O futebol regressou à Áustria no sábado, mas não trouxe grandes novidades: o RB Salzburgo conquistou mais um troféu. E fê-lo de forma clara, goleando o Lustenau por 5-0 na final da Taça.

Esse domínio, de resto, tem sido a realidade na última década e meia. Desde que, em 2005, a Red Bull comprou o Austria Salzurgo e lhe mudou o destino para sempre. O destino, sobretudo, mas também o símbolo, as cores e a mentalidade.

Desde então, o clube conquistou o campeonato dez vezes – foi segundo em quatro ocasiões -, vai em seis títulos de campeão nacional consecutivos, e ergueu a Taça da Áustria sete vezes. Isto, num clube que antes de ficar sob a asa protetora da conhecida bebida energética, tinha três títulos nacionais e nenhuma taça.

Prospeção a nível global... e ao detalhe

Os títulos conquistados ganham ainda maior relevo se tivermos em conta que uma das principais políticas do clube passa pela aposta em jovens.

E isso fica claro se atentarmos na média de idades dos plantéis do Salzburgo. A desta época é de 24,23 anos e é… a mais alta desde 2013-2014.

Na base da construção da equipa do Salzburgo há outra característica facilmente identificável: as várias nacionalidades dos jogadores que a compõem. Esta época, por exemplo, são 13 as nacionalidades.

E isso justifica-se com a forte aposta do clube austríaco no scouting, numa prospeção presente em quase todos os países do mundo. E com grande peso de mercados periféricos, África, sobretudo, mas também países menos ‘habituais’ da Europa e olhos sempre atentos também na Ásia.

No que diz respeito ao scouting, Sadio Mané será, provavelmente, o caso mais mediático, ainda que o Salzburgo o tenha recrutado já na Europa, depois de o atual jogador do Liverpool ter deixado o Senegal para assinar pelos franceses do Metz.

Mas é obrigatório também falar de Erling Haaland, fenómeno norueguês que o Salzburgo recrutou ao Molde, com 18 anos e que no último mercado de inverno assinou pelo Dortmund, depois de ter batido recordes atrás de recordes na Liga dos Campeões.

A política é simples de perceber: detetar cedo, contratar por pouco dinheiro e vender por valores muito mais altos.

E é importante notar: para o Salzburgo, vender as suas joias nunca é problema. Faz parte do processo.

«Vendemos jogadores para lhes dar uma oportunidade para darem o passo seguinte para um clube maior. Essa é a nossa história. É importante se falamos com jogadores jovens, os seus empresários ou pais, podermos mostrar vários exemplos de jogadores que vieram para cá como quase desconhecidos, mas que agora jogam nos maiores campeonatos. Isso é muito importante para nós enquanto clube», explica Christoph Freund, diretor desportivo do clube, numa reportagem da em FourFourTwo.

Porém, não será fácil para qualquer jovem singrar no clube… se não estiver com o chip certo.

Isto porque as medidas impostas pelo clube aos jogadores da academia do Salzburgo são bastante rígidas.

Os jovens não estão autorizados a utilizar telemóveis nem bonés na cantina do clube, e também não têm acesso à internet nos quartos a partir das 22h.

Frank Kramer, diretor desportivo da academia do Salzburgo, explica outro dos segredos da prospeção do clube: a busca por jogadores completos desde tenra idade. Ser forte apenas num fator não é suficiente para que o clube aposte nele.

«Têm de ser completos. Essa é a principal diferença para o passado. Há dez anos, bastava o jogador ter uma arma forte - como a velocidade, a técnica. Agora têm de ter essa arma forte, mas precisam de ser muito mais completos. Se não fores rápido, não chegas aqui. Isso é claro. A diferença de qualidade [entre jogadores] é agora muito mais aproximada», defende o dirigente, em declarações à FourFourTwo.

«Precisamos de velocidade, inteligência, mentalidade forte e bom carácter. Talvez isso seja a maior diferença para os outros clubes», reforça Christoph Freund, diretor desportivo.

«A mentalidade do jogador é muito importante. Digo sempre que a mentalidade é mais importante do que o talento. Queremos saber como é o jogador fora do campo. Como é que ele treina? Qual a reação quando perde um jogo? Como é que se dá com os colegas?», aponta Freund.

«Gegenpressing»: uma marca registada

Se o RB Salzburgo foi o primeiro contacto da Red Bull com o futebol – e a sua base principal -, como é sabido, a marca estendeu-se já a outros campeonatos, com reconhecido sucesso.

O caso mais evidente será o do Leipzig, na Alemanha, mas podemos também falar do New York Red Bull, da MLS, nos EUA, ou, mais recentemente, do Red Bull Bragantino, clube brasileiro que alcançou a subida ao Brasileirão no final da última época.

Em comum a todas as equipas, além do nome da Red Bull, há uma ideia de jogo e políticas comuns.

A mais clara de todas elas é a chamada ‘gegenpress’, uma forma de reagir à perda da bola que se caracteriza pela intensidade da pressão ao portador. Altamente associada às equipas de Jurgen Klopp, é um processo defensivo cada vez mais utilizado por vários clubes europeus.

O objetivo passa por recuperar a bola em poucos segundos sendo que a forma varia de treinador para treinador. A pressão pode ser feita por vários jogadores (Liverpool de Jurgen Klopp) por apenas um jogador, sendo que os restantes cortam as linhas de passe (Bayern Munique de Jupp Heynckes) ou através da colocação dos jogadores entre o portador e as linhas de passe disponíveis (Man. City de Guardiola).

Historicamente, a Holanda de 1974, levou este estilo defensivo ao limite, colocando seis ou sete jogadores na perseguição da bola, no que se traduzia numa espécie de anarquia total, mas com uma taxa de sucesso elevada, pois apesar de haver várias opções a serem tomadas, não havia nem tempo nem espaço para o adversário as executar.

Mais tarde, as equipas Inglesas também adotaram este sistema, ainda que pouco evoluído e que parecia mais um resultado de decisões individuais do que de uma interpretação tática do jogo.

O Salzburgo, porém, trabalha esse conceito desde a base. E isso significa que o faz desde a busca pelos jogadores identificados pelos olheiros.

O resultado está à vista. Não só em termos de resultados desportivos, mas na venda de muitos jogadores que brilham agora nos principais campeonatos europeus.

E não será por acaso que Klopp já recrutou três jogadores com passagem pelo Salzburgo. O primeiro a chegar foi Sadio Mané, contratado pelos reds ao Southampton, dois anos depois chegou Naby Keita do Leipzig e já esta época, o Liverpool foi diretamente à ‘fonte’ recrutar Takumi Minamino.