[no dia em que o clube sueco garante uma presença inédita na fase de grupos da Liga Europa, recuperamos o artigo que conta a sua história, publicado a 16 de novembro de 2016] 

Os jogadores do Ostersunds FK futebol já dançaram o Lago dos Cisnes. Também escreveram um livro, e fizeram uma exposição de arte, e deram um espetáculo musical. Pelo meio subiram do quarto escalão do futebol sueco à I Divisão, onde acabam de terminar em oitavo lugar na época de estreia. No Ostersunds FK o conceito de que futebol é cultura tem todo um sentido especial. Há treinos culturais em paralelo com o trabalho de campo e galas no fim da época. Para desenvolver «melhores jogadores e melhores pessoas». A expressão é do treinador, o inglês Graham Potter.

«O objetivo é ajudar-nos a jogar melhor futebol.» Graham Potter nem foi o autor da ideia, mas não tem dúvidas sobre o que ela trouxe à equipa. «Ajuda-nos a lidar com situações desconfortáveis, a por-nos em situações diferentes, que não nos sejam familiares, a experimentar ambientes difíceis.»

«Torna-nos melhores pessoas, expor-nos a algo em que não estamos confortáveis», continua Potter, em conversa com o Maisfutebol. E no campo, o que pode acrescentar? «Desenvolve a capacidade de encontrarmos alternativas quando as coisas não estão a correr bem, desenvolve a coragem na forma como nos comportamos perante situações desconfortáveis.»

A ideia partiu de Karin Wahlén. Ela, que também jogou futebol e está há muito ligada ao Ostersunds, é a «treinadora cultural». «Joguei no Ostersunds. Não fui muito boa... Mas gosto muito do jogo e gosto muito de fazer parte de uma equipa.» Foi Karin quem propôs, há cinco anos, envolver a equipa em projetos artísticos, mais uma ideia fora da caixa para um clube que assumiu há muito um papel de responsabilidade social e envolvimento com a comunidade.

Cultura como forma de desafiar os jogadores, fazendo-os sair da zona de conforto. «A ideia é que se forem corajosos fora de campo, serão melhores jogadores. Se melhorarem a confiança fora de campo, isso vai refletir-se em campo.»

O projeto cultural começou há cinco anos. «Primeiro promovemos encontros culturais. Falávamos sobre literatura, arte, viamos espectáculos. Eram encontros de dois dias e era muito bom. Mas depois voltava ao normal, não acontecia mais nada», conta Karin ao Maisfutebol. A partir daí passaram a definir um projeto por época.

Teatro. «No segundo ano fizemos drama, fizemos uma peça com os jogadores e o staff.» Escrita. «Também escrevemos um livro. Toda a gente escreveu sobre o seu percurso até chegar ao Ostersund», conta Karin: «Toda a gente do clube. Temos uma senhora idosa que faz o café e a história dela também faz parte do livro.»

Expressão artística. «Depois da peça fizemos arte. Uma exposição de arte, com o tema «Strenght through diversity» (Força através da diversidade). Fizemos pintura, performances de arte. Foi muito divertido.»

E depois, ainda mais difícil. Ballet clássico. «No ano passado dançámos o Lago dos Cisnes. Foi muito complicado aprender a dançar e o resultado foi fantástico.» Sim, confirma Karin: «As personagens femininas eram homens também.»

OFK Dance Teaser Trailer from José Miguel Jiménez on Vimeo.

E agora música. «Este ano fizemos um espectáculo musical, foi um grande evento, com duas mil pessoas a assistir na gala.»

Tudo isto tem por trás muita preparação. A frequência dos treinos culturais depende do projeto, explica Karin. «Para o ballet, fazíamos ensaios durante uma semana e depois parávamos por uns tempos. A dança foi durante quase toda a semana.» E há sempre um responsável artístico para cada projeto. «Eu jogava futebol, não sei nada sobre ballet ou arte. Temos sempre um diretor artístico em função do projeto.»

Agora o programa cultural já faz parte da rotina do Ostersunds e dos seus jogadores. No princípio, nem por isso. A adesão não foi imediatamente entusiástica e generalizada, admitem a treinadora cultural e o treinador de futebol.

«Não tivemos ninguém a recusar-se, mas nem todos os jogadores saltaram de alegria com a ideia. Não é fácil para um jogador habituar-se à ideia, eles preferiam estar na Playstation», diz Graham Potter: «Mas é um processo. Entrámos nisto, percebemos como as coisas são, como cada um de nós pode crescer, fazendo coisas na vida a que não estamos habituados. Depois foi muito positivo, são experiências fantásticas. O feed back foi ótimo.»

«Mas é um processo, pode ser desconfortável», reconhece o treinador, que de resto também deu o exemplo, o corpo e a voz aos vários projetos culturais do clube. Aqui está ele em palco na gala deste ano.

«Sou muito como os jogadores. Não sou um grande cantor, também foi difícil para mim», sorri. «Houve um ano em que dançámos o Lago dos Cisnes. Provavelmente algo que nunca voltarei a fazer e que nunca teria feito na vida se não fosse isto. Foi uma experiência.»

