Zeca chegou a Atenas no verão de 2011. Ao fim de seis anos, é lá que se sente «em casa». Deu os passos para formalizar esse sentimento e agora completa o ciclo: foi chamado à seleção da Grécia. Um jogador nascido e formado em Portugal representar outra seleção de um país onde não tenha raízes familiares é pouco comum, apesar de, num país com uma longa história de emigração e passado colonial, existirem muitos casos de transição entre nação de nascimento e seleção, em ambos os sentidos. Para o médio e capitão do Panathinaikos foi um processo natural.

«Já lá vão seis anos. Tudo o que tenho, o que ganhei, tanto a nível económico como na minha vida pessoal, foi aqui. É aqui que sou respeitado, sinto muito o carinho das pessoas, identifico-me muito com o país», diz Zeca ao Maisfutebol, depois de conhecida a convocatória.

Zeca foi convocado por Michael Skibbe para a importante deslocação da Grécia à Bélgica na qualificação para o Mundial 2018, numa lista alargada de 24 jogadores. Ainda à condição, à espera que todos os trâmites do processo de naturalização fiquem completos. «Faltam dois ou três papéis, penso que amanhã já dão por finalizada toda a papelada e já poderei ter pelo menos o Bilhete de Identidade», explica. A concentração está marcada para segunda-feira.

Depois de apresentar o pedido de naturalização, Zeca teve de passar por várias fases, que incluiram testes para avaliar os seus conhecimentos de grego e da história do país. A seleção da Grécia estava no horizonte do jogador, mas diz que avançou para a naturalização por sua iniciativa.  «Sabia que, acabado o processo de naturalização, podia ter essa hipótese de ser chamado. Tinha a esperança, mas não tinha a certeza. Quando comecei o processo ninguém tinha falado comigo, ninguém me tinha pedido. Foi de livre e espontânea vontade. Depois houve umas declarações do treinador a dizer que podia ser possível se eu tivesse a nacionalidade.»

Nascido na região de Lisboa, Zeca fez a formação no Casa Pia e chegou à Liga em 2010, para jogar no V. Setúbal. Emigrou na temporada seguinte para o Panathinaikos e lá ficou até hoje. Aos 28 anos, a questão da seleção portuguesa está há muito tempo arrumada na sua cabeça.

Apesar de ter representado uma vez a seleção sub-23, com Ilídio Vale ao comando da equipa, para um torneio em maio de 2011. «Quando estive no Vitória fui chamado à seleção sub-23, no Torneio International Challenge Trophy, onde ganhámos na final à Inglaterra», recorda Zeca: «Depois disso não tive contacto com ninguém. Ir à seleção portuguesa também nunca foi uma das coisas a que desse prioridade ou que tivesse como objetivo, nunca tinha acontecido antes nem foi uma coisa que pensasse que podia ou não acontecer.»

A sua camisola agora é a da Grécia, pelo que Zeca encara com naturalidade a perspetiva de um dia poder a vir defrontar a seleção portuguesa: «Vai ser normal. Eu sou profissional, vou representar uma seleção que vai ser a minha, é a camisola que eu vou defender. Sempre que jogar, e mesmo que não jogue, vou torcer para que a Grécia ganhe a qualquer outra seleção.»

A Grécia está bem agora, depois da fase muito complicada que se seguiu à saída de Fernando Santos após o Mundial 2014. Foi última no seu grupo de qualificação para o Euro 2016, mas está melhor sob o comando do alemão Michael Skibbe, que chegou em outubro de 2015. A equipa que tem também os benfiquistas Samaris e Mitroglou está em segundo lugar no seu grupo de apuramento para o Mundial com 10 pontos, correspondentes a três vitórias e um empate. Na frente está precisamente a Bélgica, com 12 pontos. «A Grécia teve aquele período difícil com a saída de Fernando Santos, está bem classificada no grupo, a jogar bem, penso que toda a gente tem de estar otimista.»

Zeca tem agora o foco no Panathinaikos, que é quarto no campeonato e recebe agora o Olympiakos, que despediu Paulo Bento na semana passada mas continua a liderar com vantagem. «Estamos a precisar de uma vitória contra o eterno rival até para melhorar um bocado a situação em que estamos no campeonato e dar uma alegria aos adeptos», diz Zeca.

A vontade do português é mesmo que o Panathinaikos possa ser o seu foco até ao final da carreira. «É um clube de que aprendi a gostar. Tenho um carinho muito grande pelo clube, pelas pessoas do clube. Sinto-me bem aqui, não vejo o porquê de pensar em mudar. Sinto-me bem, sinto-me em casa aqui e isso é muito importante.»

Manuel da Costa, Pedro Ró Ró e outros casos 

Não são muitos, mas há mais exemplos recente, além de Zeca, de jogadores portugueses que se naturalizaram e representam outras seleções. Antes de mais Manuel da Costa, que joga  precisamente do Olympiakos. O defesa nasceu em França e tem um percurso mais prolongado nas seleções nacionais. Estreou-se pelos sub-20 no torneio de Toulon, representou os sub-21 e chegou a ser chamado por Luiz Felipe Scolari à seleção principal, mas nunca se estreou. Em 2014 assumiu a opção por Marrocos, em cuja seleção tem sido presença regular. Esteve recentemente no CAN 2017, onde Marrocous chegou aos quartos de final.

Menos conhecido é o caso de Pedro Correia, que o Maisfutebol já contou. Defesa, passou cinco anos na formação do Benfica e estava no Aljustrelense quando surgiu a oportunidade de rumar ao Médio Oriente. Colega de equipa de Xavi no Al Sadd, representa agora a seleção do Qatar.

Há vários outros casos de jogadores que cresceram em Portugal mas adotaram o seu país de origem. O guarda-redes Carlos Fernandes chegou a estar na órbita da seleção nacional em 2006, mas nunca foi chamado. E acabou por optar por Angola, em 2009.

Angola também chegou a equacionar as chamadas de Pedro Emanuel, ex-capitão do FC Porto e o atual treinador do Estoril, tal como Chainho, quando preparava a participação no Mundial 2006. E Ariza Makukula, outro jogador com origens em África mas que cresceu em Portugal, chegou a demonstrar vontade em representar o Congo, mas acabaria por chegar à seleção portuguesa em outubro de 2007. Marcou aliás na estreia, frente ao Cazaquistão.

No sentido inverso, há vários casos mais ou menos recentes de jogadores naturalizados que representaram a seleção portuguesa, como Pepe, Deco ou Liedson. E depois há a história. Se muitas vezes as mudanças de nacionalidade e seleção são temas delicados para os adeptos, no caso português a emigração e as ligações aos países africanos de língua oficial portuguesa tornaram muitos desses processos naturais e frequentes, tanto de jogadores que têm origens noutros países mas representam Portugal, como daqueles que representam as seleções dos seus pais.  Não é preciso ir mais longe: na atual Seleção Nacional há jogadores que fizeram a sua formação e cresceram noutro país mas representam Portugal, sendo Anthony Lopes e Raphael Guerreiro, ambos criados em França, os exemplos mais óbvios.