(Artigo corrigido às 12:20)

Apanhamo-lo num fim de tarde pelo telemóvel. Está em São Bartolomeu de Messines, vila algarvia onde assentou raizes. A caminho de casa, faz uma paragem num café: «Está muito barulho aqui. Estou a beber uma cerveja e um medronho», diz com o riso a colar-se às palavras.

Medronho não é uma aguardente convencional. Por isso, damos-lhe tempo para a apreciar, se necessário. Meia hora deve chegar.

Nem de propósito! A conversa vai mesmo começar pelo fruto que, até já comprovam os estudos, faz bem à saúde.

É um ritual sagrado! Em dia de jogo, peixe e carne não cabem na mesa de António José Varela. «Como uma canja feita pela minha Maria, bebo uma taça de vinho e, depois, um cálice de medronho para abastecer. Não afeta ninguém, é bom para a digestão e sinto-me mais leve no jogo», explica.

Quem sabe não será esse um dos elixires da longevidade de Varela, aos 55 anos o jogador federado mais velho em atividade em Portugal, atualmente ao serviço do Naverredondense, clube da Série B da 2.ª distrital da Associação de Futebol de Beja.


Em baixo, 2.º a contar da esquerda. No Messinense, nos anos 80 (foto: algarvalentejo.blogspot.pt)

Nascido em Cabo Verde em 1960, Varela chegou a Portugal aos 12 anos. Os primeiros registos no futebol sénior remontam a 1978, ano em que jogava no Damaiense (concelho da Amadora).

Outros exemplos de longevidade:
António Zacarias, 52 anos – Alvorada Ervidel
Pitico, 51 anos – FC São Marcos
José Almeida, 51 anos – GD Parada
Elídio Santos, 51 anos – CF Chelas
António Estrela, 48 anos – GD Lagameças
António Pereira, 47 anos – GD Messejanense

Eram tempos diferentes. De democracia manceba, de um país que enriquecia 10 por cento ao ano. Em que a Argentina (ainda sem Maradona, veja lá!) erguia a primeira taça de campeã do mundo e as equipas ingleses dominavam a Europa do futebol. Por cá, Eusébio tinha acabado de dar, aos 36 anos, uma perninha no União de Tomar. Nené, Gomes e Manuel Fernandes punham em sentido as defesas contrárias e Pinto da Costa ainda era uma figura secundária no FC Porto.

Eram tempos tão diferentes que Varela - que mais tarde viria a ganhar nome como ponta de lança de referência nos escalões secundários do Algarve e do Baixo Alentejo – era guarda-redes. Antes de passar a atuar na frente de ataque, fez ainda testes no Portimonense. Vingar no clube algarvio, então na I Divisão, era tarefa quase impossível. Vítor Damas era dono e senhor das redes da equipa então orientada por um jovem treinador chamado Artur Jorge.

«Fui sempre guarda-redes quando era novo, mas passei a jogar à frente no Messinense. O que se passou? Não havia jogadores e eu fui para ponta de lança. Logo no primeiro jogo marquei quatro golos em 20 minutos. Disse logo: já não quero saber da baliza. Nesse ano marquei 38 golos no campeonato», conta à MF TOTAL.

A veia goleadora ao serviço do Messinense valeu-lhe nova chamada ao Portimonense, em 1986, pela mão do patrão e padrinho de casamento, que era vice-presidente do clube primodivisionário.

Varela até teve honras de destaque numa publicação desportiva, por ter sido o primeiro jogador a transferir-se diretamente de um clube da distrital para a I Divisão. «De servente a profissional da bola, era o que vinha no jornal», recorda.

«Fiz a pré-época toda no Portimonense e até marquei golos, contra o Farense e o União da Madeira. Houve um jogo em que fiquei de fora e perguntaram-me: então Varela, ficaste de fora? Respondi que tinha ficado de fora porque não tinha empresário. No dia seguinte fui dispensado.»

