartel de Medellín, era duplamente interessado pelo futebol: como adepto e como figura pública em busca de fatores de respeitabilidade.

No início da década de 80, quando a carreira política o levou ao cargo de senador, Escobar reforçou a popularidade construindo bairros sociais nas zonas mais desfavorecidas de Medellín, e financiando o futebol, tanto das populações carenciadas como dos clubes profissionais da região.

Veja o trailer de «The Two Escobars»


Foi assim que, em plena guerra com o Cartel de Cali pelo controlo da exportação de cocaína, Escobar fez também deslocar o eixo de influência do campeonato da Colômbia: o America de Cali, pentacampeão entre 1982 e 86, passou a enfrentar a concorrência firme dos dois maiores clubes de Medellín, o Atletico Nacional e o Independiente.

Com o futebol profissional a servir de fachada para sucessivas operações de lavagem de dinheiro – quer através das receitas de bilheteira, quer de falsas declarações de transferências e de contratos fictícios - a Colômbia abandonou, a partir de meados da década de 80, o estatuto de país periférico do futebol sul-americano. Os salários mais altos começaram a atrair talento e condições de trabalho que rivalizavam com as das outras potências do subcontinente.

«A injeção de dinheiro ilícito serviu para pagar bem aos jogadores locais e trazer bons estrangeiros. Com isso, era todo o futebol nacional que beneficiava»; assume no referido documentário o respeitadíssimo Francisco Maturana, técnico que comandou o Atletico Nacional entre 1987 e 1990, e a seleção da Colômbia nos Mundiais de 1990 e 94. Com uma geração de grandes talentos, liderada por Carlos Valderrama, e com nomes carismáticos como Higuita ou Rincón, a seleção da Colômbia pôs fim a um jejum de três décadas longe dos grandes palcos para ter uma prestação digna no Mundial 90, onde chegou à segunda fase.

1989, a tragédia depois da glória

Por essa altura já o futebol colombiano tinha vivido, em 1989, o seu ano charneira: capitaneada por um jovem Andrés Escobar, e diretamente financiada por Pablo, o Nacional de Medellín conquista em maio desse ano a primeira Taça Libertadores para o país, impondo-se na final aos paraguaios do Olímpia.

A final da Libertadores em 1989


Pablo Escobar, que repartia apoio e manifestações de afeto pelos dois grandes clubes da cidade, estava no auge da popularidade. E, mesmo em guerra aberta – e sangrenta – com as autoridades judiciais e militares, não se escondia na hora de colher os louros. Nomes da seleção, como Leonel Alvarez, não escondem, até hoje, que devem muita da projeção da carreira às influências de Escobar. No documentário, vários ex-jogadores confirmam que o barão da droga convocava pontualmente os craques da equipa para festas e churrascos, que incluíam jogos de exibição no seu campo de futebol privado.

Mas o outro lado da moeda, que no quotidiano se traduzia em milhares de vítimas mortais, estendia-se também ao futebol: nesse mesmo ano de 1989, a Colômbia não teve campeão. Porque a 15 de novembro, na sequência de um jogo entre o América de Cali e o Independiente de Medellín, Pablo Escobar considerou que o árbitro teria prejudicado deliberadamente a sua equipa, por ordens do cartel de Cali.

O resultado, desfavorável, fê-lo perder uma aposta milionária. Mas terá sido mais por uma questão de poder que ordenou a execução dos membros da equipa de arbitragem. Poucas horas depois, conta John Jairo Velazquez, braço-direito de Pablo, o auxiliar Alvaro Ortega morria baleado, não muito longe do estádio, com o árbitro.

Era demasiado brutal, mesmo para um país a ferro e fogo, onde as instituições oficiais se debatiam entre a impotência, as execuções e a corrupção. À renúncia dos árbitros, seguiram-se exigências de segurança, por parte da FIFA e da Conmebol, que levaram as autoridades a cancelar todas as provas desportivas profissionais de 1989.

Higuita e os outros

Perseguido pelas forças do governo e por cartéis rivais, Pablo Escobar sentia diminuir a capacidade de intervenção e negociou com as autoridades uma pena de prisão com regalias que lhe permitiam manter o controlo sobre as operações clandestinas. Nem por isso os líderes do narcotráfico deixavam de exercer a sua influência sobre os jogadores de topo. Em junho de 1991, o guarda-redes da seleção, René Higuita, foi filmado a visitá-lo na prisão. Azar, conta Velazquez no documentário, numa declaração confirmada por outro craque, Faustino Asprilla: foi Higuita como poderia ter sido qualquer outro elemento da seleção, com quem Pablo Escobar mantinha laços fortes.

Dois anos mais tarde, numa altura em que Escobar, fugido da prisão, era já um lobo acossado e cada vez mais perto do fim, Higuita foi detido por servir de intermediário num caso de sequestro. Mas o cenário tinha-se invertido: empenhado em limpar a imagem externa de um país manchado pela associação ao narcotráfico, o presidente da Colômbia, Cesar Gaviria, transformou a fantástica seleção comandada por Maturana – que alguns meses antes tinha goleado a Argentina em Buenos Aires, por 5-0 - em símbolo desportivo da nação.

Higuita foi perdoado a tempo de participar no funesto Mundial 1994, seis meses depois da morte violenta (e com contornos nunca totalmente esclarecidos) de Pablo Escobar. Mas, pressionada por ameaças e influências de outros criminosos e de organizações de apostas clandestinas, o ambiente da seleção deteriora-se. Maturana admitiu ter mudado o onze no jogo decisivo, depois de ameaças recebidas em pleno hotel. E depois veio a eliminação, às costas do autogolo mais triste da história do futebol.



A 2 de julho, poucos dias depois do regresso a casa, Andrés Escobar foi assassinado após uma discussão à porta de um bar, que teve o seu autogolo como pretexto. O seu funeral foi acompanhado por milhares de admiradores. Exatamente como tinha acontecido em dezembro, com o funeral do mais conhecido barão da droga a lembrar até que ponto a sua influência se tinha estendido às classes pobres.

A morte de Pablo Escobar fez com que o cartel de Medellín perdesse peso. Cali voltou a tornar-se a capital do submundo, antes de, com fortes apoios do governo norte-americano, as autoridades colombianas retomarem, pouco a pouco, algum controlo sobre a sociedade. O futebol foi, também, perdendo importância como biombo para negócios ilícitos e, à medida que a sua sociedade se pacificou a seleção da Colômbia passou por uma travessia do deserto, no plano desportivo.

A tricolor falhou os Mundiais de 2002, 2006 e 2010, só retornando à ribalta com uma nova geração, liderada por Falcao, Guarín e vários outros nomes, alguns dos quais com ligação ao futebol português. Uma geração que chega agora ao Mundial do Brasil, com legítimas ambições de cumprir o sonho falhado da equipa de 1994. Vinte anos depois da sua morte, o fantasma de Pablo Escobar já não assombra a seleção, mas o seu nome continua a marcar uma página importante da história «cafetera» e do futebol mundial.