O diagnóstico está mais do que terminado: os pais projetam nos filhos o sucesso que eles próprios não tiveram e vivem mais intensamente o futebol juvenil do que as próprias crianças. Nem sempre é uma questão de procurar melhores condições de vida: o fenómeno é transversal a todas as classes.

Muitas vezes os pais procuram afirmar-se através dos filhos na micro sociedade que se cria em torno de uma equipa: querem ser os mais invejados, os mais admirados, os mais altivos.

Outra vez sonham que o filho vai ser um craque, que vai ser uma figura pública, que vai ganhar muito dinheiro. Quando tal não parece confirmar-se, culpam toda a gente: o próprio filho, os colegas, o treinador, os adversários. Tornam-se verdadeiros hooligans das bancadas.

Frequentemente as confusões que estes pais provocam terminam em pancadaria. Cenas tristes, que não protegem aquele que devia ser o espírito da coisa: praticar desporto, fazer amigos, divertir-se.

«Há miúdos que pedem aos pais para não ir aos treinos ou aos jogos. Isto é muito grave. Quando uma criança pede ao pai para não ir ver o treino ou o jogo dela, algo de muito errado se passa», conta Jorge Correia, treinador da equipa de iniciados do União da Madeira.

«Daqui a dez anos, mais coisa ou menos coisa, os clubes vão ter de dar formação aos pais. Isso já vai acontecendo em alguns clubes grandes, que até proíbem os pais de ver os treinos.»

Clubes como o Sporting, o Benfica ou o FC Porto, de facto, não permitem que os pais assistam aos treinos dos filhos. Não permitem contactos entre os pais e os treinadores (todas as dúvidas ou sugestões têm de ser colocadas a um diretor do escalão, que as transmite ao treinador) e distribuem um código de conduta aos familiares no início da época que fazem questão que seja respeitado.

Isto acontece, no entanto, no Sporting, no FC Porto ou no Benfica, que têm um ascendente sobre os pais por estes sentirem uma espécie de orgulho em ter os filhos a jogar num clube grande. Nas equipas mais pequenas, é mais complicado controlar os impulsos violentos dos pais.

Foi, aliás, por isso que se falou com Jorge Correia: a equipa de iniciados do U. Madeira encontrou uma forma de acabar com a agressividade entre os pais: oferece bolinhos, café e até cacau quente.

A palavra ao pai Dimas Almada.

«No intervalo fazemos um coffee break, para o qual convidamos os pais das duas equipas. Damos cacau quente, café, sumos, organizamos sempre para que algum pai da nossa equipa faça um bolo, levamos sandes. Convivemos, conversamos e temos a oportunidade de nos conhecermos», conta.

«No final do jogo temos um lanche saudável, que é feito por uma nutricionista, para oferecer aos miúdos da nossa equipa e aos adversários, para eles terem noções de alimentação saudável.»

Mas como surgiu esta ideia?, pergunta-se.

«Em conversa com o mister Jorge Correia, perguntámo-nos que boas práticas podíamos passar às crianças, para além do futebol em si. Então chegámos à conclusão que o melhor seria ter os pais a conviver normalmente em vez de os ter a mandar bocas e a provocar», começa por responder.

«Tem tido muito efeito. Tenho muito gosto e uma grande honra em dizê-lo. Nós queremos ter um impacto positivo e geralmente conseguimo-lo: os outros pais ficam boquiabertos. No final, tanto os treinadores, como os pais ou os miúdos, independentemente do resultado, gostam de nos dar os parabéns, dizer que foram bem-recebidos e que gostaram de tudo.»

Mais importante do que isso, o ambiente nos jogos da equipa de iniciados do União da Madeira melhorou: os pais já não ficam tão tensos e os filhos já não encontram razões para ter vergonha.

«As bocas durante os jogos acabaram totalmente. Infelizmente é uma realidade, muitos pais vivem mais o futebol do que os filhos e não conseguem dar o exemplo. Isto tanto acontece na Madeira, como nos Açores, no Continente ou no estrangeiro. Se conseguirmos mudar uma pessoa hoje e outra amanhã, todo o esforço que estamos a fazer vai ser bom», acrescenta.

«Os miúdos muitas vezes estão a dar o melhor deles e acabam por ouvir coisas desagradáveis. As pessoas têm de perceber de uma vez por todas que quem joga à bola são as crianças.»

O treinador Jorge Correia subscreve tudo o que o pai Dimas Almada referiu.

«Os pais têm que perceber que o futebol é uma escola de vida. A educação vem de casa, depois há a escola e o futebol, que ensinam coisas diferentes. Os filhos têm tendência a seguir o exemplo dos pais e se veem os pais a insultar ou a protestar vão naturalmente fazer isso também. Por isso é importante o coffee-break ao intervalo, para os pais conviverem e saberem estar juntos.»

O que o União da Madeira faz nos jogos da equipa de iniciados não é caso único, porém.

O Estoril, por exemplo, deixou de divulgar os resultados das equipas de formação: não há referências no estádio nem nas redes sociais. Porquê? Porque não são importantes.

«Quando falamos da formação e dos escalões de formação, a preocupação não são os resultados: é a formação do miúdo enquanto cidadão e enquanto atleta. Perante estas vitórias muito desniveladas da nossa equipa, entendemos que era altura de dar um exemplo do que deve ser a prática desportiva», começa por dizer Alexandre Faria, presidente do Estoril-Praia.

«Os nossos atletas têm de entender que o fundamental não é isso, não é o resultado, é trabalharmos no processo de formação deles e nos valores que devem ter enquanto cidadãos pela vida fora. Portanto esta ideia surgiu dessa necessidade de contribuirmos para uma sociedade mais justa e mais igualitária na defesa dos direitos de todos.»

Basicamente, e em escalões em que o Estoril é muito mais forte do que os adversários mais humildes que defronta, houve uma necessidade de desvalorizar os resultados. Para dizer aos miúdos que há valores mais importantes do que ganhar e perder, golear ou ser goleado.

«Esta questão dos resultados também tem muito a ver com o comportamento dos pais durante os jogos e com a necessidade que encontrámos de desvalorizar os números em relação a formação do jovem enquanto cidadão e enquanto atleta», acrescenta Alexandre Faria.

«Para além disso, fazemos de há uns anos para cá várias reuniões pedagógicas com os pais, tanto no início da época como durante a época, e fazemo-lo de uma forma mais vincada quando surgem situações que o justificam. As regras são muito claras: não há ingerências, não há perturbação dos trabalhos das equipas técnicas e tem de haver um respeito enorme por todos os intervenientes no jogo: a nossa equipa, o adversário, o árbitro e os delegados ao jogo.»

Aos poucos, portanto, começa a haver uma preocupação em mudar comportamentos na bancada. Porque os pais perigosos não são bons para ninguém: não o são para as equipas, não o são para o treinador e seguramente não o são para os filhos.