Quem olha para Henrique Araújo não pode deixar de notar ali um bocadinho do trajeto de Cristiano Ronaldo.

Afinal de contas é madeirense, começou no Andorinha, passou por um grande da Madeira e de lá transferiu-se para um grande do continente. Começou como extremo e, entretanto, tornou-se um goleador. É um daqueles jogadores com fome de fazer mais e melhor.

«Ele aprendeu a perder muitas vezes», conta ao Maisfutebol o pai Gonçalo Nuno Araújo.

«Na idade dele a formação do Nacional tinha preponderância na região, portanto ele perdeu muitas vezes e a verdade é que saía desses momentos sempre mais forte: identificava as fragilidades e olhava para essas situações com uma oportunidade para melhorar.»

Diogo Cardoso, que atualmente joga no V. Guimarães, foi colega de Henrique Araújo durante anos a fio no Benfica e corrobora completamente estas palavras.

«Recordo-me que ele sempre foi um rapaz que quis evoluir muito. Notava-se ao nível do treino, do ginásio, de pensar o jogo, de preparar-se fora de campo. Na altura até foi engraçado, porque fazíamos reuniões regulares e quando ele chegou o treinador insistia que ele tinha de fazer melhor determinados movimentos de marcação», refere.

«Mostrava-lhe vídeos meus, que estava há mais anos no Benfica, para explicar o que era necessário que ele fizesse. Ele assimilava aquilo e passado pouco tempo já estava a fazer esses movimentos muito bem. O que ele está a conseguir é fruto da vontade dele em evoluir todos os dias. E se Deus quiser ainda vai chegar muito longe, porque ele merece.»

Marco Bragança foi treinador do jovem no Marítimo e acrescenta um detalhe curioso.

«Na cabeça dele, cada treino era mais uma oportunidade para evoluir. Nos momentos do treino e do jogo é completamente focado naquilo. Era infantil e mesmo nessa altura fazia treino de recuperação ativa fora do Marítimo. Já levava esses detalhes muito a sério.»

O desporto sempre foi muito importante na vida de Henrique Araújo, de resto.

Filho de um nadador federado, com uma carreira que o levou ao Algés e Dafundo, o avançado do Benfica foi orientado, tal como a irmã mais nova, a fazer desporto desde muito cedo.

«Eu também tenho uma prática muito regular de desporto e acabei por incutir isso nos meus filhos. Eles desde crianças praticavam desporto. O Henrique aprendeu a nadar com três ou quatro anos e teve uma rotina de ir à piscina duas vezes a três vezes por semana até aos doze anos. Mas ele gostava da bola e quis fazer esse desvio para o futebol», refere o pai.

«Começou por volta dos seis anos no Andorinha, esteve lá uns quatro anos e manteve a prática dos dois desportos, embora nitidamente gostasse mais de jogar futebol. A natação seria um bocadinho imposta, porque eu fui nadador, conheço muito bem as piscinas e nós madeirenses temos uma relação com o mar muito grande. Convém que os miúdos ganhem desde cedo essa ambientação ao meio aquático.»

Olhado para trás, e com o distanciamento de uma década, Gonçalo Nuno Araújo está seguro que a decisão de tentar que o filho não abandonasse as piscinas só lhe fez bem.

«Nós vivíamos num apartamento, ele não tinha rua e o desenvolvimento físico é muito mais difícil em meio urbano. O facto de ter um desporto alternativo como a natação permitiu-lhe desenvolver uma série de capacidades cardiovasculares e musculares que ainda hoje o ajudam no futebol.»

Pela forma como Gonçalo Nuno Araújo fala já dará para perceber que Henrique Araújo não é o clássico jogador que vem de um meio desfavorecido. Pelo contrário.

O pai é licenciado em Engenharia Civil e desempenha funções na administração pública da Madeira, atualmente por exemplo é diretor regional de Planeamento, Recursos e Infraestruturas, a mãe é técnica licenciada em Farmácia e o pensamento crítico sempre foi estimulado lá em casa.

Por isso, para quem o conhece, o discurso esclarecido e muito assertivo que o avançado teve em Vila do Conde, no final de uma derrota com o Rio Ave, não foi surpreendente.

«Ele tem formação e é um miúdo interessado no mundo que o rodeia. Em casa promovemos um diálogo permanente sobre todos os assuntos e ele enquadra-se bem nesses diálogos. Sempre foi interessado em estar atento ao mundo e quando era miúdo até dizia que queria ser jogador de futebol e político. Eu só lhe dizia ‘pá, mas ao mesmo tempo não pode ser’.»

