Fábio Faria vivia um «conto de fadas» aos 22 anos. Estava no ponto mais alto da carreira e onde sempre sonhou chegar. O final feliz parecia estar perto. Mas o que o anfitrião desta história não sabia, é que aquele era mais um capítulo de um conto que ainda tinha muitas páginas pela frente.

A história é sobejamente conhecida pelo leitor atento ao fenómeno do futebol. Houve um jogo em que se sentiu mal, mas foi durante uma corrida com o pai que teve de tomar a decisão mais difícil de toda a vida. Era a quarta vez que Fábio caía e precisava de ser reanimado com a ajuda de um desfibrilhador. Decidiu deixar de jogar quando estava no clube do coração, o Benfica, sob as ordens de Jorge Jesus, um treinador que admira, e com todos os sonhos que um jovem em início de carreira projeta para o futuro.

Seguiu-se, então o período mais negro da vida. Dois anos a contas com antidepressivos e com sessões de psicologia e, mais tarde, psiquiatria, para tentar combater uma depressão profunda.

«Deixei o futebol com 22 anos, cheguei ao Benfica com vinte e não fiz um grande contrato. Era por objetivos, tal como fazem com os mais jovens, não consegui juntar muito e naquela altura não pensas deixar o futebol tão cedo. Cheguei lá depois de muitos sacrifícios e em tantos jogadores do mundo tinha de me acontecer, não conseguia aceitar», conta em conversa com o Maisfutebol.

Fábio só voltou a saborear a vida quando o Rio Ave, clube da terra, lhe abriu novamente as portas. Aceitou o convite para ser treinador adjunto dos sub-23, porque o futebol é «um vício» que não vai embora. Mas, atualmente, há outro desporto que faz parte do quotidiano: o padel. De manhã, Fábio gere o clube de padel que criou em janeiro, à tarde forma jovens nos relvados de Vila do Conde.

Um «bichinho» que nasceu em Espanha

O futebol sempre esteve presente em casa. Filho de um ex-jogador, Fábio habituou-se à rotina da bola, embora tenha começado no basquetebol, antes de optar pelo desporto rei. Já a raquete, até 2012, só era utilizada – e raramente – para o ténis.

«Estava emprestado pelo Benfica ao Valladolid, em 2012, e no condomínio onde vivia tinha um campo de padel, em betão, mas não sabia como se jogava. Na altura, estava em Espanha com o meu pai e o meu melhor amigo e fomos bater umas bolas. Até pensava que se jogava um contra um! Fiquei curioso porque no supermercado havia muitas tendas a vender material de padel e perguntei ao senhor de uma loja como se jogava. Comprei logo umas raquetes.»

Foi no balneário que compreendeu o vício. «Os meus companheiros de equipa eram viciados e ensinaram-me que se jogava em duplas. A partir daí comecei a jogar. Vim embora de Espanha,  continuei no Benfica e não joguei mais até 2015. Aí, surgiu em Vila de Conde um clube de padel e os donos são meus amigos, então, convidaram-me para ir à inauguração e começou o bichinho que se mantém até hoje», prossegue.

O prazer por jogar foi crescendo de tal forma que não o queria guardar para si. O importante, para Fábio, era o convívio, jogar com os amigos e chamar pessoas à modalidade. Foi aí que entendeu que podia ter outro papel no desenvolvimento da mesma.

Não se juntou ao clube de padel dos amigos porque seríam «oito sócios» e isso daria «problemas de gestão», então optou por, em conjunto com outro amigo, montar o próprio projeto, o Elite Padel, em janeiro.

Fábio Faria (à esquerda) com a equipa técnica do Rio Ave

A viver em Vila do Conde, o critério de escolha do berço do clube era uma cidade em que não existisse qualquer recinto de padel.

«Surgiu a oportunidade de vir para Barcelos, porque era uma cidade aqui perto e decidi arriscar. Obviamente que tinha medo, porque não sou daqui e não conhecia ninguém», confessa.

Após a escolha da cidade, surgiu um entrave: o espaço. Os armazéns eram escassos e os que existiam não tinham as condições adequadas.

