Ascensão e queda. Um clássico intemporal do futebol mundial, com prequelas e sequelas inacreditáveis. O tema é um dos favoritos dos adeptos, pelo caráter inverosímil das narrativas e pela esperança de que no fim tudo dê certo. O exemplo de Edmund Hottor encaixa como uma luva nesta temática.
Em 2009, o médio ganês justificou um investimento de 800 mil euros do AC Milan. Hottor destacou-se no pequeno Triestina, onde chegou com 15 anos, e convenceu o gigante rossonero a levá-lo para San Siro. Edmund assinou um contrato válido por seis temporadas e mostrou coisas interessantes na equipa primavera do Milan.
A verdade é que, pelo caminho, algo correu muito mal. 11 anos depois de chegar ao Milan, Edmund Hottor joga nos escalões distritais de Inglaterra ao serviço do modestíssimo St. Ives Town. Entre Itália e a anónima Southern Football League, Hottor ainda passou por Portugal.
Em janeiro de 2017, o ganês foi oficialmente anunciado como jogador da Associação Desportiva de Fafe, na II Liga (ver FOTO de capa). Por empréstimo do... Inter. Não há engano. Em 2016, depois de expirada a ligação ao Milan, Edmund Hottor assinou por dois anos com os rivais da cidade. Incrível, de facto.
Em Fafe esteve em nove jogos e ficou famoso por ter feito um golo quase do meio-campo ao Penafiel, no dia 19 de fevereiro de 2017.
«Treinei com o Ronaldinho e o Beckham, mas o futebol é igual em todo o lado»
Perdeu-se a meio, caro leitor? Calma, a história ainda não acabou. Gana, Triestina, AC Milan - com empréstimos ao Virtus Lanciano, Nocerina e Veneza -, Inter, Fafe e um saltinho à ilha de Malta e ao Sliema Wanderers antes de chegar a Terras de Sua Majestade. Primeiro para o Kettering Town, depois para o Banbury United e, finalmente, para o St. Ives Town.
A BBC encontrou-o antes de um jogo para a FA Cup, em outubro. «Tem sido uma carreira engraçada. Estive seis anos a treinar ao lado de alguns dos melhores futebolistas do mundo, até tenho uma fotografia com o Ronaldinho Gaúcho», contou Hottor, o autor de um dos mais estranhos percursos futebolísticos de que há memória.
«Não tenho grandes arrependimentos. Sempre me diverti e nunca arranjei problemas em lado nenhum. Como cheguei aqui? Bem, quando saí de Malta não tinha empresário e decidi arriscar em Inglaterra. Não conhecia ninguém e pedi para treinar à experiência.»
No verão de 2019, Hottor foi sondado para jogar no Qatar, mas não gostou. Voltou aos relvados ingleses e o St. Ives Town contratou-o.
«O Edmund impressionou-me quando o vi no Banbury», contou ao The Hunts Post o manager da equipa, Ricky Marheinecke. «Ele já jogou ao mais alto nível e isso só nos pode beneficiar. É poderoso, atlético e extremamente humilde. Só está interessado em jogar futebol.»
Edmund Hottor tem um currículo, arrisquemos a expressão, único. Aos 27 anos, o importante é estar feliz e dar-se bem com toda a gente, como disse recentemente ao Cambridgeshire Live. «Bem, eu até joguei uma final com a equipa de sub23 do Milan em San Siro. Treinei com o Ronaldinho, o Beckham, o Ibrahimovic, o Robinho o Gattuso. Mas o futebol é igual em todo o lado. Se eu tiver uma equipa e uma bola, por mim tudo ok.»
Hottor acredita que pode voltar ao futebol profissional, pois ainda tem uns anos de atleta pela frente. «Voltei a jogar muito bem e agora preciso de um empresário ou de um clube dos escalões superiores que tenha fé em mim.»
No St. Ives Town, 11º classificado da Southern League, Hottor olha com o sorriso de sempre para o futuro. O passado? «Ele só fala sobre isso quando algum dos colegas lhe faz alguma pergunta», assegura o manager da equipa.
Ascensão e queda. Quem não gosta de uma história assim?
FOTO DE CAPA: Ricardo Jorge Castro
[artigo originalmente publicado às 23h50]