Estávamos em 1989 quando Ragip e Elmaze Xhaka tomaram uma decisão que lhes mudaria a vida. Deixar o Kosovo, região da antiga República da Jugoslávia, onde habitavam, e procurar um novo lar num país diferente. A guerra era iminente no país (iniciaria em 1991, com o foco a virar-se para o Kosovo quatro anos mais tarde), as condições financeiras e políticas eram demasiado instáveis. Era, portanto, difícil imaginar um futuro ali.

Destino? Suíça. A cidade de Basileia acolheu o casal e deu-lhes aquilo que buscavam quando se despediram de todos e iniciaram a viagem. Lá criaram um novo lar, sem esquecer as raízes kosovares, mas com o conforto que os helvéticos lhe poderiam dar como poucos.

Dois anos depois da mudança nasceu o primeiro filho do casal. Taulant foi o nome escolhido. No ano seguinte nasceu Granit. Cresceram no bairro de Keinbasel, ganharam gosto pelo futebol e, mais importante, tinham jeito. O pai, Ragip, percebeu e inscreveu-os na Academia do Basileia, o maior clube da cidade. Granit, por exemplo, tinha apenas quatro anos.

Eram, ambos, cidadãos suíços de pleno direito. Cresceram no futebol, jogaram nas camadas jovens da Suíça, chegaram à equipa principal do Basileia e, na hora de representar uma seleção a nível senior…separaram-se.

Granit Xhaka, médio que recentemente assinou pelo Arsenal, é internacional suíço. Taulant Xhaka, defesa que alinha no Basileia, é internacional albanês. Os filhos de Ragip e Elmaze vão protagonizar o primeiro duelo de irmãos da história do Campeonato da Europa.

Granit Xhaka em duelo com Frank Lampard, em 2011

Desde 1976, e com exceção das edições de 1992 e 2012, há pelo menos uma dupla de irmãos no Europeu. Mas esta é a primeira vez que não estão do mesmo lado da barricada.

O caso é semelhante ao dos irmãos Boateng, Jerome e Kevin-Prince, que se enfrentaram no Mundial 2014. Jerome pela Alemanha, país que o acolheu. Kevin-Prince pelo Gana, país de origem dos seus pais.

Depois há um pormenor importante no meio disto tudo. Nem Granit, nem Taulant representam o país de onde descendem: o Kosovo.

É a terceira carruagem desta história. Granit joga pelo país onde nasceu, Taulant pelo país de onde descendem os pais. O Kosovo só foi reconhecido como país (e não por todos os membros da ONU, longe disso), em 2008, já os manos Xhaka estavam perto da estreia como seniores.

Ora, agora que o Kosovo já foi admitido pela FIFA e vai integrar a qualificação para o Mundial 2018, fica a questão: poderá Granit e Taulant representar o país de onde descendem? A FIFA permite que assim seja, mesmo que já tenham jogado a nível senior por outra seleção, uma vez que o Kosovo «não existia» na altura.

Granit, contudo, já rejeitou a ideia: «Já tenho uma seleção». Taulant não teve qualquer declaração pública que indicasse a sua vontade.

E a questão alarga-se a vários outros internacionais suíços que têm origem kosovar. Casos da estrela Xerdan Shaqiri ou Valon Behrami. Mas não só.

Jogadores da Suíça que poderiam jogar pela Albânia:

Granit Xhaka (Nasceu na Suíça, mas é filho de pais kosovo-albaneses)

Xerdan Shaqiri (Nasceu na cidade kosovar de Gjilan, filho de kosovo-albaneses, mudou-se para a Suíça com um ano)

Valon Behrami (Nasceu na cidade kosovar de Mitrovica, filho de kosovo-albaneses, mudou-se para a Suíça com cinco anos)

Admir Mehmedi (Nasceu na cidade macedónia de Gostiva, filho de albaneses, mudou-se para a Suíça com dois anos)

Pajtim Kasami (Nasceu na Suíça, mas é descendente de albaneses)

Blerim Dzemaili (Nasceu na Macedónia, filho de albaneses, mudou-se para a Suíça aos quatro anos)

Almen Adbi (Nasceu na cidade kosovar de Prizren, filho de bósnio-albaneses)

Se desejar, Shaqiri também pode jogar pela seleção do Kosovo

E há um ponto importante a sublinhar: Taulant Xhaka está longe de ser o único internacional albanês que poderia estar do outro lado. Pois é, quando Albânia e Suíça entrarem em campo no próximo sábado, para o segundo jogo do Grupo A, haverá certamente muitos sentimentos contraditórios. Não nos jogadores que defenderão, por convicção ou honra, a camisola que escolheram. Mas nos familiares, em todo um povo dividido pela guerra e separado também no futebol.