«No início tivemos jogadores que diziam: estamos aqui para jogar futebol, não para dançar. Mas depois adaptaram-se», conta Karin. «Hoje não se pode fazer parte do clube sem fazer parte do projeto cultural. Veem-no como uma oportunidade para fazer algo novo. Eles sabem que o sentimento é fantástico depois da gala. É o mesmo tipo de sentimento de quando se marca um golo.»

O futebol é a razão de ser de tudo isto, incluindo o projeto cultural, insiste Karin: «A intenção do projeto é ganhar mais jogos de futebol.»

«Tudo isto se enquadra na filosofia do treinador. «Enquadra-se na forma de jogar do Ostersund, que é ao estilo do Barcelona, estilo tiki taka», explica a treinadora cultural. «Ele diz aos jogadores: ‘Expressem-se.’ Se souberem expressar-se fora do campo também o conseguirão no campo.»

Ou, nas palavras de Potter: «Jogamos para nos expressarmos. É assim que a nossa equipa gosta de jogar. Nós gostamos de passar a bola, de jogar futebol que as pessoas gostem de ver. Queremos que as pessoas queiram ver-nos ver jogar. Futebol é um entretenimento. Não queremos copiar ninguém, queremos jogar bom futebol de ataque, construir uma identidade de que as pessoas se orgulhem.»

Graham Potter foi lateral-esquerdo nas divisões secundárias inglesas, com uma passagem pelo Southampton na Premier League. Formou-se em ciências sociais e tem uma pós-graduação em liderança e inteligência emocional. Treinava equipas universitárias quando surgiu o Ostersunds.

Não parecia uma mudança de carreira muito promissora. Há cinco anos, o clube estava no quarto escalão do futebol sueco e a realidade não era animadora. Fundado em 1996 como resultado da fusão de outros clubes da pequena e fria cidade de Ostersund, 500 quilómetros a norte de Estocolmo, o OFK ainda procurava o seu caminho.

«Quando começámos o clube estava na 4ª divisão, havia muita negatividade à volta do clube», recorda Potter, que conduziu a equipa em duas subidas de divisão consecutivas nos primeiros anos e, ao fim de três temporadas na Superettan, a segunda divisão, chegou à Allsvenskan.

«Agora chegamos a ter jogos com oito mil pessoas nas bancadas, quando a cidade só tem 50 mil habitantes. Agora há muito interesse en futebol. Já vemos miúdos na rua com cachecóis do clube.»

Na base do sucesso, diz Potter, estão vários fatores. «Trabalhámos muito. Tivemos sorte com algumas contratações, fomos buscar alguns jogadores à II Divisão», enumera. O clube, que tem também uma parceria com os galeses do Swansea, para onde transferiu recentemente um jogador, Modou Barrow. «Somos um clube com reputação de formação de jogadores e é isso que pretendemos, um projeto que envolva conseguir rendimento a partir daí.»

Pensando sempre numa abordagem global ao desenvolvimento dos jogadores, insiste, ele que lidera um plantel com origens muito diferentes, de África à Suécia, passando por Inglaterra (veja aqui): «Queremos melhorar os jogadores, criar um ambiente onde eles evoluam como profissionais e como pessoas.»

Essa abordagem para lá do futebol está sempre presente no clube, é assumida nos seus estatutos e foi ativamente promovida nos últimos anos, sob a liderança de Daniel Kindberg, o presidente do Ostersunds desde 2011. O clube está envolvido em programas de apoio a refugiados e a lógica de responsabilidade social leva por exemplo a que o dinheiro angariado com a gala deste ano tenha sido destinado a instituições de solidariedade. Foram 126 mil coroas suecas, perto de 13 mil euros.

A própria equipa, além dos projetos culturais, participa em várias iniciativas de ligação à comunidade. Potter: «Fazemos visitas, trabalho comunitário, lemos nas escolas, somos a primeira equipa com certificação LGBT. Queremos dar o nosso contributo à comunidade, que todos sejam tratados como iguais, criar uma família.»

E chegar mais longe no futebol. Depois de uma excelente época de estreia no principal campeonato sueco, conseguir um lugar nas competições europeias é agora a meta, assumida pelo clube e pelo treinador. «A Europa é o próximo objetivo. Temos muito trabalho a fazer, claro. Mas se me dissessem há cinco anos que hoje estaria na Allsvenskan, parecia também impossível» diz Potter: «É por isso que estou envolvido no futebol, pelo desafio.»

Graham Potter também vai vendo o seu trabalho reconhecido. Esta época foi eleito técnico do ano pela Associação de árbitros sueca, «pelo ambiente positivo que criou» para os juízes. E no final da época que agora terminou o seu nome foi associado ao interesse de outros clubes suecos. Mas o clube define-o como uma peça importante do projeto. «Ele não sai, a não ser talvez para o Barcelona ou a seleção de Inglaterra», brincava o presidente Daniel Kindberg em declarações à revista alemã 11Freunde, que dedicou uma extensa reportagem ao projeto inovador do OFK.

A pré-temporada na Suécia, de preparação da próxima época, começa em janeiro. E com ela novo projeto cultural. Que será desta vez? Vamos ter de esperar para aplaudir. Karin: «Temos uma ideia, mas ainda não está pronta.»