Quando a terra tremeu, as principais estruturas do país cederam. Milhares de sobreviventes correram para terreno aberto. O futebol abriu-lhes a porta. Meses depois, teve de os expulsar.

O Estádio Sylvio Cator,o principal do país, serviu de refúgio nos meses que se seguiram ao terramoto. No relvado, nos balneários, nas bancadas, à volta delas, em todo o lado surgiram tendas, locais relativamente seguros para acolher o povo.

«Sobre as famílias que ocupavam o estádio, já foi dita muita coisa, mas ninguém sabe ao certo. Existem ONG sérias que estão a construir pré-fabricados e a transferir a população para cidades próximas, mas a grande maioria está a fugir do país clandestinamente», desabafa o actual seleccionador, o brasileiro Edson Tavares, ao Maisfutebol.

Aconteceu o mesmo por todo o lado. Os relvados do L'Atlhlétique d'Haiti foram ocupados, o estádio do Aigle Noir AC também. Durante meses, ninguém ousou dizer que o desporto era mais importante que a vida. Agora, procuram recuperar os seus terrenos para seguir em frente.

«Ainda há meses, existiam milhares de pessoas acampadas no estádio nacional. Agora, o estádio está fechado para obras, pois queremos realizar os jogos de qualificação para os Jogos Olímpicos e o Mundial no Haiti. A FIFA está a financiar as obras no estádio e num centro de treinos que não existia antes», resume Edson Tavares.

A sofrer desde Portugal

Jean Sony (Leixões) e Peterson (Vizela, cedido pelo Sp. Braga) são os haitianos do futebol português. O segundo perdeu a sua casa no país de origem. O primeiro teve melhor sorte. Em declarações ao Maisfutebol, Sony fala sobre o momento actual do Haiti.

«Estive no Haiti em Junho do ano passado, nas férias, e ainda havia muita destruição. Felizmente a minha família não sofreu nada porque a nossa casa fica numa zona que não foi afectada. Em termos de recuperação ainda se notava pouca coisa, mas, agora, com o novo presidente, as coisas vão melhorar», espera.

O ala direito do Leixões acredita na recuperação total do Haiti e nas alegrias proporcionadas pelo desporto-rei: «Temos um excelente grupo de trabalho, com vários jogadores que actuam na Europa. Temos feito alguns jogos amigáveis e já mostrámos qualidade»



Edson Tavares, o seleccionador, reforça a esperança. «Em 42 anos de futebol, como jogador e treinador, nunca vi jogadores como tanta qualidade inata como no Haiti. Têm problemas de alimentação mas superam-se. Só precisam de disciplina táctica. Temos o Sony e o Peterson em Portugal, esse só tem 20 anos e ainda vai ser muito falado. O Desmarets (naturalizado) que jogou no V. Guimarães também faz a diferença. Temos 68 jogadores na Europa, dos quais 31 já foram naturalizados. O potencial é enorme», garante.

A música como salvação

Enquanto o futebol recupera a sua pose, o povo do Haiti virou-se para a música. A instabilidade política condicionou sempre a afirmação do país após a independência. As palavras fortes cantadas ao Mundo apresentam-se como solução.

«O futuro do Haiti está nas mãos do povo e dos políticos. Temos de ter consciência de que é preciso trabalhar muito para recuperar o país», avisa Jean Sony.

Michel «Sweet Micky» Martelly é o novo presidente do Haiti, após longo e conturbado processo eleitoral concluído no início de Abril. Um cantor como líder numa ideia desenvolvida pelos Fugees.

The Fugees, popular trio musical dos anos 90, jamais esqueceram as suas raízes. Fugees é apenas um diminutivo de refugiados. Wyclef Jean e Pras Michel, dois deles, saíram do Haiti para encontrar o sucesso nos Estados Unidos. O primeiro apresentou a candidatura à presidência, em Agosto de 2010, sem sucesso. O segundo encontrou a alternativa: Michel Martelly. Que a música os salve.