O armazém escolhido era «muito baixo», isto tendo em conta que a altura mínima para estar habilitado à prática de padel deve fixar-se nos oito metros. Contas feitas aos custos e um plano delineado, seguiu-se um processo de requalificação do espaço. Aí, Fábio decidiu mudar a ideia inicial.

«Íamos ter quatro campos. Mas iam ser todos muito apertados. E pensei: ‘as pessoas vêm jogar e depois vão embora. Não é isto que quero, quero cativar as pessoas e fazer com que se sintam em casa’. E decidi abdicar de um campo e colocar o bar», revela.

De facto, aproveitando a vantagem de «conhecer quase todos os clubes do Norte», optou por «retirar o melhor de cada um» e construir um espaço à medida das pretensões de um jogador de padel.

«Toda a gente que cá vem diz que o clube é diferente, caprichei no bar para ficar mais bonito e noto que as pessoas que jogam padel gostam do convívio no final. Fazem festas de anos aqui, jantares… no outro dia reservaram os campos todos e encomendaram um leitão para ficarem no bar», conta entre risos ao nosso jornal.

«O meu pai era o meu parceiro, no futebol não teria essa oportunidade»

Com 80 mil praticantes ocasionais, o padel tem-se revelado um fenómeno crescente em Portugal. Para Fábio, este é «um desporto familiar e de convívio», que além da «prática de exercício físico», estimula as relações. 

«As pessoas gostam de no final ficar a beber finos, conviver, fazer apostas com os amigos e familiares. Isso é que é importante. Lembro-me que quando comecei a jogar o meu pai era o meu parceiro, nunca no futebol teria essa oportunidade», reconhece.

Ainda assim, Fábio compreende quem rotula o padel de desporto elitista, já que «não é barato», isto porque os preços se situam nos cinco euros por pessoa por uma hora de jogo.

«No início notava nas pessoas que gostavam de se exibir e acharem-se superiores, não vinham tanto por jogar, mas para mostrarem o equipamento mais bonito, mais para dar nas vistas» aponta, reconhecendo que este é um desporto transversal a todas as idades, embora tenha «mais clientes entre os 30 e 40 anos». «Vem a mulher e arrasta consigo o marido e os filhos», acrescenta.

Apesar de ser dono do clube, Fábio reconhece que «devia passar mais tempo» no armazém, mas «o vício» do futebol não o permite. Ainda assim, garante total confiança nas pessoas que estão à frente do negócio, entre as quais o pai. «A gestão é muito fácil. Basta ter as pessoas certas à frente do negócio e consigo controlar tudo o que se passa através da nossa aplicação», revela.

«Jogo com antigos colegas e as pessoas passam, olham e querem vir aprender»

Antes de aceitar o convite do Rio Ave para integrar a equipa técnica do plantel de sub-23, Fábio jogava padel duas a três vezes por semana. A doença não o permitia «exagerar».

«Tomo todos os dias de manhã um comprimido para baixar o ritmo cardíaco, hoje em dia já consigo controlar o meu corpo, noto quando estou mais cansado e as pessoas que jogam comigo também me conhecem e deixam-me descansar mais um pouco. Mas, naqueles dois primeiros anos, pouca gente jogava então ligavam-me a toda a hora e eu não sabia dizer que não», confessa.

A prática levou a que se colocasse num bom patamar para amador, mas os problemas cardíacos não permitem que seja jogador federado. Costuma jogar com vários ex-jogadores, como Nuno Assis, Bosingwa, Raul Meireles, Pedro Mendes ou Fernando Meira. Estes duelos, está claro, suscitam o interesse e regalam os olhos dos mais curiosos.

«Durante a semana marco jogos com antigos colegas e as pessoas passam, olham e isso faz com que queiram vir aprender», diz. Fábio destaca a importância das redes sociais, que permitem colocar o padel num patamar de «desporto da moda».

«Até o agente que trabalhava comigo e com o Jorge Mendes me ligou, a perguntar onde era o meu clube porque ouvia falar», conta.

