Num longínquo dia 3 de julho, alguém atirou um piropo aos casapianos que marchavam de boné e farda azul em frente aos Jerónimos, no aniversário da Casa Pia.

«Oh, p’ra eles, todos elegantes! Parecem uns gansos!»

Longe estaria essa pessoa de imaginar que o piropo se colaria à instituição, mas, sobretudo, ao Casa Pia Atlético Clube.

E a verdade é que são já 100 anos de elegância a marchar no futebol português.

Um século de vida para o clube fundado por iniciativa de Cândido de Oliveira, Ricardo Ornelas e David Ferreira, entre outros. Um clube que nasceu a vencer. Foi perdendo força com o avançar do profissionalismo, mas nunca se deixou vergar e tornou-se um histórico do futebol português, apesar de contar apenas com uma participação no escalão máximo, na longínqua época de 1938/1939.

Mas esse curto palmarés em termos de futebol de alto nível até vai contra as expectativas de quem, em 1920, assistiu ao nascimento de um clube de sucesso imediato.

Fundado por 18 antigos alunos da Casa Pia – instituição que também está de parabéns pelos 245 anos que celebra nesta sexta-feira -, o clube que nasceu da vontade de Cândido de Oliveira tornou-se rapidamente um fenómeno.    

Na época de estreia, o Casa Pia venceu – sem qualquer derrota! - o Campeonato Regional de Lisboa e a Taça de Lisboa. E a esses títulos juntou ainda o triunfo no confronto com o campeão do norte, o FC Porto, na então denominada Taça 27 de julho.

De resto, esse jogo diante dos dragões é tido como o ensaio final para o arranque do Campeonato de Portugal – antecessor da Taça de Portugal -, que se iniciou no ano seguinte.

Nessa equipa, brilhava então o fundador do clube, Cândido de Oliveira, que crescera na Casa Pia desde que ali foi entregue aos nove anos como órfão. Ele que fora descoberto por Cosme Damião, que o levou para o Benfica depois de o ver a jogar na Casa Pia.

A ligação de seis épocas do 'Mestre' às águias terminou nessa época,  devido a problemas com a direção, que lhe deram o empurrão decisivo para fundar um clube.

Muito influenciado pela qualidade de Cândido de Oliveira, o impacto imediato do Casa Pia continuou a fazer-se sentir nas épocas seguintes. Nos primeiros quatro anos em que competiram, os ‘Gansos’ venceram a sua série do Campeonato de Lisboa por três vezes.

Com isso, foi crescendo também a reputação do clube. Não só em Portugal, mas também pela Europa que se começava a render aos encantos do futebol.

Em 1925, por exemplo, foi o clube convidado para a inauguração do Estádio das Amoreiras, então propriedade do Benfica e que era considerado à data o melhor estádio da Península Ibérica. Isto, depois de também já ter inaugurado o campo do Sevilha e o do V. Setúbal, ambos em 1921.

O clube que vestiu a seleção no primeiro jogo da história

Desde 1903 que havia tentativas para fundar o que viria a ser o Casa Pia Atlético Clube. Porém, por uma ou outra razão, a fundação foi sendo adiada. Até 1921, ano marcante na história do futebol em Portugal.

No dia 18 de dezembro desse ano, a seleção portuguesa de futebol disputou o primeiro jogo oficial da sua história, em Madrid, frente à seleção de Espanha.

Nessa partida participaram seis jogadores do recém-fundado Casa Pia, entre eles, claro, Cândido de Oliveira, o primeiro capitão da seleção.

Mas a ligação do Casa Pia a esse marco histórico do futebol nacional é muito mais vincada do que isso.

É que essa primeira seleção de Portugal jogou vestida de preto. O preto do Casa Pia. Literalmente, porque foi o clube que emprestou os equipamentos para essa partida e foi o símbolo do Casa Pia Atlético Clube que os jogadores portugueses levaram ao peito.

Os equipamentos do Casa Pia no primeiro jogo da história da seleção portuguesa, em dezembro de 1921

Um ganso de pés no chão… convictamente!

Vítor Franco preside ao Casa Pia há 14 anos e não esconde o orgulho de ser o presidente no ano do centenário. Ele que confidencia ter ido parar à presidência… para se distrair.

Distraiu-se tanto, que passaram 14 anos. Mas foram 14 anos de crescimento, que, em termos desportivos, tiveram o ponto alto com a subida à II Liga na época passada.

«O Casa Pia ganhou muito nos primeiros anos, mas foi perdendo força com o profissionalismo», explica, assumindo-se «um pessimista».

Vítor Franco preside ao Casa Pia há 14 anos

Mas se essa faceta pode justificar o facto de «ainda hoje continuar a achar que o clube não devia ter competido na II Liga», não pode ser relacionada com a convicção firme de não querer abrir as portas a investidores.

«Nós temos 100 por cento do capital do clube e enquanto eu estiver na presidência vamos continuar a assim. Isso complica muito a vontade de competir a nível profissional, mas eu não quero ter investidores no clube», sublinha, com uma metáfora clara.

«Ter um investidor é o mesmo que ir almoçar com um tipo que nos paga o almoço, mas que no fim fica com a chave de nossa casa», defende.

Ainda assim, e apesar de não ter sido totalmente favorável à subida alcançada no campo e que levou o clube à II Liga «inesperadamente», como classifica, Vítor Franco garante que o clube vai bater-se pela anulação da descida, provocada pela interrupção da competição devido à Covid-19.

«Não faz sentido. Seria muito difícil para nos salvarmos, mas porque razão a II Liga é a única competição com descidas esta época?», questiona.

A equipa que competiu esta época na II Liga e que foi despromovido por ser último à data da interrupção

A Liga dos Campeões como prenda pelo centenário

Considerado durante todo o século XX como um dos clubes mais ecléticos em Portugal, atualmente, além do futebol, o Casa Pia tem três modalidades: ténis de mesa, hóquei em campo e luta olímpica, sendo campeão nacional nas duas últimas.

Porém, o grande orgulho do presidente, além do feito de «chegar aqui, aos 100 anos, graças ao esforço de tanta gente», é parte do que está marcado para esta sexta-feira.

A receção do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, é impactante, mas o reforço das infraestruturas do clube é aquilo que vai ficar para o futuro.

«Vamos inaugurar a sede definitiva em Pina Manique, dois campos sintéticos e um museu. Vai ser um dia de grande festa, apesar dos condicionalismos por causa da pandemia», antecipa.

Essas melhorias, aliás, vão permitir uma prenda extra neste ano do centenário: a Liga dos Campeões.

Isso mesmo, o Estádio de Pina Manique vai ser quartel-general de uma das equipas que virá a Lisboa disputar a fase final da Liga dos Campeões.

E quem sabe, não serão os gansos a fazer voar o novo campeão europeu…