Jogadores da Albânia que poderiam jogar pela Suíça:

Taulant Xhaka (Nasceu em Basileia, Suíça, mas é filho de pais kosovo-albaneses. Jogou nas seleções jovens suíças)

Shkelzen Gashi (Nasceu em Lausanne, Suíça, mas é filho de pais kosovo-albaneses. Jogou nas seleções jovens suíças)

Berat Djimsiti (Nasceu em Zurique, Suíça, mas é filho de pais kosovo-albaneses. Jogou nas seleções jovens suíças)

Naser Aliji (Nasceu na Albânia, mudou-se para Baden, Suíça, com quatro anos. Jogou nas seleções jovens suíças)

Freddie Veseli (Nasceu em Renens, Suíça, mas é filho de pais kosovo-albaneses. Jogou nas seleções jovens suíças)

Migjen Basha (Nasceu em Lausanne, Suíça, mas é filho de pais kosovo-albaneses. Jogou nas seleções jovens suíças)

Ermir Lenjani (Nasceu na Albânia, mudou-se para a Suíça em criança.)

Arlind Ajeti (Nasceu em Basileia, Suíça, mas é filho de pais kosovo-albaneses. Jogou nas seleções jovens suíças)

Taulant Xhaka em ação contra Portugal

Aos De Boer, aos Neville, aos Laudrup estiveram quase a juntar-se…os Ribeiro

Como se disse, a história do Europeu está repleta de irmãos. Nenhum caso como o dos Xhaka, naturalmente, mas, em todo o caso...irmãos.

Foi em 1976, no Euro que imortalizou Panenka, que se estrearam os primeiros. Ao serviço da Holanda, René e Willy van de Kerkhof estiveram no torneio. Jogaram ambos apenas no, agora, extinto jogo de atribuição do terceiro lugar, em que a Holanda venceu a Jugoslávia por 3-2. Willy marcou um golo.

A Holanda era, de resto, até ao Euro 2016, a única seleção que tinha apresentado três duplas de irmãos diferentes na história da competição. Aos na de Kerkhof juntou os Koeman, Ronald e Erwin, em 1988, quando venceu a prova, e os De Boer, Frank e Ronald, em 2000, a jogar em casa.

Contudo, os vizinhos da Bélgica irão também apresentar os terceiros manos de sempre num Europeu. Os primeiros foram Luc e Marc Millecamos em 1980, seguidos de Emile e Mbo Mpenza (ex-Sporting) em 2000. Agora, há Romelu e Jordan Lukaku.

Além dos Lukaku e dos Xhaka, há mais duas duplas de irmãos no Euro 2016: Aleksei e Vasili Berezutski, pela Rússia (já estiveram no Euro 2008) e Corry e Jonny Evans, pela Irlanda do Norte.

Uma última nota para...Portugal. Já várias duplas de irmãos representaram a seleção nacional, mas nunca numa fase final de uma grande competição. Por ventura a vez em que esteve mais perto de acontecer foi em 2008, também num Europeu. Luiz Felipe Scolari apostou em Jorge Ribeiro para a fase final, mas deixou de fora o bem mais consagrado irmão Maniche, peça fulcral nas caminhadas de 2004 e 2006, também com o «Sargentão». Já tinham estado juntos na seleção...mas nunca numa fase final.

O grupo atual também poderia ter dois irmãos, mas para isso era necessário que Fernando Santos tivesse convocado também Rui Fonte, do Sp. Braga, para juntar ao irmão José; ou Wilson Eduardo, que nunca foi opção do selecionador, para juntar a João Mário.

Maniche e Jorge Ribeiro estiveram perto de estar juntos no Euro 2008

Os irmãos da história do Europeu1976

Holanda: René e Willy van de Kerkhof

1980

Alemanha: Bernd e Karl-Heinz Forster

Bélgica: Luc e Marc Millecamps

Itália: Franco e Giuseppe Baresi

1984

Alemanha: Bernd e Karl-Heinz Forster

1988

Holanda: Ronald e Erwin Koeman

1996

Dinamarca: Brian e Michael Laudrup

Inglaterra: Gary e Phil Neville

2000

Bélgica: Emil e Mbo Mpenza

Inglaterra: Gary e Phil Neville

Holanda: Frank e Ronald de Boer

Suécia: Daniel e Patrick Andersson

2004

Croácia: Niko e Robert Kovac

Inglaterra: Gary e Phil Neville

Suíça: Murat e Hakan Yakin

2008

Croácia: Niko e Robert Kovac

Rússia: Aleksei e Vasili Berezutski

2016

Bélgica: Jordan e Romelu Lukaku

Irlanda do Norte: Corry e Jonny Evans

Rússia: Aleksei e Vasili Berezutski

Albânia e Suíça: Taulant and Granit Xhaka