É este o ponto de partida de uma prática cada vez mais comum nos estádios. Uma cartolina, com mais ou menos labor na decoração, transporta na fragilidade do seu papel todos os sonhos de quem ambiciona ter a camisola do deu ídolo ou do seu clube. E se o Maisfutebol lhe disser que há quem se dedique a isso como um hobby e tenha mais de trezentas camisolas? Leu bem, são três centenas de camisolas dadas por jogadores através deste método.

Muitas vezes são dos primeiros a chegar ao estádio, para se prepararem estrategicamente para a chegada dos autocarros das equipas. Tentam os lugares mais perto do túnel de acesso aos balneários e atrás dos bancos de suplentes. São os últimos a sair, mesmo depois de os jogadores abandonarem os estádios. Sim, os estádios. Fazem autênticas maratonas pelos estádios.

É o caso de Luís Silva, natural de Guimarães e possuidor de uma coleção com trezentas camisolas. «Isto começou em 2003 quando regressei a Portugal da Alemanha, onde estive emigrado. No primeiro jogo do Vitória que fui ver, curiosamente em Moreira de Cónegos, de onde sou natural, apanhei a camisola que o Romeu atirou para a bancada. Com o movimento até parti os óculos de sol», conta.

Francisca Silva, filha de Luís Silva com Lucas Fernandes, jogador do Portimonense.
Francisca Silva, filha de Luís Silva no Estádio do Moreirense após o jogo com o Portimonense. «Ganhou» a camisola de Lucas Fernandes.

Foi o mote para uma aventura que já leva dezasseis anos e para a qual, inclusive, já arrastou as duas filhas. Adepto do V. Guimarães, o clube mais representado no seu espólio é precisamente o Vitória, mas no meio de um universo tão grande encontra-se de tudo. A época 2016/2017 foi, para Luís Silva, uma época de sucesso. Conseguiu uma camisola de cada um dos dezoito emblemas da Liga.

Atravessar o país por uma camisola

O ponto de partida é quase sempre o mesmo. Uma cartolina a pedir a camisola. Exige trabalho preparatório e nesta fase de regresso às aulas até se repôs stock de material necessário para preparar os pedidos. Luís chega a assistir a seis jogos por fim-de-semana nos estádios do norte do país, deixando de acompanhar apenas o V. Guimarães para alimentar o seu hobby nestas cruzadas.

Uma das maiores proezas foi atravessar Portugal de ponta a ponta para «recolher» a camisola prometida. «O ídolo da minha filha mais velha é o Jander, jogador que na altura jogava no Ohanense. Fui ver o Vitória ao Algarve de autocarro com a minha filha. No final do jogo o Jander deu-nos a camisola e, por acaso, o David Addy também nos deu a camisola. Ficamos lá duas noites e conseguimos duas camisolas», conta o colecionador que no último jogo da Liga conseguiu a camisola de Moufi, jogador do Tondela, na Vila das Aves.

Tiago Vieira é também colecionador e por duas vezes já expôs as suas cerca de 150 camisolas no Cine Futebol Clube. «O bichinho começou há, mais ou menos, dez anos quando comecei a ver jogos ao vivo. Tive sempre atenção aos pormenores, às marcas dos equipamentos, às cores e aos patrocínios. Fomos alimentando o tal bichinho, que se desenvolveu até ao que é hoje», explica o jovem de Gondomar.

Algumas das camisolas de Tiago Vieira, expostas no Cine Futebol Clube.

Obviamente há umas camisolas com mais peso do que outras, mas «cada camisola tem a sua história» e para o adepto do FC Porto neste gosto não há clubismo. «Como colecionador o meu clube são as camisolas. Se não fosse assim nunca teria amizades nem travaria conhecimentos com alguém que tenha coleções de outros clubes, por exemplo», reforça Tiago Vieira, que conta pelos dedos de uma mão os estádios do principal escalão do futebol português a que ainda não foi.

