Enviado-especial ao Brasil

Por detrás do empate do Irão com a Nigéria, amplamente festejado pelos jogadores, equipa técnica e adeptos da equipa asiática, há uma história de guarda-redes que envolve abandonos, amuos, acusações e um pedido de desculpa – e pelo caminho põe o Sp. Covilhã no mapa dos Mundiais.

A titularidade de Alireza Haghighi, o guarda-redes de 26 anos que jogou os últimos seis meses na Covilhã, de forma a competir regularmente e poder integrar a lista final de Carlos Queiroz, foi uma relativa surpresa para os observadores, dado que Haghighi partia com escassa experiência internacional (seis jogos pela seleção) e não tinha participado em qualquer jogo da fase de qualificação.

No final da estreia, o técnico português foi questionado acerca dos motivos que o levaram a assumir a escolha e Queiroz levantou apenas a ponta do véu: «Nos últimos tempos tivemos vários problemas com a posição de guarda-redes e procurámos novas soluções. Os últimos dois estágios disseram-me que a sua altura (N.R.: 1,93 m, o mais alto da equipa) e a segurança de que dava mostras era o que estava em melhores condições para esta estreia, tendo em conta as características da Nigéria», sublinhou, visivelmente satisfeito pela aposta.

Para Queiroz, e para o treinador de guarda-redes Dan Gaspar, que tem acompanhado o técnico português em vários etapas da carreira, a boa exibição de Haghighi era também uma vitória pessoal, depois da crise aberta em janeiro de 2013 pelo abandono do habitual titular na fase de qualificação, Mehdi Rahmati.

Depois de uma derrota caseira com o Uzbequistão, na qual teve responsabilidades no único golo do jogo, Rahmati anunciou que devido a «vários problemas» tinha decidido suspender temporariamente a carreira internacional. Numa altura em que a qualificação para o Mundial estava em risco, e Queiroz era contestado em alguns setores, esta posição, por parte de um dos jogadores de maior popularidade no país, era um desafio à autoridade do técnico português.

Queiroz disse aceitar a posição de Rahmati e promoveu o habitual suplente, Rahman Ahmadi, a titular para os últimos três jogos de qualificação. As três vitórias, incluindo o polémico triunfo na Coreia do Sul, puseram o Irão na fase final e deixaram Rahmati do lado errado da história: Queiroz riscou-o definitivamente das opções, mesmo depois de um pedido público de desculpas do antigo dono da baliza.

A história, que faz lembrar episódios recentes na seleção portuguesa, prosseguiu até às vésperas do Mundial, com pressão de dirigentes e de parte da comunicação social iraniana para tentar o regresso de Rahmati a tempo da convocatória final. Queiroz não cedeu, deixando o antigo titular fora da lista, e alargando as opções com a inclusão de outro «estrangeirado», Daniel Davari, guarda-redes do Eintracht Braunschweig que fez toda a carreira no futebol alemão.

A aposta em Haghighi para um jogo de estreia que, para as ambições iranianias, fazia a diferença entre uma campanha de sucesso e um Mundial falhado completou assim, com sucesso, um braço de ferro que reforçou a posição de Queiroz, numa altura em que as negociações para a renovação do seu contrato com a federação iraniana pareciam ter chegado a um impasse. Mesmo que, com Messi, Higuaín, Dzeko e Ibisevic pela frente nos próximos jogos, o pior para o Irão esteja seguramente por chegar.

«Tenho o telefone cheio de mensagens»

De sorriso rasgado, Haghighi falou ao Maisfutebol sobre «um sonho tornado realidade», num jogo que lhe permitiu manter a baliza inviolada antes do embate com a Argentina, sábado: «Este era um jogo muito importante para todos nós e, claro, para mim particularmente. Já esperava jogar, pelo que vinha acontecendo nos treinos, mas tenho de agradecer o apoio que recebi dos colegas, bem como a força que os adeptos nos transmitiram das bancadas», sublinhou.

Apesar da imagem de homem discreto e introvertido que deixou na Covilhã Haghighi não esquece a importância dos seis meses a atuar nos relvados portugueses e aponta para o telemóvel como prova das boas recordações: «Foram seis meses muito bons, conheci muitas pessoas simpáticas e a prova é que já tenho o telefone cheio de mensagens vindas de Portugal, de ex-colegas e não só. Agradeço-lhes a todos. Foi um período importante, para continuar ativo e poder chegar aqui em boa forma. Ainda sou jovem e ambicioso, e tenho mais objetivos grandes para o futuro, quem sabe se um dia posso voltar a Portugal», diz o atual guarda-redes do Rubin Kazan, acerca de um futuro ainda indefinido.

Um futuro que pode tornar-se mais notável se, no sábado, a defesa iraniana conseguir criar embaraços aos avançados da Argentina durante mais tempo do que os prognósticos fazem supor. Ainda moralizado pelos efeitos da boa estreia, Haghighi sorri e olha para o céu: «Espero que no próximo jogo, com a Argentina, possamos jogar ainda melhor, mas já sei que vou ter muito mais trabalho do que com a Nigéria. Eles têm grandes jogadores, não apenas Messi, e vai ser tudo mais difícil», conclui com uma expressão que é tudo, menos angustiada.