Hoje, Sadio Mané é conhecido em todo o mundo.

Tornou-se uma estrela do futebol mundial e um dos jogadores mais admirados em todo o mundo, não só pelo que faz dentro do campo, mas pelas atitudes que tem para lá dele.

Gestos que têm origem na humildade de quem não esquece as raízes.

E as de Mané estão em Bambali, uma pequena aldeia na província de Sédhiou, no Senegal. Uma terra onde a única coisa que o futebol poderia fazer erguer no céu era o pó. O pó dos campos de terra onde, ainda hoje, miúdos de pé descalço correm para acertar com uma bola no espaço entre dois paus toscos a que chamam baliza.

Foi ali que o atual jogador do Liverpool começou a construir um sonho pelo qual teve de lutar sozinho, contra a vontade da família. Na altura dele, muitas vezes nem bola havia. Mas tudo servia para o efeito: pedras, latas e até toranjas, no tempo delas.

Essas são algumas das revelações do documentário «Made in Senegal», realizado por Mehdi Benhadj-Djilali, Peta Jenkin e Jermain Raffington, numa produção da Rakuten TV, e que estreou este mês.

Nele, ficamos a conhecer um pouco mais sobre a improvável ascensão do jogador senegalês, de 28 anos.

Da poeira de Bambali ao rubro de Anfield

Em menos de um minuto, Mané passa dos campos empoeirados de Bambali para um Anfield Road ao rubro por mais um golo do camisola 10.

Mas esse é um efeito apenas possível na tela. Na história do jogador foi bem diferente.

«O futebol é a minha vida. Desde muito novo quis ser futebolista.» As palavras são de Sadio Mané, mas podiam ser de qualquer miúdo, em qualquer parte do mundo. Contudo, são estas as primeiras que o jogador profere no documentário que dura cerca de 75 minutos.

No início, era o sonho. É sempre assim. Mas o de Mané era quase impossível de realizar.

«De onde eu venho, para seres futebolista tens de sacrificar tudo. Na minha aldeia, todos os miúdos têm de ser agricultores, não há outro trabalho que possas ter», refere o jogador que teve de contrariar todas as probabilidades, mas também a vontade da família.

Filho do imã da aldeia, Sadio Mané cresceu com a responsabilidade de ter de dar o exemplo. E uma das formas de o fazer era afastar-se do futebol, algo que de que a mãe nunca gostou e que ainda hoje considera «um desperdício de tempo», como jogador já tinha contado.

«Para a minha mãe, eu era só uma criança a sonhar. Ela nunca deu muito valor ao que eu sentia pelo futebol», revela ainda.

Além de testemunhos de atuais colegas de equipa – como Salah, Van Dijk, entre outros -, ou de Klopp, «Made in Senegal» apresenta-nos amigos de infância de Mané e grande parte da família do jogador.

Um deles é o tio, Sana Touré. Uma figura preponderante na vida de Mané, que perdeu o pai quando tinha apenas sete anos. Um tio que, apesar de ser o treinador da equipa do bairro, nunca quis que o sobrinho olhasse para o futebol como futuro. Um homem que lembra o dia em que acordou o pequeno Sadio para o ir ajudar no campo e ouviu dele que «um dia não iria precisar mais de ir para a terra».

A fuga para Dakar que fez a família odiá-lo

Sadio Mané iria cumprir o sonho que fez ao tio, a quem, como também vemos no documentário ajudou a construir uma casa na capital do Senegal, Dakar.

Curiosamente, a cidade onde o sonho de Sadio Mané começou a ganhar forma… e despertou «o ódio» da família.

Isto, porque em 2008, um amigo falou a Mané da possibilidade de ir a Dakar mostrar o que valia. O miúdo, então com 16 anos, não hesitou. Viu ali uma oportunidade para agarrar o sonho e meteu-se num autocarro para percorrer os mais de 400 quilómetros até à capital do país.

Porém, teve de o fazer em segredo. Só disse ao melhor amigo – que recorda a forma como foi pressionado para revelar onde estava Mané.

«Durante uma semana a minha família não soube onde eu estava. Fiquei em casa de um amigo em Dakar, treinei durante duas semanas e depois voltei a casa», conta o jogador. Um dia que nunca mais esqueceu. Pelas piores razões.

«O dia em que voltei foi o pior dia da minha vida. Senti o ódio da minha família pelo que eu tinha feito. Mas eu disse-lhes que tinha voltado para acabar a escola e que no ano seguinte iria voltar para Dakar para pensar só em futebol», acrescenta.

Reconhecimento mundial… e cobrança no Senegal

A estadia de Sadio Mané na Génération Foot, a principal academia de futebol do Senegal, foi bastante curta. O jogador conta a forma como foi repreendido pelas chuteiras degradadas que apresentou, mas acabaria por ficar pouco tempo antes de dar o salto para a Europa.

Seis meses bastaram para o jogador, então com apenas 18 anos, convencer um técnico a levá-lo para a Europa.

A porta que se abriu foi a do Metz, a equipa de juniores mais propriamente, e ficamos a saber que a história de Mané na Europa começou da pior forma… devido a uma lesão.

Contudo, a força de vontade e o facto de ter o sonho mesmo ali à mão, fizeram com que o senegalês se erguesse novamente. No regresso, uma época bastou para, já na equipa principal, a disputar a II divisão francesa, chamar a atenção do Salzburgo.

Mais duas épocas na Áustria e seguiu-se Inglaterra. A partir daí a história é mais do que conhecida. Sadio Mané esteve em grande durante duas épocas no Southampton e convenceu Klopp a fazer dele uma das principais figuras do Liverpool – à segunda, uma vez que a primeira impressão que o técnico alemão teve de Mané não foi a melhor, como o próprio recorda.

Obviamente, o documentário tem espaço também para a vertente desportiva. Aí, acompanhamos a desilusão da derrota na Champions de 2018 para o Real Madrid, mas também a preparação para a épica segunda mão da meia-final da mesma competição, no ano seguinte, quando o Liverpool carimbou o apuramento para a final, depois de ter vencido o Barcelona por 4-0. E claro, a conquista do troféu, em Madrid, na final frente ao Tottenham.

Não obstante ter chegado ao topo do mundo depois de contrariar todas as expectativas, nem tudo é cor de rosa na vida de Mané. E também vemos isso no documentário, nomeadamente, na cobrança que lhe é feita pelos adeptos senegaleses que exigem «o mesmo» Sadio Mané do Liverpool a jogar com a camisola da seleção.

Mesmo que o agradecimento do povo senegalês, sobretudo das pessoas de Bambali, seja incomensurável. Ali, além de uma escola, Sadio Mané pagou a construção de um hospital que deve estar prestes a entrar em funcionamento. 

O próprio jogador assume que ainda lhe falta conquistar alguma coisa com a seleção Senegal. Esteve próximo quando perdeu a final do CAN para a Argélia, em 2019, mas esse sonho ainda está por cumprir.

É por isso com sonhos que termina também o documentário. Porque apesar de já ter chegado ao estrelato, até Sadio Mané tem sonhos por cumprir.

E como o próprio diz: «Toda a gente tem permissão para sonhar».