Falta de espaço é problema comum

Histórias com alma, do gosto pelos «mantos sagrados» de cada clube, de cada jogador. Ao fim ao cabo aquelas que são das maiores marcas identitárias de cada emblema, as camisolas. Mas tamanho volume delas leva a problemas naturais de logística. Onde é que se guardam tantas camisolas?

Luís Silva já teve de mudar de estratégia para acomodar as trezentas camisolas. «Ao início guardava-as num armário na garagem, com todas as camisolas postas em cabides. Com o aumentar foi impossível tê-las lá, por isso neste momento tenho-as dobradas em caixas empilháveis», revela.

Uma cronologia em tudo idêntica à de Tiago Vieira, que inicialmente começou por acomodar as camisolas no seu armário juntamente com a roupa, mas rapidamente teve de «arranjar um suporte fora do armário» para guardar as meninas dos seus olhos.

Tiago não entra em grandes pormenores sobre o «modus operandi», até porque, diz, «o segredo é a alma do negócio», mas ainda assim vai deixando escapar que as redes sociais também nesta prática têm aspetos positivos e negativos: «por um lado é mais fácil chegar à fala com os jogadores e pedir numa abordagem inicial, mas por outro lado há mais pessoas que nem se dedicam a colecionar que também pedem porque é uma via simples para pedir, ao contrário de quando comecei, porque era quase tudo presencialmente com os jogadores».

Voltando ao espaço, a ambição de Tiago Vieira é «aumentar o espólio a «nível internacional» e dessa forma enriquecer a sua coleção com camisolas essencialmente de clubes estrangeiros que jogam no norte. Há que arranjar mais espaço para permitir o ambicionado crescimento.

Moreira de Cónegos, um paraíso para pedir camisolas

Esta ambição entronca na coleção de Afonso Costa, mais conhecido por Puig. A sua coleção de camisolas ascende as duas centenas, essencialmente camisolas do FC Porto, o seu clube, mas sobretudo camisolas internacionais, como a que tem de Daniel Carriço quando estava ao serviço do Sevilha ou a de Joel Pereira do Manchester United.  

Curiosamente o gosto por estas camisolas nasceu com Hulk e com um cartaz preparado pela mãe de Puig. «Em criança o meu ídolo era o Hulk e uma vez a minha mãe fez-me um cartaz a dizer ‘Hulk dá-me a tua camisola’. Tanto andei com o cartaz que quando ele me deu era já hábito ir aos jogos de cartaz debaixo do braço, por isso assim comecei a colecionar», conta Afonso. Preparar uma cartolina pode significar várias horas de trabalho e até chegam a combinar entre colecionadores a quem pedir para não colidir nos pedidos. «Normalmente numa camisola internacional faço algo mais elaborado para ter mais hipóteses», diz.

Parte da coleção de Afonso Puig, colecionador que se dedica essencialmente ao futebol internacional.

Entre estes colecionadores há uma opinião comum. Moreira de Cónegos é uma espécie de paraíso para estes pedidos com cartazes. «Primeiro, antes do jogo e no fim do jogo podemos aceder à zona dos autocarros das equipas, o que facilita muito o contacto. Depois, por outro lado os bancos são mesmo encostados à bancada, o que é ótimo para nós», conta.

Hazard é um dos nomes que entra na coleção de Puig, dando-lhe a camisola na visita ao Dragão quando estava ao serviço do Chelsea. A próxima em vista é a de Ozil, quando o Arsenal se deslocar a Guimarães para a Liga Europa.

De cartaz em cartaz, já chegam às centenas de camisolas. «Não quero vender nem entro em grandes contas, mas fazendo por barato a cinquenta euros cada camisola, o que não é exagerado visto os preços que se praticam, tenho uma fortuna boa de cerca de 20mil euros» atira Luís Silva. Uma fortuna que, no entanto, não está à venda. A intenção é em fazê-la crescer com um enorme valor sentimental.