Francis Lee entrou para o «Hall of Fame» do futebol inglês em 2010, pela brilhante carreira como avançado, que se destacou principalmente ao serviço do Manchester City, clube pelo qual marcou 148 golos. Foi uma vez campeão inglês pelo City, em 1967/1968, com dois pontos de avanço sobre o rival e vizinho Manchester United, e conquistou a Taça das Taças em 1969/1970, depois de o City eliminar a Académica nos quartos de final por 1-0, com o golo a surgir no último minuto do prolongamento. Começou a carreira no Bolton Wanderers e terminou após dois anos no Derby County, em 1975/1976, onde foi novamente campeão inglês, na época anterior. Foi 27 vezes internacional por Inglaterra, com 12 golos apontados, e presidiu ao Manchester City, entre 1994 e 1998. Os tempos eram outros, os rendimentos no futebol não são comparáveis aos que se auferem atualmente e enquanto jogava Francis Lee adquiriu uma fábrica de papel, com a qual fez fortuna a produzir papel higiénico. Agora, com 75 anos, Francis Lee divide o seu tempo entre Inglaterra e o Algarve. E é desde junho presidente do Internacional de Almancil.

O convite partiu de José Fernandes, que conta ao Maisfutebol como «cativou» Francis Lee a assumir a presidência do clube. «O senhor Francis Lee é uma pessoa muito conhecida no Algarve e no mundo do futebol a nível mundial. Conheci-o no meu restaurante, como cliente. Sabendo que é um amante do futebol, tendo jogado no Manchester City e na seleção inglesa, e que mora aqui no Algarve, mais propriamente na Quinta do Lago, pedi-lhe se me ajudava a organizar um torneio de golfe para angariação de fundos para o Internacional de Almancil. Foi em julho de 2017 e tem tido continuação, dada a grande disponibilidade para colaborar dos proprietários dos campos de golfe da Quinta do Lago. Como o meu mandato cessava, em vez de me recandidatar a presidente do Internacional, e como isto é o Internacional de Almancil, um clube aberto a todas as pessoas que moram e trabalham em Almancil, foi um prazer enorme convidar o senhor Francis Lee para presidente, ficando eu como vice-presidente a tomar conta do clube, do futebol, e a prestar contas de tudo o que faço, dando-lhe conhecimento e pedindo opiniões. E ele aceitou», relata, explicando o envolvimento da antiga lenda inglesa: «É muito interessado no clube, porque se eu não lhe disser onde são os jogos no sábado e no domingo, telefona-me logo a perguntar, porque quer ir ver comigo. É uma honra termos uma pessoa como o senhor Francis Lee como presidente do Internacional de Almancil.»

O Maisfutebol foi a Almancil conhecer Francis Lee, uma pessoa extrovertida e apaixonada pelo futebol.

Há quanto tempo tem casa no Algarve e porque é que escolheu esta região para viver?

Tenho casa há 20 anos, mas antes de a comprar vim para cá durante uns cinco ou seis anos, para ver se conseguia viver aqui. Aluguei casas na Quinta do Lago e gostámos tanto que comprei uma.

Como é que aparece como presidente do Internacional de Almancil?

Não havia mais ninguém (risos). Porque sou amigo do José há alguns anos e ele disse que estava a tentar angariar algum dinheiro para os rapazes do clube. Ajudei-o num torneio de golfe, já vamos no terceiro ano, e temos feito um bom trabalho. Depois ele quis que eu fosse o presidente. A última presidência que vou ter antes de morrer (risos).

O que espera fazer no clube?

Dar continuidade ao trabalho de angariação de dinheiro para manter o clube saudável. Os membros do clube de golfe da Quinta do Lago estão bastante interessados em apoiar o clube de futebol. É uma relação saudável, teres ingleses, irlandeses, e portugueses, todos amigos a jogarem e a trabalharem em conjunto. Dizem sempre para não nos esquecermos deles no próximo ano.

Na sua apresentação como presidente do Internacional de Almancil, o que é que disse aos jogadores?

Disse que é bastante bom estar associado a uma equipa com este talento. É futebol de padrão elevado, agradável de se ver... E disse-lhes que estava um dia muito quente e que não dessem a bola ao adversário (risos).

E eles sabem quem foi Francis Lee?

Não sei se sabem quem eu sou... (risos).

O que acha dos jogadores do Internacional de Almancil? Vão beneficiar consigo como presidente do clube?

