O Boavista de Timor Leste é um caso raro no futebol mundial.

Antes de mais, foi campeão logo no primeiro ano de existência. O que de si já é bastante invulgar. O Boavista, no entanto, é um caso raro por ter como presidente... um Prémio Nobel da Paz.

Trata-se de José Ramos Horta, que durante vinte e quatro anos foi o porta-voz da resistência timorense no exílio, durante a ocupação indonésia, e que exatamente por ser oposição a essa luta contra a opressão recebeu o Nobel da Paz em 1996, juntamente com o bispo Ximenes Belo.

«Quando uns jovens timorenses me pediram para apoiar o desporto nacional, eu aceitei. Pediram-me para ser presidente do Boavista há cerca de um ano e eu considerei que é uma boa forma de ajudar a divulgar o futebol em Timor», começou por contar Ramos Horta ao Maisfutebol.

«No meu papel de presidente do clube, dou sobretudo suporte moral e suporte político. Tenho angariar apoios para o clube. Quando o clube joga em Timor vou ver e dou o meu apoio. Quando está fora, como acontece agora, que está há três semanas em Bali a preparar a época, não tanto.»

Ramos Horta confessa, de resto, que nunca pensou ser dirigente desportivo.

O antigo primeiro-Ministro e antigo Presidente de Timor Leste, entre 2006 e 2012, diz que nem sequer é um grande adepto da modalidade, embora tenha praticado quando era mais novo.

«Eu joguei no Sporting de Timor Leste e podia ter sido um grande futebolista, podia ter sido um Travassos ou um Eusébio, se o Sporting me tivesse dado a mão», sublinha, antes de fazer uma pausa seguida de um sorriso na voz.

«Estou a brincar consigo. Nunca fui grande futebolista, fui sempre reserva. Também não sou um grande adepto, a não ser quando a seleção portuguesa joga. Sempre acompanhei com paixão a seleção portuguesa. Mas não podia negar a minha ajuda à divulgação do futebol em Timor.»

Ora na qualidade de presidente é exatamente isso que faz: divulga o nome do clube e o futebol.

«Só o simples facto de um jornalista português estar interessado no futebol de Timor Leste já é um motivo para celebrarmos», acrescenta Ramos Horta.

Mas afinal, que clube é este Boavista?

«Inicialmente o clube chamava-se Carsae e era propriedade do Pedro Carrascalão. Ele decidiu vender o clube e eu comprei-o em 2017. Um amigo chamado Nuno Esteves apresentou-nos o Boavista, de Portugal, e decidimos mudar o nome do clube e fazermo-nos afiliados do Boavista», começa por contar Carl Gusmão.

Carl Gusmão é sobrinho de Xanana Gusmão e proprietário do Boavista de Timor Leste.

«José Ramos Horta é meu vizinho, vivemos a dois minutos um do outro, e decidi convidá-lo para ser presidente do Boavista, porque esta é uma tradição em Timor: os líderes do país são presidentes de clubes. Por exemplo, Xanana Gusmão é presidente do Benfica», conta.

«Convidei-o para ser presidente do Boavista, aproveitando o facto da equipa ter uma camisola axadrezada, o que é igual ao equipamento de Timor nos tempos em que era colónia de Portugal. Há fotografias que mostram isso. Por isso decidi convidar o Ramos Horta para presidente.»

Carl Gusmão conta que a aceitação do Nobel da Paz não foi imediata, mas acabou por acontecer.

«Ele no início disse que não queria, porque não quer envolver-se em questões financeiras ou desportivas, o que nos levou a fazer um acordo: ele seria apenas uma espécie de símbolo do clube. É isso que faz. Está afastado de tudo o que é gestão do Boavista.»

O Boavista jogou em 2008 o campeonato pela primeira vez e... foi campeão. O que não foi nada que Carl Gusmão não tivesse projetado.

«O Carsae, no último ano, falhou a conquista do título, ficou em quarto lugar, por isso decidi mudar vários jogadores e construir uma equipa mais forte para ser campeã», acrescentou.

«Outro objetivo que tínhamos passava por entrar nas pré-eliminatórias da Liga dos Campeões Asiática. Infelizmente Timor falhou no cumprimento dos critérios para entrar, mas acredito que este ano já vai acontecer. A primeira divisão de Timor é jogada por oito clubes, reunimos com os responsáveis da AFC na Malásia e deram-nos a garantia que este ano o campeão e o segundo classificado já iam poder entrar nas pré-eliminatórias da Liga dos Campeões.»

Ora por isso, Carl quer ver o Boavista novamente campeão. Mas quer mais do que isso.

«Neste momento o futebol em Timor é totalmente amador, os jogadores têm outras profissões, estudam ou trabalham, mas queremos que seja profissional em breve. É nisso que estamos a trabalhar. Nessa altura, gostava de trabalhar mais de perto com o Boavista, de Portugal», referiu.

«Para já eles não nos dão nenhum apoio, mas a nossa preocupação não é essa, queremos estabelecer o clube e o futebol em Timor. Mais tarde, quando isso estiver feito, queremos entrar em contacto com o Boavista, de Portugal, para cooperarmos mais de perto.»

Para início de conversa, o clube de Timor tem um cartão de apresentação incomum: um Nobel da Paz como presidente. Quantos clubes no mundo se podem orgulhar disso