Por: Tiago Antunes

Vivem-se no Afeganistão dias de angústia e de desespero por conta do avanço dos talibã. A cidade de Cabul foi tomada e a instabilidade, a ausência de direitos humanos e o medo reinam no país. Muitos já conseguiram fugir, outros tantos ainda procuram forma de escapar, atropelando-se uns aos outros com tamanha aflição.

A situação toca a todos, ainda mais a quem está longe e tem as suas raízes no Afeganistão. É o caso de Hamid Taheri, de 28 anos, que fugiu para a Europa com os pais e o irmão. Dedica-se ao futebol, apesar de dividir o dia com a área da restauração. É jogador do Bobadelense, do campeonato distrital de Lisboa, e espera ainda conseguir chegar longe no futebol.

«Saí do Afeganistão com quatro anos, em 1998. Tivemos de fugir da guerra. Percorri vários países, o primeiro foi a Ucrânia. Foi o que nos deu as melhores condições na altura para ficarmos a salvo», começou por contar Hamid em conversa com o Maisfutebol.

Chegou a Portugal com estatuto de refugiado numa viagem fora daquilo a que estava habituado. Hamid mudou-se para um sítio que lhe trouxe «paz e tranquilidade».

«Quando vim para Portugal, já vim num avião, foi tudo mais tranquilo. Vim com 17 anos para cá. Foi uma chegada boa, foi uma paz, uma tranquilidade, um refúgio. Portugal é um país calmo, é tudo completamente diferente do Afeganistão», disse o jovem de 28 anos.

Sempre quis jogar futebol, muito por influência de Omed, o seu irmão. Quis desde cedo fazer do futebol a sua vida e não esconde as ambições que tem.

«Comecei a jogar futebol com seis anos, a dar pontapés na bola. O meu irmão jogava nas ‘escolinhas’ e levou-me a jogar. Foi uma coisa pela qual optei, foi sempre o que queria para a minha vida, e não podia desistir. Apesar da minha idade, não posso desistir de chegar longe no futebol. Temos vários jogadores profissionais que começaram a ter destaque com 28 anos, por exemplo o Jamie Vardy, do Leicester. Depois temos o Cristiano Ronaldo, o Zlatan Ibrahimovic, que com mais de 30 anos continuam a bater recordes», considerou Hamid.

O jogador afegão joga a defesa esquerdo, muito «por ser esquerdino», mas tudo partiu de uma «opção do treinador».

«Já joguei a defesa central e a extremo esquerdo, a minha posição natural até é extremo esquerdo. Se não fosse nessas posições, gostava de jogar também a ponta de lança. Qualquer jogador gosta de marcar golos», admitiu o atleta de 28 anos.

Hamid nunca teve problemas com colegas de equipa em Portugal. Apesar de alguns percalços vividos com questões burocráticas, o afegão passou por bons balneários.

«Sempre tive, em todos os clubes, balneários bons, tranquilos, amigáveis, que sempre nos receberam bem. A minha relação com o meu irmão sempre foi boa, tranquila. Acho que nos faz bem sermos amigos, já que somos irmãos! Tive alguns problemas na Ucrânia por causa dos documentos. Nós deixámos tudo para trás e durante 12 anos tivemos de renovar todos os meses os nossos documentos. Aqui em Portugal, quando cá cheguei, tive problemas no futebol durante uns três anos», disse Hamid.

De facto, em 2011, o Maisfutebol explicou que o jogador não podia ser inscrito por falta do contrato de trabalho do pai, que tem estatuto de refugiado. Pode recordar aqui a reportagem.

Ultrapassadas as dificuldades, o futebol trouxe-lhe conhecidos ao longo dos anos, fossem eles dentro ou fora do clube onde jogava.

«Nunca me senti a mais e depois de alguns anos comecei a conhecer jogadores, sempre me relacionei com outros jogadores da minha ou de outras equipas. Fora do campo somos todos amigos. Nunca houve um problema que dissesse que tenha sido grave», contou o jogador do Bobadelense.