Talvez. Quando estou a ver os jogadores mais novos, com 13, 14 ou 15 anos, dá para ver que está ali talento e estou interessado em ver como se vão desenvolver nos próximos anos, se vão continuar a jogar. Não estou a dizer que o Internacional tem os melhores jogadores, mas o padrão de jogo, bem como as condições e os campos que tem, é uma vantagem maior em relação aos jogadores mais novos em Inglaterra, que não estão ligados ao futebol porque jogam em campos molhados e cheios de lama. Não têm as mesmas instalações, como aqui em Portugal. E podemos ver os jogadores mais novos, eles imitam as estrelas do futebol, por exemplo, quando marcam fazem o salto como o do Cristiano Ronaldo (risos).

Tenciona efetuar mudanças no clube? como, por exemplo, adicionar outros desportos...

Não, porque apenas podes mudar um clube quando precisa de mudança. Há um grande apoio dos pais aos filhos, vão aos jogos vê-los jogar, não se pode fazer muito mais que isto. Vê-se que isso se reflete nas famílias, pois os pais disfrutam de ver os seus filhos jogar. Isso é excelente, as instalações são muito boas, e as pessoas de Almancil devem orgulhar-se disso.

Que opinião tem sobre o futebol português?

Tem sido sempre bastante bom. Temos, acho, três jogadores portugueses no Manchester City, que custaram por volta de 160 milhões de euros, é muito dinheiro. Mas os jogadores portugueses beneficiam porque, mais uma vez, estamos a falar da maneira como a Liga está feita aqui, apostam nos jovens formados no clube e os jogadores jovens conseguem evoluir e, com dedicação no trabalho, podem acabar por ser profissionais.

O que pensa sobre João Cancelo e Bernardo Silva?

Bernardo Silva é uma lufada de ar fresco, toda a gente o adora. Ele fala melhor inglês que muitos ingleses, quando entrevistado soa melhor que todos os jogadores ingleses. Ele é muito inteligente e continuou a ser empenhado desde que chegou a Inglaterra. É um jogador mesmo muito bom!

Poderá ser tão bom como o Cristiano Ronaldo?

Não. Não poderá ser tão bom como o Cristiano Ronaldo, porque acho que não haverá mais nenhum Cristiano Ronaldo. Quer dizer, espero que haja três ou quatro, e que o Manchester City tenha dois deles! Mas é como o Messi, que é provavelmente o melhor jogador que eu já vi. Joguei contra grandes jogadores, como Pelé ou Johan Cruyff, mas acho que Messi é melhor jogador que eles. O Messi consegue fazer tudo, apesar de ser pequeno, e é uma grande fonte de inspiração para todos os jovens jogadores que não são muito grandes. Ele tem uma grande habilidade natural.

Acha que o atual Manchester City é melhor do que o da sua altura?

O Manchester City de hoje é melhor (risos). Os jogadores que jogaram comigo nesse plantel de sucesso em 1970 diriam que não, mas o atual é melhor, porque têm mais jogadores, têm mais profundidade. Na minha altura, se alguém se lesionasse, era complicado, porque só tínhamos 13/14 jogadores. E mesmo se se lesionassem jogavam na mesma. Mas agora têm tantos jogadores…

Qual é a diferença entre o futebol da sua altura e o atual?

Em primeiro lugar, as infraestruturas: jogam em relvados fantásticos, chegam mesmo a regar os campos antes dos jogos. Quando nós jogávamos, costumávamos rezar para que tivesse chovido, para o relvado estar molhado e escorregadio na zona de ataque, para que os defesas não conseguissem defender bem. Mas agora a sério: as condições em que jogávamos eram muito más e para os defesas não havia muitas regras. A principal era «Nunca deverás deixar que te apanhem»... (risos).

Acha que o VAR é bom para o futebol?

Não. Pode ser bom aqui, mas em Inglaterra não. Deve ter a ver com o Brexit. (risos)

Francis Lee no Mundial 1970
Francis Lee no Mundial 70 (Foto AP)

Na atualidade, qual é o jogador mais parecido com o Francis Lee?

Não sei se há algum jogador parecido comigo, porque nós também jogámos em situações muito diferentes. Era muito difícil jogar, o futebol adequava-se aos defesas porque não havia regras, faziam muitos carrinhos por trás e não era marcada falta... para conseguires um penálti tinhas que ser quase assassinado em campo... (risos).

