Seria, em princípio, apenas mais uma evocação anual de Hillsborough, 24 anos depois da tragédia que custou a vida a 96 adeptos do Liverpool, em Sheffield. Mas os acontecimentos dos últimos dias vieram reforçar o simbolismo da cerimónia realizada nesta segunda-feira no estádio de Anfield.

Uma semana após a morte de Margaret Thatcher, dois antes antes do seu funeral, o aniversário coincide com um fim de semana marcado por incidentes. Foi como se a Inglaterra acordasse nesta segunda-feira para uma realidade que julgava banida há duas décadas.

Este foi o primeiro tributo em que as vítimas estão formal e oficialmente livres de culpa no sucedido, ao contrário do que foi sustentado pelas autoridades até ao ano passado. Em setembro, a divulgação de um relatório independente confirmou tudo aquilo que vinham afirmando há longos anos: que os adeptos, que morreram por esmagamento, não eram desordeiros, e as falhas de segurança no estádio, e da atuação policial, foram encobertas pelos responsáveis.

Feito esse reconhecimento, acompanhado dos pedidos de desculpa do governo de David Cameron, falta o passo seguinte, dizem os ativistas da causa: a punição dos responsáveis. Foi esse o mote mais repetido, ao longo desta segunda-feira, com jogadores e dirigentes atuais a misturarem-se com nomes do passado.

Foi do presidente do Everton, Bill Kenwright, histórico rival do Liverpool, um dos discursos mais fortes da tarde, por entre gritos de «Justiça para os 96!». Nessa tarde de 1989, contou Kenwright, o Everton tinha acabado de passar à final da Taça, em Birmingham. Mas as notícias que chegavam de Sheffield travaram qualquer entusiasmo, contou: «Sentimo-nos como se tivéssemos acabado de descer de divisão», afirmou o dirigente, que terminou a sua intervenção com uma homenagem às mães das vítimas: «Meteram-se com a cidade errada, e com as mães erradas! Espero que daqui por um ano, no 25º aniversário, estejamos aqui a celebrar a maior vitória alguma vez conseguida por uma equipa deste país, não apenas no futebol como na vida»

Thatcher e o pós-Hillsborough

A cumplicidade das autoridades no encobrimento do que se passou em Sheffield foi uma das causas para que a animosidade para com a então primeira-ministra Margaret Thatcher nunca esmorecesse. E a proximidade da sua morte com o aniversário de Hillsborough tornou particularmente aguda, em vários estádios da Premier League, a começar por Anfield, a rejeição de minutos de silêncio e outras homenagens póstumas.

Hillsborough, em conjunto com outras tragédias que envolveram o futebol britânico na década de 80 (como os confrontos de Heysel ou o incêndio de Bradford, em 1985) mudou radicalmente a relação dos ingleses com o futebol. Ainda na era Thatcher, a legislação apertou na segurança dos estádios, no controlo dos adeptos e nas ações policiais, levando praticamente à erradicação do hooliganismo.

Com a subida de preços e a melhoria de condições nos recintos, o futebol deixou de ser visto como passatempo proletário, ganhando com a Premier League um estatuto de entretenimento para as famílias de classe média.

No entanto, este fim de semana trouxe o regresso de incidentes, primeiro em Wembley, onde no sábado setores de adeptos do Millwall se envolveram em confrontos, primeiro entre si, depois com a polícia. No domingo, os adeptos do Newcastle, recém-saídos de uma derrota por 3-0 com o rival Sunderland reagiram de forma violenta nas ruas, avivando o receio de que os fantasmas possam estar de volta.