Para Hamid, o futebol português tem qualidade, muita dela ainda para ser descoberta pelos clubes profissionais.

«Sinceramente, Portugal tem bastantes jogadores com muita qualidade. Os campeonatos distritais daqui, principalmente o de Lisboa que é onde eu jogo, têm muita qualidade em relação a outras ligas distritais de outros países de onde joguei. Apesar de muitos jovens de qualidade não terem hipóteses de jogar noutros níveis mais altos, o futebol aqui é bom», considera o jogador de 28 anos.

A aventura no futebol português tem sido positiva, apesar de não conseguir chegar a patamares superiores. Conheceu vários clubes, conheceu o próprio futebol português e considera que os jogadores de destaque do futebol mundial têm saído de Portugal. Viver em Portugal tem sido gratificante para Hamid.

«Portugal foi o país que nos acolheu, que nos deu abrigo, Lisboa é como a minha segunda casa. Já fiquei fora do país durante algum tempo e Portugal para mim é Portugal. Quando saí daqui, fiquei logo com saudades. Estive na Alemanha e na Bélgica durante uns meses, porque em 2012 era difícil encontrar trabalho. Então tivemos de sair e trabalhar fora do país, tivemos de lutar pela vida. Entretanto arranjámos trabalho cá e voltámos», contou o jovem jogador.

Longe do seu país desde os quatro anos, Hamid sofre como qualquer afegão com a situação vivida nos últimos dias.

«A situação estava controlada há um mês. Conseguimos libertar oito cidades dos talibã, e, entretanto, de uma semana para cá, aconteceu tudo do nada. Nem nós nem eles lá estavam à espera que isto acontecesse agora», disse.

Na quarta-feira registou-se a morte de um jovem futebolista de 19 anos que tentava fugir do país no trem de um avião americano. Acabou por cair e morrer ao procurar uma maneira de escapar. Hamid reconhece que muitos mais jovens estão na linha para fugir.

«Nesse caso trata-se de futebol, mas temos muitos jovens atletas talentosos que tiveram de fugir agora e no passado. Os pais, os tios, os filhos, os primos, todos têm fugido. Tenho lá a minha tia e os meus primos com quem não consigo falar desde a semana passada. Não sabemos se estão vivos, se conseguiram fugir de lá, se já estão noutro país. Quando toca à nossa família é tudo pior, mas claro que é mau em qualquer caso», confessou Hamid.

O jovem de 28 anos não tem planos para voltar ao Afeganistão, mesmo que a situação esteja controlada, a não ser como turista. Acompanha o futebol afegão e gostava de jogar no seu país, mas duvida que tenha condições para tal.

«Não pretendo voltar para o Afeganistão. Se voltar, será apenas para visitar, para conhecer o meu país, a minha terra, mas não para viver. Não há condições, eu saí de lá por causa da guerra, o medo existe sempre. Saí com quatro anos, não conheço nada do Afeganistão, mas ficava lá no máximo umas duas semanas. É obvio que gostava de jogar no campeonato de futebol do Afeganistão. Gostava de ter essa experiência, acompanho a liga de lá. Gostava de representar algum clube do meu país, mas não sei se será possível mesmo pela instabilidade que se vive lá e por não querer viver lá. Já estive em treinos na seleção lá no Afeganistão, mas para ficar lá uma época ou mais, não sei», disse Hamid.

Longe do Afeganistão, o jovem de 28 anos, que fugiu da guerra à procura de melhores condições de vida, deixa uma mensagem de esperança ao povo afegão.

«Quero desejar toda a sorte do mundo para os que estão lá, para os que fugiram de lá, para os que estão a tentar fugir. Espero que todos tenham muita força porque não está fácil. Eu posso não saber bem o que é viver isto, porque era novo quando me aconteceu, mas compreendo que tenham de fugir. Não há muito a dizer, nós também fugimos de lá pelas mesmas razões. Só desejo toda a sorte a todos».