Nas redes sociais o jovem até costuma partilhar vídeos de debates sociais ou políticos, e até textos de opinião de pensadores que refletem sobre a atualidade.

«Sempre teve vontade de alimentar uma noção clara da sociedade, da economia, da geopolítica e tem conhecimentos para desenvolver uma conversa interessante. Aliás, ele fala desses temas com os colegas no balneário, ele promove essas discussões com um grupinho que tem com o Pedro Souza, o Henrique Pereira, o Tomás Araújo e outros jogadores.»

Por falar em Tomás Araújo, interessa nesta altura dizer que é o grande companheiro de Henrique Araújo. Curiosamente dois jogadores que se estrearam esta época na equipa principal: o central já soma três jogos, o avançado soma cinco jogos e um golo.

Os dois, de resto, eram colegas de quarto no Seixal, saíram aos 18 anos e partilham desde então um apartamento. Na última segunda foram juntos campeões europeus de juniores.

Para lá chegar, porém, Henrique Araújo percorreu um longa trajeto. Não foi rapaz de jogar na rua, mas era apaixonado pelo futebol e aos seis anos pediu ao pai para ir jogar no Marítimo.

«Nós costumávamos ir de férias para a praia de Porto Santo, normalmente sempre no início de setembro. Nesse ano, em 2008, quando voltámos das férias a época já tinha começado, os plantéis do Marítimo já estavam cheios. Portanto, foi para o Andorinha, que fica a 400 ou 500 metros do campo de treinos do Marítimo, em Santo António», recorda o pai.

«O Andorinha era um projeto que estava em crescendo, na sequência até do próprio Cristiano Ronaldo já estar numa fase de topo mundial, o que potenciou a formação do clube e atraía muita gente. Tinha um quadro de monitores e de gente que desenvolveu a formação e criou o que eles chamavam a creche de futebol do Andorinha.»

Ficou quatro anos no Andorinha, a fazer o que o pai chama de formação prévia, para depois seguir para o Marítimo. O que Gonçalo Nuno Araújo diz ter sido uma mudança óbvia e natural.

«O Henrique era adepto do Marítimo, como também era do Benfica. Quando um miúdo tem qualidade, chegando aos 10 ou 11 anos, ou vai para o Marítimo ou para o Nacional. Ele sempre foi do Marítimo. Além disso tinha os primos a jogar no Marítimo, o João Pedro Araújo, que esteve cinco anos na formação do Sporting, e o Gonçalo Araújo. Ttambém já tinha mostrado no Andorinha que tinha qualidade e a transição foi relativamente fácil.»

Marco Bragança, o treinador que o orientou no Marítimo, conta até um episódio curioso.

«Ele era e é um adepto ferrenho do Marítimo. Quando acabavam os nossos jogos e havia jogo da equipa principal, ele ia a correr para os Barreiros para ver o jogo no meio da claque.»

A paixão pelo Marítimo não o impediu de tomar uma decisão muito lúcida aos 16 anos.

«Chegou uma altura que era decisiva, na Madeira já não havia grande coisa a aprender. O que se faz no Marítimo e no Nacional tem sempre alguma limitação, há uma distância grande para os campeonatos nacionais. Portanto, das duas, uma: ou queria desenvolver- se e tinha de sair para o continente ou aquilo ficava mais ou menos por ali.»

A verdade é que as equipas da Madeira jogavam apenas a um nível regional na formação: ainda hoje o fazem, à exceção dos juniores, que já disputam o campeonato nacional. Na altura, porém, apenas o campeão de juniores disputava uma liguilha no continente.

Ora tanto o pai Gonçalo, como o filho Henrique sentiram que o futebol regional era curto para promover um desenvolvimento que permitisse ao jovem chegar a um patamar interessante.

«Eu fui-o alertando, ele teve alguns meses para pensar e quando chegou a Páscoa disse: ‘Vamos experimentar’. Houve uns meses de preparação, ele foi maturando essa ideia e quis experimentar. Então fiz uns contactos e falei com o João Camacho, que trabalha na Gestifute e é madeirense. Tinha estado no Marítimo quando eu também fui lá dirigente. Ele fez um contacto com o Benfica e propôs que o Henrique fosse lá fazer um estágio de uma semana ou de dez dias.»

Era uma situação perfeita. Até porque o coração do jovem batia pelo Benfica desde criança.