Mas o Francis Lee tinha a reputação de mergulhar para ganhar penalties, tendo a alcunha de “Lee Won Pen”. Era mesmo um mergulhador ou não?

Definitivamente, eu não mergulhava. Por cada penálti que eu tive, que podia ser duvidoso, havia outros 10 que não tinha, porque eu costumava ser absolutamente aniquilado pelos defesas grandes. Não havia regras.

No futebol atual existem muitos jogadores a «mergulhar» para cavar penalties?

Sim, existem muitos «saltadores para a piscina» no futebol. É por isso que o VAR não funciona em Inglaterra, porque os mesmos árbitros que trabalham no VAR são os que arbitravam antes e faziam asneiras nos jogos. Acho que aquilo não vai melhorar.

Em 1975, durante um jogo, andou ao soco com Norman Hunter, do Leeds United. O que aconteceu?

Nada. O Norman era um bom amigo meu, porque jogámos juntos na seleção de Inglaterra. Mas a equipa dos Leeds nesses tempos era mesmo complicada. Essa época foi a minha última como jogador e um dos colegas da equipa dele disse-lhe que eu me ia retirar no final da época, e por isso as coisas descontrolaram-se um pouco. Foi assim que começou.

Depois de se ter retirado do futebol, o Francis dedicou-se à indústria do papel higiénico, e fez uma fortuna com isso. Porquê essa opção?

Na verdade, eu já estava nesse mundo antes de me retirar. Eu e o meu diretor financeiro começámos a empresa em 1965.

Como surgiu esse negócio?

Porque nessa altura não recebíamos muito dinheiro com o futebol. Por isso, o meu pai deu-me essa oportunidade. Eu fui para a faculdade técnica e era suposto ser um engenheiro. Mas ele disse-me: «Se quiseres ser futebolista, tens de ter outro trabalho.» Por isso tive uns dois ou três, antes de me envolver na indústria do papel. Na altura era mesmo muito pequeno, mas crescemos imenso e somos uma empresa muito grande. Atualmente temos cerca de 250 trabalhadores.

Se hoje tivesse 23 ou 24 anos, qual acha que seria o seu valor de mercado? Quanto é que uma equipa teria de pagar para o conseguir contratar?

Ninguém conseguiria comprar-me, se fosse hoje (risos).

Mas em 1967, o Manchester City pagou 67 000 libras pelo seu passe...

Pagou sim, 67 000 libras por mim. Estávamos em Outubro, tinham acabado de ser derrotados pelo Manchester United e estavam em quarto a contar de baixo. Eu assinei por eles e não perdemos durante três meses.

Como era a rivalidade com o Manchester United? Como são os dérbis?

O Manchester United assustava-se connosco. Eu joguei em 16 ou 17 dérbies e apenas perdi dois. Até há uns anos, eu era o melhor marcador em dérbis, mas o Wayne Rooney quebrou o recorde. Costumávamos vencê-los por diversão. (risos)

Como era a atmosfera?

Eletrizante. Porque nunca ninguém esperou que nós ganhássemos tantas vezes.

Como foi a sua experiência como presidente do Manchester City?

Foi uma grande experiência... mas que nunca mais vou repetir! (risos).

Quando o Manchester City ganhou a Taça das Taças, eliminou a Académica nos quartos-de-final, marcando o golo no último minuto do prolongamento. Tem alguma recordação desse jogo?

Lembro-me sim, peço desculpa (risos). Nós ganhámos a Taça das Taças nesse ano, batemos o Górnik em Viena.

Para terminar a conversa com o Maisfutebol, Francis Lee quis recordar um jogo entre Portugal e Inglaterra:

Vou-vos contar uma boa história para terminar. Jogávamos em Wembley quando o relvado estava muito mau, o jogo quase que foi cancelado. Inglaterra jogou contra Portugal e vencemos por 4-1. (Aqui uma imprecisão, o jogo em causa foi um amigável que a Inglaterra venceu 1-0, com golo de Jack Charlton, no dia 10 de dezembro de 1969). Conseguimos um penálti, aos 70 minutos, e na altura eu tinha acabado de começar a batê-los pela seleção e não falhava um há quatro ou cinco anos. Coloquei a bola e fui bater o penálti, só que a terra cedeu e ela moveu-se: bati na bola e não só falhei a baliza, como também não acertei nos fotógrafos que estavam ao lado (risos).