Na Austrália há um clube que se veste como a seleção portuguesa e tem um símbolo inspirado nas quinas. O Maisfutebol falou com o presidente e o treinador do Fraser Park FC, para conhecer a história dos representantes da comunidade lusa em Sydney, que têm um protocolo com o Sporting.

Emigrante há dez anos, Miguel Vairinhos é o presidente do Sydney Portugal Community Club e do Fraser Park FC, o «clube português de Sydney». Fechado em casa por causa do coronavírus, que em Sydney ainda não parou por completo a atividade do dia a dia, Miguel fala sobre o clube, onde chegou num processo atribulado, e sobre o futebol no país, com muitas críticas à organização.

Para falar sobre a origem do clube, Miguel Vairinhos recua umas décadas. «Em Sydney, havia uma ou duas equipas de portugueses, que começaram a jogar em Paddington. Em 1961 fundaram uma equipa e o equipamento era copy paste da seleção. Entretanto mudaram-se e, em 1991, compraram este clube», conta: «É o maior clube de Nova Gales do Sul em área, tem 4 hectares de terra, e tem licença de álcool para beber em todo o terreno, que é uma coisa muito difícil aqui. Em 2002, acabaram-se os clubes étnicos porque o Governo queria equipas multiculturais. Mudaram o sistema e criaram a A-league e a National Premier League, onde estamos na última divisão.»

O Fraser Park passou a ter novo símbolo, mas agora voltou a recuperar o original, o tal que é semelhante ao de Portugal. «No brasão, nós tínhamos uma espécie de cruz de Cristo verde e branca, e eu decidi mudá-lo. A Federação disse que não podia mudar, porque era muito parecido com o da seleção. Fui falar com o Ministro do Multiculturalismo da Austrália, depois com o Ministro do Desporto, e consegui mudar. Disse que ia fazer um protesto, porque era racismo e discriminação, e na Austrália não podes falar nisso porque é tabu, dá logo processos. Em vez da bola no meio eu queria a esfera armilar, mas cedi. Depois eles mudaram a lei e agora imensas equipas australianas voltaram aos brasões que tinham nos anos 60», diz, acrescentando que a ideia da opção pelo equipamento das «quinas» não foi sua: «Foi da secretária, que é minha prima. Ela disse-me: ‘Vou copiar o da seleção.’ E foi o que fizemos.»

Miguel Vairinhos, que trocou o Algarve pela Austrália há 10 anos, conta como começou por ter uma ligação distante ao clube, mas que decidiu avançar para a direção no meio de um processo que, diz, tem contornos obscuros. «De início só ia ao clube português de seis em seis meses. Ia lá porque era o único sítio onde encontrava Super Bock e comia um bacalhau», conta. «Peguei no clube porque estava falido, prossegue, revelando que assumiu o clube depois de detetar irregularidades que denunciou às autoridades, nomeadamente o desvio de «um milhão e cem mil dólares dos dois milhões doados pelo Governo». «Fiz uma auditoria, vi isso tudo», conta: «Auditei aquilo de uma ponta à outra e não sabia de metade das coisas. Se soubesse não me tinha metido naquilo.» O caso foi noticiado na imprensa australiana. Miguel Vairinhos fala mesmo em «lavagem de dinheiro» e diz que chegou a ser ameaçado e teve proteção policial: «Puseram um polícia à civil a dormir à porta da minha casa durante três meses, comecei a receber cartas com ameaças de morte, com o nome dos meus filhos. Depois aquilo passou, porque saiu nos jornais.»

O dirigente português é de resto muito crítico da organização do futebol na Austrália. «Eles estão atrasados no futebol e querem estar atrasados», diz. «Privilegiam o críquete e o râguebi. Eu sou o representante dos portugueses na Austrália e vou a reuniões com o Governo Federal e Estadual. Somos 202 etnias e os australianos descendentes dos ingleses são uma minoria. O futebol é o desporto mais praticado mas com menos apoios», afirma, dando exemplos das suas discordâncias, com a Federação australiana e a Federação de Nova Gales do Sul: «Não me queriam deixar ter treinos mais do que duas vezes por semana, porque diziam que fazia mal aos jogadores. E os clubes da A-League, a primeira divisão, nunca descem, e os outros nunca sobem. É só perder dinheiro com o futebol. Nós temos uma grande vantagem, temos um campo de futebol. Ninguém tem campo aqui. As equipas vão treinar no parque. Nós temos um campo altamente central, estamos a 12 minutos da Opera House, que é o centro de Sydney.»