«Foi para Benfica Campus na semana de férias da Páscoa. As coisas correram bem e foi tudo rápido. Os treinadores deram uma referência positiva e pediram para ele ficar mais três ou quatro dias. Ficou esses dias, mas depois o convite era uma coisa muito difusa, se tinha alguma família em Lisboa onde ficar, eu disse que não podia ser assim, ou ficava no Benfica Campus ou não ficava, porque ele vinha da Madeira e tinha de ter uma estrutura de apoio.»

A verdade é que Henrique Araújo tinha 16 anos, era um excelente aluno e tinha a ambição de continuar a sê-lo. No seio da família sempre foi demasiado óbvia a necessidade de estudar.

«Essa estrutura foi garantida e propuseram que ele ficasse um ano à experiência sem contrato de formação. Ele aceitou e o contrato de formação apareceu logo após quinze dias de pré-época. Aliás, a meio dessa primeira época no Benfica Campus ele assinou contrato profissional.»

A vocação de Henrique Araújo para a escola era reconhecida até pelos companheiros. Diogo Cardoso diz que é uma das primeiras características que saltava à vista no madeirense.

«Nós estudávamos no Colégio Gualupe, na Aroeira. Eu não era da turma dele, mas tínhamos aulas juntos e notava-se claramente que era muito inteligente. Não era aquele miúdo de ficar no canto dele, gostava de participar e de brincar, mas sabia muito de todos os temas.»

Apesar da mudança de um meio mais pequeno para a capital, Henrique Araújo não sentiu dificuldades de adaptação a Lisboa. O pai diz que o facto de ter deixado a casa da família, no Funchal, já com 16 anos e uma maturidade importante foi determinante nesse aspeto.

«Quando veio da experiência na Páscoa, aos 16 anos, ele chegou ao pé de nós e disse: ‘Ali é o meu lugar’. Portanto, do nosso ponto de vista, ficamos logo descansados em relação a isso. Se ele achava que o lugar dele era ali, não havia muito mais a fazer. De resto, nos primeiros dois anos nós íamos de mês em meio em mês e meio passar o fim de semana ou mais alguns dias com ele e ainda hoje falamos todos os dias com ele meia hora por telefone ou videochamada», revela.

«Do nosso ponto de vista, o pior que poderia acontecer era ele ficar na Madeira e passar uma vida inteira a questionar-se ‘o que é que teria acontecido se tivesse ido para Lisboa?’. Então foi tentar, foi à luta. O Benfica Campus teve realmente uma estrutura de apoio fabulosa, só tenho elogios para o que fizeram, ele acabou o 12º ano, entrou para a faculdade, para Economia no ISEG e congelou a matrícula.»

Curiosamente, o Benfica não foi a única hipótese que Henrique Araújo teve de fazer a formação num grande. Antes de viajar para o Seixal, o avançado já tinha estado no Porto. Foi chamado a treinar-se na Constituição, mas depois o interesse não teve continuidade.

«O Henrique participou em dois torneios Lopes da Silva, um com 13 e outro com 14 anos, e na sequência disso, o FC Porto convidou-o para ir lá durante uma semana fazer uma daquelas experiências. Ele foi uma semana, ainda participou num torneio de fim de semana, a Taça Lidador 2016 para sub-15, no qual foi o melhor marcador, mas depois também nunca houve feedback, porque o FC Porto nessa altura tinha o Fábio Silva.»

Curiosamente Fábio Silva saiu para o Benfica, voltou mais tarde ao FC Porto e, passado um ano, foi Henrique Araújo quem o substituiu no Seixal. Henrique Araújo que, entretanto, se tornou uma coqueluche da formação encarnada. É o melhor marcador da história do Benfica B, em igualdade com Heriberto Tavares, já se estreou na equipa principal, até marcou um golo, e brilhou com o hat-trick na primeira final da Youth League ganha pelo clube.

Diogo Cardoso ainda hoje sorri quando se lembra da primeira vez que Henrique Araújo foi chamado a treinar com a equipa principal. Tinha na altura 17 anos.

«Um dia da parte da tarde estávamos no salão de jogos do Seixal e do nada começámos a ouvir o treinador Luís Araújo a gritar onde era o quarto do Henrique Araújo. Nós dissemos onde era e passado um pouco passam o mister e o Henrique a correr. Ficámos a pensar o que teria acontecido. Até que através de uma janela vimos o Henrique a treinar com a equipa principal. A equipa tinha tido jogo, os titulares estavam a fazer recuperação, precisavam de jogadores e o Bruno Lage chamou o Henrique. Ele treinou com a equipa principal, nós tínhamos jogo essa tarde e ainda veio jogar na nossa equipa depois.»

A Madeira pode ter perdido um político, mas o país terá ganhado um goleador.