Não é propriamente uma novidade, mas Ronaldo teima em surpreender o mundo do futebol com uma cadência admirável. O português fê-lo novamente na última terça-feira, com três golos que viraram a eliminatória frente ao Atlético de Madrid, adensando ainda mais um mito já de si bastante gordo. O que justificou uma viagem pelas grandes noites que construíram o mito. Venha daí nesta visita por uma carreira edificada em torno de feitos.
1. A história começou a 7 de outubro de 2002, aos 34 minutos de um Sporting-Moreirense, quando Cristiano Ronaldo recebeu de Toñito, passou em velocidade por três defesas e picou a bola por cima de João Ricardo. Neste mesmo jogo, Ronaldo consumaria o primeiro bis da carreira, ao cabecear na pequena área um livre de Rui Jorge. Mas foi aquela arrancada a dar início à lenda.
2. No primeiro ano em Old Trafford, Ronaldo fez apenas seis golos em 40 jogos. O primeiro aconteceu a 1 de novembro de 2003, diante do Portsmouth, naquele que foi o nono jogo oficial com a camisola do Man. United. Cinco minutos depois de ter entrado, bateu um livre directo que deixou o narrador a fazer comparações com Beckham. Na altura ainda era um elogio ao português.
3. No início da carreira, Cristiano Ronaldo não tinha a relação próxima com o golo que, entretanto, ganhou. Por isso foi apenas à oitava internacionalização que se estreou a marcar na Seleção. Entrado ao intervalo do jogo com a Grécia, com a equipa a perder por 2-0, fez de cabeça, ao cair do pano, o golo de honra português, que não atenuou o impacto de um desaire a abrir o Euro 2004.
4. Ainda no Euro 2004, e depois do golo à Grécia no jogo inaugural, Cristiano Ronaldo tornou-se indiscutível no onze da Seleção Nacional. Foi nessa condição que, a 30 de junho, marcou de cabeça, diante da Holanda, o golo que abriu as portas da final a Portugal. Durante os festejos tirou a camisola, para uma imagem que acabou de torná-lo um ícone global.
5. O fim do Euro-2004 trouxe o ponto final na carreira internacional de nomes como Figo, Rui Costa ou Fernando Couto. Era preciso novos heróis e Cristiano Ronaldo assumiu o papel referência através de golos como aquele apontado a 13 de outubro de 2004, na goleada (7-1) sobre a Rússia. Um golo que foi uma verdadeira obra de arte... e que correu mundo.
6. Por incrível que pareça, o homem que tem 124 golos na Liga dos Campeões demorou quase quatro anos e 27 jogos para se estrear a marcar na competição. A 10 de abril de 2007, Ronaldo fez diante da Roma o primeiro golo na Champions... e já agora o segundo também, numa escandalosa goleada (7-1) que pôs o Man. United nas meias-finais. A partir daí nunca mais parou de marcar.
7. As horas extraordinárias depois dos treinos tornaram Cristiano Ronaldo um dos melhores especialistas mundiais a bater livres diretos. No dia 30 de janeiro de 2008, chegou o primeiro exemplar perfeito: uma falta contra o Portsmouth, em posição mais ou menos frontal, permitiu ao português um remate em ziguezague, que os ingleses rapidamente batizaram como «tomahawk».
8. A 21 de maio de 2008, em Moscovo, Ronaldo marcou no maior dos palcos, com todo o mundo a ver: na primeira final de Champions entre equipas inglesas, colocou o Man. United a vencer o Chelsea, antes de festejar a vitória no desempate por penáltis. Nessa época, de resto, pulverizou o recorde de golos, que passou de 23 para 42. A primeira Bola de Ouro estava a caminho.
9. Nos quartos de final da Liga dos Campeões 2008/09, o FC Porto consegue arrancar um empate (2-2) em Old Trafford, na primeira mão dos quartos de final. Quinze dias depois, portanto, o Manchester United apresenta-se no Dragão obrigado a vencer e acaba por fazê-lo, com um golo de Ronaldo que correu mundo: um remate impressionante a 35 metros da baliza de Helton.