Alguns clientes já solicitam aulas particulares, embora não seja do seu agrado. «Não é algo que me agrade muito, dou porque tenho jeito, mas não vim do ténis, e o importante no padel é explicar como se pega na raquete e tenho dificuldade porque não tive essa formação. Já como vivi toda a minha vida foi ligada ao futebol, é mais fácil explicar», justifica.

Ainda assim, Fábio compreende que os iniciantes têm muita dificuldade, sobretudo, em «fazer com que a bola passe para o outro lado da rede».

«Há dias, vim cá almoçar e entraram quatro meninas pela primeira vez. Elas estavam a jogar e fui lá intervir, porque estavam a pagar e nem sequer conseguiam acertar na bola. Perguntei se não se importavam que desse uma aula e foi super divertido porque elas compreenderam, já acertavam na bola e estavam a gostar. No final, vieram ter comigo a dizer que queriam ter outra aula. É importante porque no início as pessoas não têm noção do que é o padel e precisam de alguém para ajudar.»

Com taxas de ocupação a rondar os 90 por cento, Fábio nota que há cada vez mais interessados em experimentar o padel.

«Reservar a partir das 18 horas é impossível. As pessoas já têm de reservar com um mês de antecedência, por vezes até se chateiam, tem sido uma loucura», conta.

O Elite Padel, ainda com menos de um ano de existência, viu-se obrigado a fechar portas devido à pandemia de covid-19 e só as conseguiu reabrir por não ter «empréstimos bancários» a honrar. Já no mesmo espaço, o ginásio que abrira na mesma altura, cedeu à crise financeira. Mas, como diz o ditado, o azar de uns é a sorte de outros e os metros quadrados deixados de vago revelaram-se muito úteis para o antigo jogador.

«Aproveitamos o espaço vazio e aumentamos para seis o número de campos, porque se não já tínhamos outro sítio onde abrir, mas não era tão bom porque aí tinha de ter mais funcionários, mais despesas e aqui com os mesmos consigo gerir os seis campos. Queremos criar uma academia e que o padel cresça ainda mais, por isso vamos dividir: quatro para jogos de marcações e dois para aulas», projeta.

Aconselhar os mais jovens e aceitar a realidade

Depois de um capítulo negro que gorou as possibilidades de viver o «conto de fadas», Fábio sente-se «realizado», com «uma vida financeiramente estável», e tem por missão aconselhar os mais jovens.

«Tento transmitir-lhes que não é fácil a vida de um jogador de futebol. Tens de fazer muitos sacrifícios para chegares lá acima. Saí pela primeira vez à noite com 19 anos, não bebia, não fumava. É difícil, mas quando chegas ao topo é gratificante. Muitos ficam amuados quando não jogam, ficam no banco ou não são convocados. Eu digo-lhes que têm sorte por fazerem o que mais gostam. Eu era como eles, mas depois do meu problema pergunto-me porque ficava assim.»

A nível profissional, Fábio Faria quer chegar à primeira equipa do Rio Ave. Já concluiu o nível I do curso de treinador e pretende dar seguimento a essa formação. Mas, por vezes, ainda sente saudade dos tempos de jogador.

«A minha namorada não percebia porque é que eu às vezes via vídeos dos meus jogos no Youtube. Às vezes estou a ver jogos de futebol e fico triste, tens sempre aquelas quebras que te fazem voltar atrás para rever as tuas memórias. Tivemos uma conversa com o Tarantini e ele explicou que quando deixar o futebol vai sentir o mesmo, aí ela já me compreendeu. Trabalhei tanto, cheguei ao clube do meu coração muito cedo e dois anos depois acabou tudo…», lamenta.

Fábio Faria tinha atingido o clímax da história que estava a escrever aos 22 anos. O vilão, mascarado de problema cardíaco, veio roubar a possibilidade de viver o sonho alimentado desde o início. Esse capítulo já está fechado, mas não à chave.

«Ultrapassei, mas de vez em quando sinto saudade». O imaginário insiste em manter presente aquele conto de fadas que não pôde viver.