Liga-se uma televisão numa sala de estar em Singapura. O homem segura no comando e veste uma camisola do Manchester United. É o primeiro jogo da época 2003/04, em Old Trafford.

O Bolton perde 4-0, mas esse é um detalhe insignificante. O que importa é isto: aos 61 minutos, Alex Ferguson estreia nos red devils um rapaz praticamente desconhecido chamado Ronaldo, Cristiano Ronaldo.

Nesse instante, sem saber, o avançado português batiza um menino que nasceria três meses mais tarde, no outro lado do mundo: Cristiano Michael Fitzgerald.

Cristiano Fitzgerald com a camisola do Boavista (FOTO: Boavista FC)

O mundo avança, a vida corre, Ronaldo passa de desconhecido a grande figura do futebol mundial e o número de Cristianos explode por esse planeta afora.

O bebé de Singapura? É hoje um homem, celebra 18 anos esta quarta-feira e joga no Boavista. Ao Maisfutebol, o Cristiano irlandês – sim, há uma grande ligação à Irlanda republicana – conta direitinho a história sobre a escolha do nome.

O meu pai é adepto do Manchester United. A minha mãe estava grávida de seis meses, de mim, e sabia que ia ser um rapaz. Como ela é francesa, quis procurar um nome latino para mim. Foi então que o meu pai viu um rapaz chamado Cristiano a fazer o primeiro jogo pelo United.»

«O meu pai nunca tinha ouvido falar dele, mas ouviu o nome e chamou a minha mãe: ‘O que achas do nome Cristiano?’. A minha mãe adorou», conta o homónimo de Ronaldo, a partir da cidade do Porto. E adiciona mais um dado curioso.

«O que é engraçado é que eles não faziam ideia que o Cristiano Ronaldo se tornaria tão famoso. Era só um miúdo português a estrear-se pelo United. Os meus pais escolheram bem (risos). O meu pai diz que quando ele corria parecia nem tocar na relva. Era leve e velocíssimo.»

«O Porto é o sítio perfeito para viver»

O pai de Cristiano (Jimmy) é irlandês, da cidade de Limerick, «a duas horas de Dublin». A mãe (Joyce) é francesa, de Nantes. Conhecem-se e mudam-se para a Ásia, «por questões profissionais». Cristiano nasce e vive em Singapura até 2017, ano em que se muda para Portugal.

Cristiano, o irlandês. Uma personagem perfeita para apresentar a dois dias do decisivo República de Irlanda-Portugal, agendado para quinta-feira, de qualificação para o Mundial de 2022.

Como é que, afinal, Cristiano Fitzgerald se muda da cosmopolita Singapura para o cantinho de Portugal?

«Eu jogava futebol num clube de Singapura e vínhamos quase todos os verões jogar torneios à Europa. Lembro-me de ir à Suécia, a Espanha e também a Portugal, ao estádio do Estoril», explica o extremo dos sub19 do Boavista.

A minha família começou a perceber que para eu alcançar os meus sonhos, e ser futebolista profissional, teria de me mudar para a Europa. Escolhemos o Porto porque tínhamos passado férias na cidade e ficámos encantados. Adorámos o sítio e as pessoas. É o local perfeito para viver.»

Cristiano está a fazer a quarta época no Bessa, fala «um bocadinho» de português e está a completar o ensino secundário. O futuro passa pelo nosso país e, «de preferência», pelo Boavista.

«Estou num clube incrível, o estádio é lindo e os adeptos são apaixonados. Ainda bem que os meus pais optaram pelo Porto. Aqui tenho a praia durante quase todo o ano, o clima é ótimo. Na Irlanda e em Singapura não é assim.»

Cristiano chega aos 18 anos na véspera do Rep. Irlanda-Portugal (FOTO: Boavista FC)

Os dias em Portugal «passam depressa», entre o futebol, a escola e os deveres familiares. «Acordo às nove horas, tomo o pequeno almoço, tenho duas horas de escola, como algo leve e à uma e meia estou no estádio», narra o Cristiano irlandês.

«Treino das duas às quatro da tarde, depois tenho uma hora de ginásio e uma de visionamento de vídeos. Às sete volto para casa. Vivo com os meus pais e dois irmãos. Um chama-se Julian e joga nos sub15 do Boavista e o outro é o Dean e está nos sub17 do Leça.»

Fitzgerald, uma família portuense.

«O sonho de qualquer irlandês é jogar no Aviva Stadium»

A torre de Babel familiar permitia a Cristiano optar entre as seleções da República da Irlanda, de França, de Singapura ou de Portugal. O avançado escolheu o país do pai e já foi convocado para a representação de sub19.

«Tenho a Irlanda no coração. O meu pai é de lá, foi um bom jogador de hurlingum tradicional desporto gaélico – e vou todos os verões para a quinta dos meus avós, em Limerick, onde estou com os meus primos.»

Cristiano adora o «futebol intenso» que lhe corre no sangue através das raízes paternas. «Para seres irlandês tens de perceber essa forma de estar em campo, há sempre uma pressão enorme sobre quem tem a bola», resume o atleta axadrezado.

Portugal jogará, assim, na quinta-feira num dos «santuários do futebol irlandês». Cristiano explica a expressão.

«A atmosfera lá é fabulosa. O objetivo de todos os futebolistas irlandeses é um dia poderem jogar no Aviva Stadium, de Dublin. Não tem nada a ver com os outros estádios do país.»

Cristiano torce pela Irlanda, naturalmente, e destaca dois futebolistas no adversário de Portugal.

O Callum Robinson [avançado, 26 anos, West Bromwich] é o jogador mais perigoso da equipa. E gosto muito do guarda-redes, o Gavin Bazunu [19 anos, Rochdale]. É muito jovem, mas tem grande qualidade. Para já sofro por fora, mas tenho o sonho e a ambição de jogar com a camisola da República da Irlanda no Aviva Stadium.»

Em ação pelos sub19 do Boavista (FOTO: Boavista FC)

«Do Cristiano para o Cristiano»: a camisola autografada

A raridade do testemunho de Cristiano rouba o timing às questões. A história solta-se facilmente, até pela desenvoltura do entrevistado.

Mas falta falar do homem que dá origem a tudo isto – com a devida vénia ao senhor Jimmy Fitzgerald.

Será que o Cristiano Fitzgerald já esteve com o Cristiano Ronaldo?

«Nunca falei com ele, mas tenho uma camisola autografada por ele. O meu pai conseguiu-a através de um amigo. Diz assim: ‘Do Cristiano para o Cristiano, desejo-te as maiores felicidades’.»

Cristiano diz que Ronaldo é o seu «modelo no futebol» e a «grande referência» a seguir. «Sou extremo, uso o pé direito e adoro-o. Clar que sonho ser um dia como ele é. Só fiquei triste quando marcou dois golos à minha Irlanda, mesmo com o jogo a acabar.»

Cristiano, o irlandês boavisteiro.