Mauricio Hanuch seria mais um flop do futebol português, uma estrela cadente que passou por Sporting e Santa Clara sem deixar saudades. Contudo, a história de vida do Turco transformou este médio argentino num herói: aos 34 anos, perdeu os dois rins. Esteve perto da morte, lutou pela vida e venceu.

O relato da façanha pessoal chegou ao Maisfutebol, motivando o contacto imediato para o pacato bairro de Buenos Aires onde Hanuch passa os seus dias. Afável, com todo o tempo do Mundo, liga de volta. Quer falar, descrever o melhor golo da sua vida. Aquele que lhe permitiu continuar a respirar.

«Foi uma vitória, uma final. Houve concentração, como no futebol, e depois a partida. Nessa altura, percebes o que é verdadeiramente importante. Futebol? Quero é viver, usufruir da família, um dia de cada vez», resume, com um sorriso embrulhado na voz.

«Rins funcionavam a 8 por cento»

Hanuch chegou ao Sporting em 1999, quando tinha as malas prontas para o Benfica. Foi um roubo, anunciou-se na altura. Um erro, escreveu-se depois. Josic saiu, Materazzi não queria saber dele. Inácio fez um pouco mais, o médio somou 11 jogos e foi-se embora. Ainda regressou, nove partidas e um golo com a camisola do Santa Clara. Muito pouco.

O argentino projectado pelo Independiente rumou a Espanha, depois Argentina, Brasil e até Albânia. Por aí, começaram os sintomas. Algo falhava: «Sentia cansaço, demorava muito a recuperar. Aos 31 anos, desisti e retirei-me. Há nove meses, ainda com 33, fiz um jogo amigável e senti-me mal. Regressei a casa sem passarem as dores de cabeça.»

«Não aguentei. Às cinco da manhã, fui a uma clínica. Já mal saí de lá. Fizeram-me uma biopsia, os rins funcionavam apenas a 8 por cento. Menos um pouco e estaria morto. Passei a fazer diálise, quatro horas de cada vez, três vezes por semana. Mais cansativo que dois jogos seguidos», relata Hanuch, sem perguntas pelo meio, orgulho imenso na conquista pessoal.

Não havia tempo a perder. Mais que dinheiro, fama, bens matérias, Mauricio Hanuch queria saúde, vida. Felizmente, havia muito por ali, à sua volta. A mulher ofereceu-se, claro, mas tinha outro tipo sanguíneo. Foi entre o pai e a irmã mais velha, Marcela, a protectora. Era mais nova, mais saudável, ela. E sacrificou-se sem pestanejar.

«Estive quatro meses a fazer diálise e, a 29 de Novembro de 2010 (celebrou o 34º aniversário semanas antes), recebi o transplante. Foi uma sensação maravilhosa, desapareceram as dores e um mês depois só queria ir para o ginásio. Mas ainda tenho muito cuidado», desabafa.

O rim novo, importado para o corpo enfraquecido, devolveu-lhe a vida. Os velhos continuam por lá. «Deixaram os meus e colocaram este à frente. Ao início, sentia que tinha algo a mais no corpo, mas agora já me habituei», brinca. Como uma criança acabada de nascer.

Beijos só para a mulher

O pior já lá vai, o futuro chama por ele. «Para já, tive de repensar a minha vida. Não esquecer os 18 medicamentos que tenho de tomar, evitar os locais públicos, porque estou com defesas baixas e não posso apanhar infecções. São seis meses assim, mas já consigo sair um pouco, estar com os amigos, sempre fui uma pessoa alegre e motivada, isso ajuda-me a lutar», acrescenta.

Faltam os beijos. Um velho costume argentino. Mas esses, sorri Hanuch, ficam apenas para a esposa. «Não pode ser, por causa dos vírus. Só que também não ia ficar sem beijar a minha mulher! E se ela sente falta, se me põe os cornos? Não, isso tinha mesmo de ser. Ela bem merece», remata com humor, com a alegria dos vencedores.

Recorde alguns momentos de Hanuch