Escolhemos um dos encontros do fim de semana e partimos em busca de histórias. O Maisfutebol traz-lhe a História de Um Jogo. Desta vez, o Coventry City-Luton Town deste sábado, naquele a que chamam o jogo mais valioso do mundo

Uma das entradas do estádio do Luton Town fica entre duas casas vitorianas e para chegar às bancadas os adeptos visitantes têm de passar por umas escadas de metal que ficam por cima dos quintais da vizinhança.

Foi a partir de Kenilworth Road, o estádio centenário que é uma viagem no tempo, que o Luton subiu e desceu a escada do futebol inglês: caiu da I Divisão até ao futebol não profissional, onde estava há menos de uma década, voltou a subir cada degrau e está agora a um jogo da Premier League. Joga neste sábado em Wembley a final do play-off do Championship, aquele a que chamam o jogo mais valioso do mundo. E terá pela frente outro histórico que andou lá bem por baixo, o Coventry City.

Passaram apenas cinco anos desde que os dois clubes se defrontaram na League Two, o quarto escalão do futebol inglês. E agora aqui estão eles, a um jogo da glória. «Esta história é para os românticos», como diz Mark Robins, o treinador do Coventry.

Separados por uma centena de quilómetros de distância, Coventry City e Luton Town, cada um com mais de 130 anos de história, não têm uma relação de vizinhança ou rivalidade particular, mas têm um longo passado e essa história comum de resistência. Defrontaram-se dezenas de vezes desde o início do século XX. Já foram adversários na I Divisão e nos últimos anos encontraram-se na League Two, na League One e no Championship, na caminhada de ambos para o regresso à elite.

Luton, o primeiro a descer quatro divisões e a voltar

O Luton foi o primeiro clube inglês a descer da I Divisão até ao quarto escalão e a voltar a subir cada um deles até regressar ao topo, em meados dos anos 70. E agora está perto de voltar a fazer o mesmo.

Nos anos 80, o Luton conseguiu um sétimo lugar na Premier League, um ano antes de conquistar o maior troféu da sua história – a Taça da Liga de 1988, ganha ao Arsenal numa final épica. Um penálti defendido lançou a reviravolta dos Hatters, que selaram a vitória com um golo ao cair do pano.

Quatro anos mais tarde começava a queda. Ironicamente, o Luton participou do processo de criação da Premier League. Mas foi precisamente no final da época 1991/92, a última da First Division, que desceu, ao fim de dez anos no primeiro escalão.

30 pontos na secretaria e a queda para a National League

Seguiram-se duas décadas de despromoções e subidas, no meio de muitos problemas financeiros, que em 2008/09 levaram o clube a ser penalizado com a perda de 30 pontos, a maior penalização pontual de sempre no futebol inglês. No final dessa época, os Hatters venceram em Wembley o troféu da Football League, mas acabaram despromovidos à National League, o quinto escalão, já considerado não profissional.

Por lá ficaram quatro anos, até recomeçarem a ascensão: quatro temporadas na League Two, uma na League One e três no Championship. Em 2021/22 chegaram à meia-final do play-off de subida, que perderam frente ao Huddersfield. Na temporada atual, mesmo com uma mudança forçada de treinador, face à saída de Nathan Jones para o Southampton no início de novembro, garantiram o terceiro lugar, o último sem acesso direto à Premier League. Afastaram o Sunderland na meia-final e agora estão a um jogo da glória.

Coventry, as quedas sucessivas e a casa às costas

«O Luton veio da National League. Lembro-me bem. O Mick Harford a pegar na equipa, a dedução de 30 pontos, foi uma caminhada dura para eles», diz Mark Robins, o treinador do Coventry: «Mas também foi uma caminhada dura para nós, que temos a nossa conta de problemas ao longo dos anos.»

Sim, o percurso do Coventry também tem sido acidentado e Mark Robins sabe do que fala, ele que chegou em 2017, com o clube na League Two. Estavam bem longe os tempos da Premier League e do primeiro escalão, onde o Coventry passou 34 temporadas consecutivas. Salvou-se no limite na época anterior ao arranque da Premier League – foi o primeiro clube a evitar a despromoção –, mas acabaria por descer mesmo anos mais tarde, em 2001. Estava já longe o sexto lugar no campeonato de 1970, que valeu a presença na extinta Taça das Feiras, ou a Taça de Inglaterra conquistada em 1987. Na final de Wembley, os Sky Blues venceram o Tottenham por 3-2, no prolongamento.

A complicar as coisas, o Coventry andava com a casa às costas. O estádio onde jogou ao longo de mais de um século, Highfield Road, foi demolido em 2006. A nova casa seria a Coventry Arena, um recinto construído de raiz, com o clube como arrendatário. Mas esse processo foi marcado por desentendimentos jurídicos e mudanças de propriedade do estádio, que levaram o Coventry a jogar em casa emprestada, em Birmingham e em Northampton, durante várias temporadas. Só em abril deste ano foi anunciado um acordo de médio prazo para fazer da Coventry Arena a casa dos Sky Blues.

Mark Robins, antigo avançado que passou por vários clubes e acabou a carreira no Manchester United, já tinha passado antes pelo banco do Coventry. Regressou em março de 2017 e na temporada seguinte o clube assegurou a promoção. Depois, só precisou de uma época na League One para voltar a subir. No Championship, a corrente temporada deixou mais um sinal da resiliência da equipa. O Coventry chegou a andar pela segunda metade da tabela no início de outubro, mas recuperou e terminou em quinto lugar. Garantido o bilhete para o play-off, eliminou o Middlesbrough na meia-final.

Quantos milhões vale este jogo?

Agora, Wembley será o palco da decisão para os dois clubes, na final do play-off que a cada ano significa o bilhete premiado da lotaria para o vencedor. Chamam-lhe o jogo mais rico do mundo porque dá acesso aos milhões da Premier League. Além do potencial aumento de receitas comerciais, a maior fatia do bolo vem dos direitos televisivos.

O valor depende de diversas variáveis – há uma verba fixa por clube, outra em função dos resultados desportivos e outra ainda por cada jogo que passa na televisão, além dos chamados pagamentos paraquedas, garantidos por três anos às equipas que descem de divisão. São pelo menos 100 milhões de libras (115 milhões de euros) diretos – esse foi o valor que recebeu em 2021/22 o Norwich, último classificado da Premier League. No ano passado, a consultora Deloitte estimava que a equipa que vencer o play-off do Championship garante uma verba de pelo menos 170 milhões de libras (195 milhões de euros) nas três épocas seguintes, apenas em receitas de TV, mesmo que desça de divisão ao fim da primeira temporada.

Os dois clubes já anunciaram que venderam todos os seus bilhetes para Wembley. De um lado e do outro, é enorme a expectativa pelo fim de uma espera de décadas para dois clubes com raízes profundas. Há dias, Pep Guardiola rendia-se a essa paixão do futebol inglês, depois de assistir à incrível reviravolta do Sheffield Wednesday na meia-final de acesso ao Championship. «Vê-se isto em Espanha, na Alemanha, em Itália? Impossível. A multidão, o jogo ao vivo na Sky, nenhum outro país faz isso. Aqui o respeito pelo futebol é de tirar o chapéu. Isto é Inglaterra, por isso é que é única», disse o treinador do tricampeão inglês.

Na próxima época, talvez Kenilworth Road venha a receber as estrelas do Manchester City. O Luton tem planos para a construção de um novo recinto, mas acredita que para já, se subir, poderá receber jogos da Premier League no seu velho estádio, assumindo para isso um investimento substancial em obras.