Escolhemos um dos encontros do fim de semana e partimos em busca de histórias. Desta vez, a História de Um Jogo recua até à primeira final da Taça dos Campeões Europeus entre Liverpool e Real Madrid

Naquele 27 de maio de 1981, passam exatamente 41 anos, a Taça dos Campeões Europeus acabou a noite no Moulin Rouge, à mesa do famoso cabaret de Paris onde um punhado de jogadores do Liverpool festejou a vitória sobre o Real Madrid. Depois, no regresso a casa, passou a noite no pub favorito do capitão do Liverpool. É uma história doutros tempos a dessa conquista do Liverpool, até hoje a última derrota do Real Madrid na final.

Pelo meio as duas equipas já se reencontraram na decisão em 2018 e o Real Madrid venceu, depois do bis de Gareth Bale a sair do banco, frente ao Liverpool já de Jurgen Klopp. Mas esta é a história dessa primeira final que se decidiu no Parque dos Príncipes, quando ainda não existia ali a quinze quilómetros de distância o Stade de France, palco da final deste sábado.

O Liverpool de Bob Paisley chegava à final pela terceira vez em cinco anos, num período de domínio inglês na Taça dos Campeões: às vitórias dos reds em 1977 e 78 tinham-se seguido os dois títulos seguidos do Nottingham Forest de Brian Clough. Aquela já era uma equipa em fim de ciclo, que tinha ficado essa época em quinto lugar no campeonato inglês. Mas a campanha na Taça dos Campeões do Liverpool, que tinha em Kenny Dalglish a grande estrela e referências como o guarda-redes Ray Clemence ou o escocês Graeme Souness, teve momentos marcantes, como os cinco golos marcados ao Aberdeen de um tal Alex Ferguson na segunda eliminatória, ou a vitória sobre o Bayern Munique numa meia-final épica.

O Real Madrid tinha passado por um longo apagão depois da gloriosa era dos primórdios da competição, quando venceu cinco Taças dos Campeões seguidas, e naquele ano chegava à final pela primeira vez desde a vitória em 1966. Também tinha visto nessa época o título de campeão espanhol fugir por uma unha negra, perdido para a Real Sociedad no confronto direto. A vitória na meia-final sobre o Inter foi o ponto alto da campanha do Real de Juanito, Santillana, Del Bosque ou José Antonio Camacho. Em campo estiveram, portanto, dois futuros treinadores do Benfica.

Sinal doutros tempos, lá está, na equipa do Liverpool havia apenas jogadores britânicos, ingleses e escoceses, enquanto o Real Madrid tinha apenas dois estrangeiros, o alemão Uli Stielike e o inglês Laurie Cunningham.

Nos anos 80 o futebol era muito diferente do espetáculo elegante e sofisticado de hoje. Dentro e fora do campo. O jogo não deixou saudades, apesar do estatuto dos dois finalistas e do talento de alguns dos protagonistas, que além de tudo chegaram a Paris limitados fisicamente depois de uma época desgastante. A começar por Kenny Dalglish, que não jogava nem treinava desde a meia-final com o Bayern. Para complicar ainda mais, o relvado tinha recebido dias antes um jogo de râguebi e estava em mau estado. E tudo se decidiu num único golo de um herói improvável, Alan Kennedy, a menos de dez minutos do final.

«Eles não tiveram muitas oportunidades e nós também não. Pensando nisso agora, foi provavelmente umas das finais da Taça dos Campeões Europeus mais aborrecidas que já vimos», disse o antigo lateral-esquerdo ao Liverpool Echo.

Ao intervalo, Paisley disse aos jogadores que «um golo ganharia o jogo». E Alan Kennedy interiorizou aquilo. Por isso, quando a bola lhe chegou vinda de um lançamento e lhe bateu no peito, ele aproveitou. Não saiu exatamente como planeou. Mas resultou, como explicou numa reportagem imperdível da Liverpool TV em conversa com Phil Thompson, o capitão daquela equipa. «Confundiste-te tanto a ti como ao guarda-redes», ri-se Thompson.

Foi Thompson quem teve o privilégio de levantar a Taça, ele que é natural de Liverpool, o primeiro scouser a capitanear os reds na conquista da prova. Não deixou que ninguém lhe roubasse o momento, nem o responsável da UEFA que demorou um pouco mais a passar-lhe a Taça para as mãos. «Começou a levantar a Taça em vez de me deixar pegar nela. Fiz-lhe sinal e disse: ‘Dá-me a p… da Taça, este é o meu momento!’ Acho que ele ficou um bocado abalado com os palavrões, mas funcionou», contou ao Daily Mail.

Este resumo do jogo termina com esse momento:

Depois da festa no Parque dos Príncipes, alguns jogadores foram celebrar. E levaram o troféu com eles para a então mais badalada casa noturna de Paris. «Alguns dos suspeitos habituais, o Charlie, o Clem, foram ao Moulin Rouge com a Taça para a mostrarem às raparigas», conta Thompson.

Depois, ele tomou conta dela. E conta que a levou para o pub, sim, mas «foi só por uma noite». «Nessa época tínhamos vencido a Taça da Liga e deixámo-la ficar no autocarro durante a noite, por isso desta vez quando voltámos de Paris o Peter Robinson (secretário do Liverpool), disse-me que como capitão eu estava encarregado de tomar conta dela, nem que tivesse de levá-la para casa. Não precisei que me dissessem duas vezes», contou ao Guardian o homem que viria mais tarde a ser adjunto do Liverpool e que aliás estava no banco no Estádio do Bessa no empate com o Boavista em outubro de 2001 a substituir Gerard Houllier, ausente por doença.

Voltando à Taça. Thompson guardou-a num saco de veludo, instalou-a no banco de trás do seu Ford Capri e levou-a para o Falcon, o pub que costumava frequentar em Kirkby, nos arredores de Liverpool. «Era o meu sítio, treinava a equipa amadora de lá, e então afastámos todos os troféus que tínhamos, todas as garrafas de cerveja e pusemos a Taça dos Campeões atrás do bar. Ninguém queria acreditar. Havia fila para o telefone. Estava toda a gente a ligar para os amigos, a dizer-lhes para irem lá ver.»