Os dois metros de altura e o fato de treino da equipa olímpica dos EUA não deixavam margem para dúvidas. Aquele homem, de barba grande e olhar enraivecido, era mesmo o bicampeão olímpico Klete Keller. O que fazia ele naquel trágico 6 de janeiro dentro das paredes sagradas do Capitólio? Ou, melhor perguntando, como foi ele parar à turba de lunáticos 'trumpistas'? 

Quem o melhor conhece não está completamente surpreendido. Keller revelou-se um fervoroso apoiante do presidente cessante dos EUA, alvo agora do segundo impeachment, ao longo dos últimos quatro anos. Antes de apagar todas as publicações que o relacionavam com a MAGA - Make America Great Again, o slogan de Trump desde 2016 -, Klete Keller fazia questão de demonstrar publicamente o seguidismo cego relativamente a tudo o que o antigo apresentador de reality shows dizia e fazia. A cegueira que mobiliza seitas e legiões. 

Keller (2º a contar da esquerda) nos Mundiais de Natação em 2007 - FOTO: AP

Klete Keller nem sempre foi assim. Esteve nos Jogos Olímpicos de 2000, 2004 e 2008, ganhou duas medalhas de ouro ao lado de Michael Phelps nas estafetas de 4x200m livres, duas medalhas de prata e uma medalha de bronze. Esta quarta-feira foi formalmente acusado pela justiça norte-americana de ter participado na insurreição de Washington e é procurado pelo FBI. 

O antigo nadador profissional nasceu em Las Vegas e tem 38 anos. Nos últimos tempos trabalhava como agente imobiliário em Colorado Springs, como confirmou o site SwimSwam, especializado em natação, na segunda-feira junto da empresa Hoff and Leigh. Os empregadores de Keller garantiram desconhecer a presença do antigo atleta na invasão ao Capitólio. Na terça-feira à tarde, a empresa emitiu um comunicado a anunciar a saída de Keller e a condenar todos os atos violentos. 

Da glória olímpica à vida de sem abrigo

Antigo estudante da Universidade da Califórnia no curso de Ciências e Políticas Públicas, Klete Keller deu total prioridade à natação até 2008. Com 26 anos e certo de que o melhor ficara para trás, Klete Keller abandonou a modalidade e tentou integrar-se na sociedade civil. Os problemas começaram aí, como confessou em entrevista ao site USA Swimming no ano de 2008. 

«Pensei que as coisas seriam fáceis nos meus empregos, como eram na natação. A partir do momento que percebi que não era assim, perdi o entusiasmo», confessou Keller, entrando numa espiral de descontrolo que acabou ditar o fim do casamento e a ida para as ruas. Sem casa. 

«As coisas começam a descambar, pouco a pouco, até teres as tuas expetativas completamente em baixo. Fiquei um longo período sem ver os meus filhos. Pagava a pensão deles e vivia no meu caroo. Bati no fundo e não tinha para onde ir.»

Frame de Keller dentro do Capitólio (Townhall Media)

A revolta apoderou-se do bicampeão olímpico e nem a ajuda da irmã Kalyn Keller, ela própria nadadora olímpica, lhe apaziguou o coração. «Nenhum emprego me agradava, mas eu já era pai e marido. Nessas alturas temos de ser altruístas e pensar na família. Eu não o fiz.»

Nessa conversa, Keller confessava uma grande amargura em relação ao mundo do desporto e à forma «obsessiva» como o viveu «anos a mais». «Nem sei onde estão as minhas medalhas. Devem estar na garagem de casa dos meus pais, mas estou-me completamente nas tintas para isso.»

Pena de prisão efetiva? É o mais provável

Com a confirmação da identificação formalizada por um tribunal de Columbia, cuja jurisdição engloba o Capitólio em Washington, o que aguarda Klete Keller? Pena de prisão efetiva. O antigo nadador é acusado de cometer três crimes federais: entrada ilegal num edifício governamental; desordem e roubo de propriedade do governo; obstrução às forças de segurança. 

Pela primeira acusação, Keller pode apanhar pena de prisão efetiva de um a dez anos; pela segunda infração, pena de prisão nunca superior a cinco anos; pelo terceiro crime, pena de prisão não superior a seis meses. 

Phelps (à esquerda) e Keller (à direita) numa entrega de prémios - FOTO: AP

Nas imagens disponibilizadas pelo jornalista Julio Rosas, da Townhall, Klete Keller aparece sempre numa postura passiva e não é possível identificar nenhuma agressão aos agentes da polícia presentes. Um promenor que pode servir de atenuante, apesar da gravidade extrema que a simples presença dentro do Capitólio encerra. 

Sarah Hirshland, presidente do comité olímpico norte-americano, emitiu um comunicado a condenar de forma veemente a invasão ao Capitólio, sem nunca menionar o nome de Klete Keller. O bicampeão olímpico caído em desgraça e seguidor radical de Donald Trump. Até às mais nefastas consequências. Cinco pessoas morreram na invasão terrorista ao Capitólio dos Estados Unidos. 

VÍDEO: a vitória de Keller e dos EUA nos Jogos de Atenas