Varela regressou ao Messinense e ao trabalho na construção civil. Nunca mais voltou a ter uma oportunidade para «dar o salto». «Uma pessoa que trabalhava na construção civil não podia ir longe», desabafa antes de acrescentar: «O problema foi não ter tido empresário. Não é como hoje, em que basta que um miúdo dê um pontapé na bola para ter logo gente atrás dele. É logo!»

Do Messinense seguiu em 1987 para o Quarteirense. Foi lá que diz ter vivido a melhor fase da carreira, onde em sete épocas foi sempre o melhor marcador da equipa.


No Quarteirense, na fila de cima em 3.º a contar da esquerda (foto: algarvalentejo.blogspot.pt)

No clube de Quarteira chegou a auferir 250 contos mensais, o equivalente a 2.500 euros ajustados à taxa de inflação, de acordo com a PORDATA. «Quando fui para o Quarteirense, deixei a construção civil. Entre 1987 e 2000 só joguei futebol», conta Varela, que se gaba de em mais de 30 anos nunca ter tido problemas físicos graves, outro factor que diz estar associado à longevidade.

A mais séria aconteceu precisamente quando estava no Quarteirense. «Ia a correr, não consegui travar e fui contra um trator. Passados 22 dias, já estava a treinar. Nunca tive sequer uma rotura», sublinha.

Aos 54 anos, José Almeida Varela é chefe de uma família grande. Tem oito filhos e cinco netos. Chegou até a jogar com um dos filhos no Naverredondense. «Eu jogo na defesa e ele era avançado. Já deixou o futebol. Agora está mais dedicado ao futsal.»

Com o passar dos anos, Varela foi recuando no terreno e os treinos tornaram-se mais suaves. Corre 30 minutos entre duas e três vezes por semana. Diz que chega para manter o físico e aguentar uma hora e meia de jogo.

Hoje, é defesa central, dá uma perninha na baliza quando falta guarda-redes, mas continua com o instinto matador apurado. É o responsável por dois dos sete golos marcados nesta época pelo clube da povocação de Nave Redonda, concelho de Odemira, que até já foi objeto de extensa reportagem na televisão. «Sempre fui o melhor marcador nas equipas por onde passei e ainda marco golos e sou eu que faço as assistências. Nos cantos vou lá para o barulho: quem joga de cabeça é o Varela!», refere.


No Naverredondense, esta temporada (foto: Jornal Sudoeste)

«Ele motiva a rapaziada mais nova. Fisicamente, pode já não ser o mesmo de antigamente, mas continua a ser o jogador mais forte da nossa equipa em termos psicológicos», conta à MF TOTAL o presidente do clube, Márcio Coelho, com menos anos de vida (29) do que os que Varela tem de futebol sénior. «Adoro futebol, ninguém me tira isto. Jogo mesmo por amor à causa», confessa o jogador.

A disponibilidade física até pode já não ser a mesma, mas continua a deixar adversários perplexos. «Estou sempre na brincadeira com os miúdos. Quando vêm em velocidade, digo-lhes: respeitem o cota! Mas quando é para jogar, é a sério. Vou com tudo o que tenho aos lances. Quando corto a bola, eles dizem: Ainda corres assim? Chamam-me velho, brincam comigo. Tudo na boa!»

Este sábado, o Naverredondense recebe o Messejanense, na 14.ª e última jornada da Série B, da 2.ª distrital da AF Beja. É provável que este seja o último encontro da carreira de Varela, incapaz de contabilizar quantos jogos e golos apontou desde a primeira época de sénior, em 1978.

«Em princípio vou deixar, mas este ano também não era para jogar e ainda cá ando. Depois, ainda me chateiam e volto para o ano. Por isso, não posso dar certezas. Se continuar? É o bicho que está no corpo.»

Nota final: os direitos da imagem de capa do artigo pertencem ao Jornal Sudoeste