O crescimento desportivo, diz, é difícil. «O facto de estarmos na NPL 4 não quer dizer nada. Fizemos amigáveis no ano passado contra equipas da NPL 1 e ganhámos», afirma: «O problema do futebol aqui é não se poder gerar dinheiro do futebol. Tenho de mandar sempre as contas do clube para a federação. Há dois anos fiz lucro e caíram-me em cima, porque não podia ter lucro e tinha de investir esse dinheiro no clube.  Aqui é onde os pais mais pagam pelo futebol no mundo. Eles pagam 1800 dólares por época para ter um filho a jogar, e uma grande fatia vai para a federação. É o mínimo que a federação te deixa cobrar.»

O protocolo com o Sporting

Numa lógica de desenvolvimento do clube, o Fraser Park procurou parcerias com clubes portugueses. Foi assim que apareceu a ligação ao Sporting. «Contactei os três grandes por e-mail», diz, acrescentando que o contacto com o Sporting aconteceu através de um dirigente do clube, do tempo de Bruno de Carvalho, que visitou Sydney. Conta ainda que chegou a manter contactos com o Benfica, mas optou pelos «leões»: «Eu queria treinadores e o Benfica disse-me que não tinha capacidade para mandar treinadores para aqui. Depois, quando estava a negociar com Benfica e Sporting, o Manchester United descobriu e mandou dois emissários à Austrália para falar comigo. Mas queriam um franchise, como o Benfica. Eles pagavam-me, davam-me umas camisolas e diziam que os treinadores eram deles. Mas eu queria treinadores para começar a jogar «à portuguesa». No Sporting, com a direção do Bruno de Carvalho, começou por ser também franchising, mas depois aconteceu aquilo tudo da academia. Fui a Lisboa em outubro de 2018 e tive uma reunião com a direção do Sousa Cintra. Mandaram-me um coordenador técnico, o Ricardo Silva, e um «head coach», que é o Pedro Cebola. Eles aqui são muito bem vistos porque são formados em Educação Física em Portugal. Começaram a dar formação aos treinadores, a implementar metodologias, os jogadores começaram a ser agressivos, que é algo que aqui não existe.» 

Alex Araújo, de origem portuguesa mas nascido e criado na Austrália, é o treinador do Fraser Park e fala sobre o trabalho com os técnicos portugueses. «Estou a aprender. Aceitei o trabalho do Fraser por saber que ia aprender. Nós temos aqui o nosso futebol e treinamos e jogamos de uma maneira, mas temos coisas para aprender com o futebol europeu. Nem é tanto na tática, mas na maneira de melhorar os treinos. O Ricardo fala mais comigo, mas o Pedro também me ajuda. O Ricardo supervisiona o clube inteiro e está a ajudar os treinadores a treinar com mais qualidade. Já se vê a diferença nos jogadores», relata: «Ensinaram-me a atacar com os laterais, a treinar coisas mais específicas com menos jogadores, a não treinar com os 22 jogadores juntos para ter mais repetições e maior intensidade.»

O futebol na Austrália, diz o técnico, está de resto a evoluir: «Os cursos de treinador estão a ficar melhores e dizem que estão ao mesmo nível dos europeus, mas começamos há 10/15 anos, vai demorar tempo a aumentar o conhecimento futebolístico aqui.»

Depois de já ter orientado clubes rivais, Alex Araújo mudou-se para o Fraser para retomar um contacto com as suas origens. «Joguei aqui durante seis/sete anos quando era mais novo e não pude dizer que não a um clube português. É mais do que um clube português, é um clube da comunidade portuguesa», diz. E reviver esse espírito é sempre importante para quem está longe, acrescenta, contando como é especial, por exemplo, assistir a Mundiais ou Europeus em Sydney, junto com os portugueses: «É sentir que estamos em Portugal. Aqui há uma mistura de várias culturas. Eu vivi aí, às vezes sinto falta de estar aí com os meus tios e as minhas tias. Mas, quando estamos juntos aqui, sinto que estou em Portugal.»