Eduardo Freitas estava em Abu Dhabi, para mais um campeonato das Le Mans Series, quando a notícia se tornou oficial: o português é o novo diretor de corrida da Fórmula 1.

Viajar pelo mundo inteiro há muito que se tornou um hábito na vida deste português de 59 anos, natural de Cascais. Ao ponto de as férias preferidas serem aquelas em que não sai de casa.

«Férias para mim, e para desgosto da minha mulher, é ficar quieto em casa, sem check-ins, check-outs, aviões e carros de aluguer. Para mim relaxar é passar tempo em família», confessou à Must.

Casado, com duas filhas, três netos, um cão e uma paixão louca pelo automobilismo, Eduardo Freitas chegou agora ao topo da carreira, cumprindo um desígnio que muita gente já lhe antevia.

Tanto assim que circulava um abaixo-assinado, já com mais de duas mil assinaturas, que pedia precisamente o português para diretor de corrida da Fórmula 1, em substituição do Michael Masi: o australiano tinha a permanência praticamente hipotecada pelas polémicas do último campeonato.

A substituição do presidente da Federação Internacional de Automobilismo, com a saída de Jean Todt e a entrada de Mohammed Ben Sulayem, foi o primeiro passo para Eduardo Freitas assumir a posição de diretor da corrida, em alternância com o alemão Niels Wittich.

Naquilo que é o início de um campeonato diferente do que existia até aqui, aliás, e que a partir de agora vai ter também uma Virtual Race Control Room: uma espécie de VAR da Fórmula 1.

Mas quem é, afinal, Eduardo Freitas?

Há uma história que diz tudo sobre a paixão do português pelo automobilismo. Em 2019, quando já tinha largos anos como diretor de corrida, inscreveu-se como comissário de pista numa prova do Le Mans Classics. Só pelo prazer de voltar ao asfalto e ouvir o barulho dos carros.

«Foi uma experiência fora de série. Fui com um colega e amigo de muitos anos. Apareceu a oportunidade e eu disse: ‘Porque não?’ Então fui. Sem rádio, sem computador, sem ecrãs, sem fones no ouvido, apenas eu, uma bandeira e os pilotos na pista. Pelo prazer de curtir os carros, o barulho dos pneus, o cheiro da borracha.»

Foi esta paixão que o levou para o mundo do automobilismo.

Em 1977, Eduardo Freitas tinha 16 anos e divertia-se nos tempos livres a arranjar motores de motas. Foi nessa altura que um amigo o desafiou a fazer o mesmo num motor de um kart.

«Eu adorava motores de dois tempos. Ainda adoro. Quando o meu amigo me lançou esse desafio, a minha primeira reação foi dizer que não. ‘Quatro rodas não é uma coisa divertida, duas rodas sim, é bom’. Depois pensei que negar antes de provar é má ideia e aceitei experimentar.»

O motor de dois tempos dos karts, sem embraiagem, sem caixa de velocidades, «sem nada no meio», conquistou-o. «Isto pode ser engraçado», pensou. Durante dois anos divertiu-se a compor o motor dos karts e foi nessa qualidade que, em 1979, foi ao Autódromo do Estoril assistir a um campeonato mundial de karting, para comprar um chassi ao piloto Martin Hines.

«Foi o campeonato do mundo ganho pelo Peter Koene, que ficou à frente do Ayrton Senna. Vi a prova toda da bancada, mesmo por cima de um posto dos comissários de pista. Era um domingo e disse para mim mesmo: ‘Isto vivido lá de dentro deve ser mais giro’. Na segunda-feira, dia 24 de setembro de 1979, comecei a trabalhar no autódromo», contou à Daily Sportscar.

«O meu primeiro trabalho foi desmontar a pista de kart. Depois disso, quando havia corridas de motos, eu era comissário de pista. E foi assim que começou. Acho que fiz tudo o que uma pessoa pode fazer numa pista. Fui estagiário, chefe de posto, chefe de setor, comissário de pista, depois secretário-adjunto de corrida e por fim secretário de corrida.»

Durante mais de vinte anos, Eduardo Freitas passou por várias funções no Autódromo do Estoril. Mas não esteve sozinho. Em 1976 tinha conhecido Maria João, quando os dois representavam o Dramático de Cascais: ele era jogador de badminton e ela ginasta de alta competição.

Começaram a namorar e para aproveitarem melhor o tempo, Maria João tornou-se também comissária de pista no Autódromo do Estoril.

«Trabalhámos juntos no autódromo no mesmo posto, durante muitos anos. Depois ela ganhou a sua independência e foi chefe de posto. E tenho duas filhas que também são comissárias de pista.»

Os anos foram passando e na viragem de século dá-se um fenómeno fundamental nesta história: em 2000 e 2001 o Estoril, onde era chefe do colégio de comissários, recebe o FIA GT.

«Poucos meses depois, em fevereiro de 2002, Jurgen Barth ligou-me a dizer que havia uma vaga para diretor de corrida do ETCC [carros de turismo] e do FIA ​​GT. O lugar seria apenas por um ano, mas pensei que era melhor um ano do que nada, e fui.»

Acabou por ficar oito anos, fez a transformação do ETCC em WTCC e em 2010 foi nomeado para dirigir o campeonato do mundo de GT1. Em 2012 chegou ao campeonato do mundo de resistência.

«O Eduardo Freitas sempre esteve ligado ao desporto motorizado. No grau de importância de competições da FIA, há Fórmula 1, o Campeonato do Mundo do Rallis, que é uma coisa diferente porque não é pista, e o campeonato de resistência. Portanto, ele já era o segundo diretor de prova mais importante da FIA e foi uma subida muito meritória. Foi escolhido pela sua competência e pelas suas qualidades», diz Francisco Melo, comentador de automobilismo.

«Estive como speaker em corridas em que ele estava a trabalhar e o que ouço, do eco sobretudo nas 24 horas de Le Mans, é de um homem muito sereno, muito calmo, muito tranquilo, mas ao mesmo tempo assertivo, direto e que impõe respeito sem precisar de gritar. Ele é tremendamente respeitado e considerado. Sempre foi uma opção muito forte para diretor de corrida da Fórmula 1, porque é realmente muito bom a fazer aquilo.»

Agora segue-se a Fórmula 1 e uma certeza: Eduardo Freitas vai continuar a fazer tudo com um tremendo entusiasmo. O mesmo entusiasmo que o obriga, por exemplo, a ir com o neto ver corridas de karts. Só pelo prazer.

«Eu tenho uma paixão enorme por karting e adorava que ele um dia se sentasse num kart.»

Enquanto esse dia não chega, Eduardo Freitas vai continuar a gozar a adrenalina do automobilismo e a festejar cada corrida com uma garrafa de Vinho do Porto partilhada com quem o acompanha.

Até ao dia em que sentir que já não se diverte.

«Enquanto gostar de fazer o que faço irei por cá andando. Quando deixar de gostar, há tantas modalidades desportivas no mundo que provavelmente meto-me no golfe ou no windsurf.»