A notícia correu mundo durante esta semana: no último sábado, dia 5 de março, os Charlotte FC bateram o recorde de assistência na Major League Soccer no primeiro jogo que fizeram em casa.

Ou seja, na estreia perante os seus adeptos, no primeiro jogo, do primeiro ano, da história do clube, os Charlotte FC estabeleceram um novo máximo de espectadores: 74 479 alminhas.

Admirável, sem dúvida. Mas que clube é este, afinal?

Antes de mais, é preciso dizer que Charlotte tem dois milhões habitantes, sendo que o estado da Carolina do Norte tem a população de Portugal: dez milhões.

Para além disso, é um dos estados onde o futebol é mais popular, a seguir a New Jersey, Massachussets e Virginia. As estatísticas apontam para cerca de cem mil praticantes registados e tornou-se habitual ao domingo de manhã encontrar por vários campos das cidades rapazes e raparigas a jogar. Também por isso, a cidade de Charlotte já recebeu vários jogos da seleção dos Estados Unidos, da Gold Cup e até da International Champions Cup.

Rodrigo Carvalho, analista dos DC United, a viver nos Estados Unidos, diz que esse é um dos aspetos fundamentais para o enorme sucesso dos Charlotte FC.

«É uma equipa nova, que está a estrear-se na Major League Soccer e que durante dois anos fez um grande trabalho de promoção num estado conhecido por ter muita gente que pratica futebol. Desportivamente não está a ter um início entusiasmante, os primeiros anos também são muito complicados, dependem muito da estrutura dos clubes, mas a verdade é que há uma grande curiosidade na Carolina do Norte em torno desta equipa», revela.

«Além disso Charlotte é uma cidade grande relativamente isolada de outras grandes cidades, o que ajuda a cultivar uma grande paixão pelas equipas profissionais da cidade. Também acontece muito com os Carolina Panthers, que são uma equipa de futebol americano.»

No entanto, e apesar de ser uma cidade com forte presença de adeptos de futebol, nunca Charlotte foi premiada com uma autorização para ter uma equipa na Major League Soccer. Nem em 1994, quando se candidatou e não ganhou uma das licenças para o arranque da competição, nem em 1996 e 1998, quando voltou a concorrer por uma vaga e voltou a perder para outras equipas.

Tudo mudou, porém, em 2018. O milionário David Tepper, que fez fortuna a comercializar fundos de investimento, comprou os Carolina Panthers, a equipa de futebol americano de Charlotte, e manifestou de imediato a intenção de levar o futebol europeu também para a cidade, de forma a corresponder às ambições das comunidades emigrantes e das famílias de jovens praticantes.

Para o conseguir, David Tepper contratou nada menos do que Tom Glick.

O americano tinha sido diretor de operações do Manchester City, tinha estado no lançamento dos New York FC e era naquela altura presidente dos Carolina Panthers. Juntamente com David Tepper, construiu uma candidatura sólida, que previa melhoramentos superiores a 50 milhões de euros no já muito bom estádio Bank of America e o pagamento de quase 300 milhões de euros à Major League Soccer pela licença para ser o 30º clube do campeonato.

Sem surpresa, em dezembro de 2019 foi concedida franquia aos Charlotte FC, para começar a competir no campeonato de 2021, o que acabou por ser atrasado um ano devido à pandemia.

Nas primeiras 24 horas após o anúncio, os adeptos de Charlotte compraram sete mil lugares anuais no estádio. Sendo que o bilhete anual mais barato rondava os 1600 euros.

O que era um sinal claro do entusiasmo que havia na cidade.

«Na Costa Este há uma grande influência de antigos emigrantes que vieram da Europa e que alimentaram um pouco essa paixão pelo futebol. Washington, por exemplo, também muitos praticantes. Por isso o que está a acontecer em Charlotte é uma mistura de vários fatores: um estado com muitos praticantes, uma grande curiosidade e um excelente trabalho de divulgação.»

A pergunta que se coloca é se os Charlotte FC conseguirão continuar com este nível de assistências aos jogos. Até porque a equipa soma duas derrotas em dois jogos e não promete grande coisa.

«Eu diria que sim, até porque houve muitos bilhetes vendidos para o ano inteiro. Atlanta também teve um fenómeno semelhante, quando construiu um novo estádio e lançou um clube com muitos adeptos. Por isso até pela rivalidade com um estado vizinho, é possível que aconteça.»

O próprio David Tepper, proprietário do clube, já se referiu a essa rivalidade que vai haver com os vizinhos dos Atlanta United. Provavelmente por saber que tem tudo para ser um motor.

«Vamos ter uma rivalidade infernal. Mas Charlotte é a cidade que interessa. Que se lixe Atlanta.»

Curiosamente ao bater o recorde de jogo com mais assistência, Charlotte ultrapassou quatro jogos dos Atlanta United que ocupavam as primeiras quatro posições da tabela: 73 019 frente aos Portland em 2018, 72 548 frente aos Galaxy, 72 243 com os Seattle e 72 035 frente aos DC United.

É certo que os 74 479 espectadores foram insuficientes para empurrar os Charlotte FC para a vitória e a equipa estreou-se em casa com uma derrota por 1-0 com os LA Galaxy.

Mas tirando isso, tudo bem.