Up in the North, na margem norte do rio Tyne, a cidade de Newcastle sussurra o nome de Mohamed bin Salman, o príncipe saudita. O investimento do multimilionário árabe no histórico clube da cidade promete devolver estrelas e ambição ao mágico St. James Park. Mas a que custo?

Os 127 anos de vida do Newcastle United Football Club exigem respeito e cautela. Estamos a falar de uma instituição quatro vezes campeã de Inglaterra - a última em 1927, é verdade - e o albergue de nomes inesquecíveis para qualquer amante de futebol. 

Vamos ao desfile de estrelas: Alan Shearer, Paul Gascoigne, Kevin Keegan, David Ginola, Peter Beardsley, Andy Cole, Faustino Asprilla, Chris Waddle, Michael Owen, Gary Speed, sir Bobby Robson, todos envergaram a orgulhosa camisola magpie.  Portugueses? Só dois. Hélder Cristóvão (1999/2000) e Hugo Viana (2002 a 2004)

O futebol moderno, porém, não vive da sala de troféus, por mais distinta que seja. A última conquista data de 1955 (uma FA Cup, se excluirmos a Taça Intertoto em 2006) e a impaciência dos adeptos nortenhos é quase tão famosa como a sua paixão. 

A crise financeira de 2008 abriu feridas graves e o clube passou os últimos 12 anos no limbo. Financeiro e desportivo, com direito a uma descida de divisão no ano de 2016. No ano seguinte, logrado regresso à Premier League, o proprietário Mike Ashley colocou o Newcastle à venda. 

Até agora.  

Alan Shearer é o melhor marcador da história do Newcastle: 206 golos

Amnistia Internacional condena a operação

Não é uma imagem simples de assimilar. Pensamos no Newcastle e logo nos assoma a certeza de um futebol de tradições, respeitador, capaz de criar elos de afeto com a comunidade. 

De repente, por necessidade urgente, aparece na equação o príncipe de um país muitas vezes notícia pelos piores motivos. Sem qualquer surpresa, a própria Amnistia Internacional já veio a público demonstrar insatisfação por esta entrada de Bin Salman na estrutura do Newcastle. 

Entre Ashley, o ainda proprietário, e o milionário (bilionário?) saudita está tudo acertado, mas para a aquisição ser oficial a Premier League tem ainda de se pronunciar e dar o «sim». 

Mas, afinal, porquê tanta comoção perante esta iminente injeção de 300 milhões de libras no Newcastle por parte de Mohamed bin Salman? A resposta não é complexa. 

Apesar das negas veementes do governo saudita, o país continua a não ser um exemplo no que concerne à defesa dos Direitos Humanos e ainda no ano passado esteve debaixo de fogo cerrado. Todos se lembrarão do homicídio do jornalista Jamal Khashoggi dentro do consulado saudita em Istambul. 

As maiores suspeitas recaem sobre a família real da Arábia Saudita, de quem Khashoggi era feroz crítico. Este é só um exemplo daquilo que a Amnistia Internacional condena no comportamento da monarquia saudita. 

Hugo Viana jogou de 2002 a 2004 no Newcastle

«Não queremos ter um 'efeito Manchester City'»

Esta operação tem Mohamed bin Salman no topo da hierarquia, mas envolve outras personagens. 80 por cento do Newcastle será adquirido por este homem, com os restantes 20 a ficarem em partes iguais nas mãos da Capital Partners, da empresária Amanda Staveley, e dos irmãos Reuben, David e Simon - magnatas do investimento imobiliário.

Se o processo for finalizado, Bin Salman indicará para o cargo de presidente executivo o nome de Yasir Al-Rumayyan, um homem com participações na Uber, Softbank e Saudi Aramco. Em relação a Amanda Staveley, vale a pena lembrar que esteve envolvida na aquisição do Manchester City em 2008, lado a lado com o Sheikh Mansour. 

Alex Hurst, presidente do Newcastle United Supporters Trust, um grupo de adeptos do clube, já deixou bem claro que o negócio não agrada a todos na cidade. 

«Como adeptos, o que queremos ver deles é que o clube seja administrado de maneira sustentável, transparente e ambiciosa. Não exigimos ganhar troféus ou vencer a Liga dos Campeões. Não pretendemos um 'efeito Manchester City', mas o que queremos é uma sensação firme de que temos o nosso clube de volta e que está novamente na direção certa.»

As palavras de Hurst ao Guardian resumem a sensação da comunidade futebolística de Newcastle.  

Bin Salman afirmou em 2018, numa conferência de imprensa ao lado de Emmanuel Macron, presidente de França, que está empenhado em dar «uma vida normal» aos filhos e às quatro esposas, «longo dos holofotes mediáticos».

As palavras são sensatas, mas não encontram paralelo na realidade. Bin Salman é amigo próximo de Donald Trump, Vladimir Putin e outros líderes mundiais, além de ser um colecionador ávido de arte e uma personagem, no mínimo, extravagante. Além de viver na casa - um palácio, na verdade - mais cara do planeta, tem um quadro de Da Vinci na coleção privada e um iate cujo preço supera o que envolve a operação de aquisição do Newcastle. 

É isto que os pubs escuros do nordeste inglês terão a partir de agora. Um clube rude, mas genuíno, possuído por um príncipe das arábias. Não encaixa bem, pois não?