10. Na fase final da passagem por Manchester, Cristiano Ronaldo volta a levar o United à final da Liga dos Campeões, que perderia para o Barcelona. Ora o apuramento para essa final foi alcançada com uma vitória por 3-1 sobre o Arsenal, na meia-final, com dois golos do português. Um deles alcançado num livre direto batido a cerca de quarenta metros da baliza, que bateu Almunia.
11. Na época de estreia em Madrid, Ronaldo faz 33 golos em 35 jogos, mas o Real termina sem nenhum título. Por isso a segunda época tinha de ser melhor, até porque Mourinho tinha chegado para fazer cair com a hegemonia do Barcelona, de Guardiola, que por aqueles tempos ganhava tudo: uma queda que começou numa final da Taça do Rei, com um golo de Cristiano Ronaldo.
12. A época 2011/12 foi épica: Barcelona e Real Madrid lutaram taco a taco pelo título, Messi e Ronaldo bateram recordes e começaram a construir o mito. Ambos passaram os 50 golos, o que no caso do português foi uma estreia. Entre os 53 golos apontados, o português fez um golaço ao Levante, no Santiago Bernabéu, que valeu uma manchete na Marca: «O voo do cometa».
13. Depois de dois anos a ver o Barcelona festejar o título, a 21 de abril de 2012, Ronaldo, e Mourinho, chegam ao Camp Nou em condições de escrever uma história diferente. Foi exatamente o que fizeram: aos 73 minutos, Cristiano fez o golo da vitória do Real Madrid (2-1) que, na prática, valeu o campeonato. E nascia nessa noite um festejo com patente: «calma, eu estou aqui!».
14. Moralizado pela conquista do título espanhol, Ronaldo chegou ao Euro 2012 com ambições naturais. Portugal não começou bem, perdeu com a Alemanha, arrancou uma vitória sofrida com a Dinamarca e precisava de bater a Holanda, a 17 de junho: os holandeses até se colocaram na frente, mas Cristiano Ronaldo fez os dois golos que viraram o resultado e apuraram Portugal.
15. A 7 de outubro de 2012, numa deslocação a Barcelona em defesa do título conquistado na época anterior, Cristiano Ronaldo faz dois golos e evita a derrota, garantindo o empate (2-2). O mais histórico desse jogo é que Ronaldo jogou cerca de meia hora lesionado, cheio de dores num ombro, por vezes até com lágrimas nos olhos. Mesmo assim ainda conseguiu marcar.
16. Já tinha marcado em Alvalade, e pedido desculpa, quando a 5 de março de 2013 regressou a Old Trafford e fez o golo da vitória por 2-1, já depois de ter sido ovacionado pelos seus antigos adeptos. Aquele golo consumou a reviravolta na eliminatória e deixou o Manchester United pelo caminho, ele que tinha conseguido colocar-se em vantagem com um empate (1-1) em Madrid.
17. A 19 de novembro de 2013, o nome de Ronaldo corre o mundo ao lado da palavra «épico». O extremo já tinha marcado no Estádio da Luz o golo da vitória de Portugal sobre a Suécia, por 1-0, no play-off de acesso ao Mundial 2014, mas em Solna completou a obra de arte: três golos que valeram o triunfo por 3-2 e o bilhete para a viagem da Seleção Nacional até ao Brasil.
18. 24 de maio de 2014. Em Lisboa, no regresso ao país natal, Cristiano Ronaldo ajudou a garantir a conquista da décima Liga dos Campeões para o Real Madrid, ao fazer de penálti o quarto golo de um triunfo por 4-1, alcançado apenas no prolongamento. O Estádio da Luz explodiu de alegria e Ronaldo explodiu com ele: a terceira Bola de Ouro da carreira já vinha a caminho.
19. Ronaldo já tinha feito várias vezes três golos, nessa temporada marcara quatro golos ao Elche, por exemplo, mas a 5 de abril de 2015 conseguiu algo mais: marcou por cinco vezes na goleada (9-0) ao Granada, depois de ter feito três golos em apenas oito minutos. No final da época, porém, o Real Madrid conquistaria apenas uma Supertaça Europeia e Bola de Ouro voltava para Messi.
20. A 31 de janeiro de 2016, o Real Madrid recebe e goleia o Espanhol por 6-0, com Cristiano Ronaldo a fazer três golos. O último deles torna-se a nova imagem de marca do extremo português: foco na baliza, velocidade de execução e pontapé fulminante. Um grande golo, que levantou o Santiago Bernabéu, numa altura em que o português já era um goleador compulsivo.
21. É por noite de Champions como esta que Cristiano Ronaldo se tornou uma lenda. A 12 de abril de 2016, depois de uma derrota na Alemanha por 2-0, o Real Madrid recebeu o Wolfsburgo em jogo dos quartos de final a precisar de uma reviravolta histórica. Conseguiu-a, claro, ganhando por 3-0... com três golos de Cristiano Ronaldo. Uma noite memorável na carreira do português.
22. Depois de eliminar o Wolfsburgo nas meias-finais, o Real Madrid ultrapassou o Manchester City com apenas um golo e chegou à final da Liga dos Campeões, novamente frente ao At. Madrid. Uma final de nervos, em Milão, que terminou com um empate (1-1) e obrigou a decidir tudo nas grandes penalidades. Cristiano Ronaldo foi chamado a bater o último... e não falhou. Decisivo.
23. O verão de 2016 será sempre especial para Portugal: afinal de contas foi nesse ano que a Seleção Nacional venceu o Euro 2016. Finalmente campeões. Ronaldo não jogou a final, devido a uma lesão, mas foi decisivo antes disso: bisou no empate com a Hungria e apontou o golo que abriu caminho ao triunfo nas meias-finais, frente ao País de Gale, apurando Portugal para a final.
24. Novamente decisivo. A 18 de dezembro de 2016, na final do Mundial de Clubes, o Real Madrid chegou a estar a perder por 2-1 frente ao Kashima Antlers. Depois apareceu Cristiano Ronaldo. O português fez o empate, que levou o jogo para prolongamento, e garantiu a vitória merengue, com mais dois golos no tempo extra. No final levou o troféu e o prémio de melhor jogador da prova.
25. Em 2017, e depois de vencer em Munique por 2-1, tudo parecia relativamente tranquilo para o Real Madrid seguir para a meia-final da Liga dos Campeões. Em casa, porém, os merengues deixaram que o Bayern Munique empatasse a eliminatória e levasse tudo para prolongamento. Nessa altura apareceu Ronaldo a garantir o apuramento com dois golos, que fecharam o hat-trick.
26. Mais um jogo, mais um hat-trick para a história. Nas meias-finais, frente ao Atlético Madrid, Cristiano Ronaldo aproveitou o jogo da primeira mão, no Santiago Bernabéu, para fechar a discussão em torno do apuramento. O Real Madrid venceu por 3-0 e o português apontou... três golos. O jogo da segunda mão, oito dias depois, tornou-se um passeio para os merengues.
27. Depois de ter sido decisivo nos quartos de final e nas meias-finais dessa edição da Liga dos Campeões, faltava a Cristiano Ronaldo completar a obra na final, frente à Juventus. O português não deixou a criação inacabada e tornou-se fundamental no Millennium Stadium, em Cardiff. Mandzukic abriu o marcador para a Juve, Ronaldo fez dois golos na viragem para o 4-1 final.
28. A 3 de abril de 2018, Cristiano Ronaldo criou provavelmente a melhor das suas obras de arte. No Juventus Stadium, em jogo da primeira mão dos quartos de final da Liga dos Campeões, Cristiano Ronaldo bisou na vitória do Real Madrid por 3-0, fazendo pelo meio algo extraordinário: um golo num pontapé de bicicleta que ficará para a história do próprio futebol.
29. Numa noite quente de Sochi, na abertura para Portugal do Mundial 2018, Cristiano Ronaldo carregou a Seleção Nacional às costas até ao empate frente à Espanha (3-3) que alimentava todos os sonhos dos portugueses. O capitão fez um hat-trick, num daqueles jogos que foi um homem contra o mundo. A coroar uma exibição de luxo, de resto, o terceiro golo, num livre perfeito.
30. As noites de luxo que construíram a lenda chamada Cristiano Ronaldo terminam, para já, na última terça-feira. Em Turim, e depois de uma derrota em Madrid por 2-0, o português vestiu pela enésima vez a capa de herói para completar um hat-trick que virou a eliminatória. O mundo curvou-se em respeito. «Animal», «Monstruoso», «Herói», escreveu-se. Uma lenda, portanto.