«Fui para Fafe e, graças a Deus, fui para Fafe.»

Foi o próprio Rui Costa quem, numa entrevista ao Expresso, trouxe o ano percorrido em Fafe novamente para a atualidade. O agora presidente eleito do Benfica confessou que aquela época foi fundamental na carreira dele, que cresceu muito e que lhe fez bem ficar longe das mordomias.

«Fui viver com mais dois colegas: o Melo e o Fernando. Mais velhos do que eu, que me acolheram muito bem e tiveram grande responsabilidade no meu crescimento», referiu.

Ora o Melo e o Fernando são Luís Melo e Fernando Pereira. O primeiro tinha na altura 21 anos e duas épocas no futebol sénior, no Académico Viseu e no Trofense. Fernando Pereira tinha 23 anos, já somara uma época na primeira divisão, pelo Chaves, e era ligeiramente mais experiente.

«Não nos conhecíamos, mas parecíamos uma família. Tínhamos um ambiente muito bom em casa. Foi um ano fantástico a todos os níveis. Estávamos 24 horas juntos, só não dormíamos juntos, porque cada um tinha o seu quarto», conta Fernando Pereira em conversa com o Maisfutebol.

Rui Costa, Melo e Fernando Pereira partilhavam um T3 na Devesinha, um largo a dois minutos do estádio municipal, onde o Fafe jogava.

«Almoçávamos e jantávamos no restaurante Tonino todos os dias, porque era onde o clube nos pagava a alimentação. Comíamos quase sempre vitela. Era a especialidade da casa e aquela vitela de Fafe era fabulosa. Então comíamos muitas vezes vitela, arroz e batata assada.»,

Fernando Pereira lembra, de resto, que as quartas-feiras eram especiais.

«Eu era o único que tinha carro, tinha um Fiat Punto cinzento, na altura, e transportava o Rui Costa e o Melo para todo o lado. Tínhamos treino de manhã. Vínhamos, descansávamos um bocadinho e íamos a Braga ou Guimarães. Passear e conhecer. Às vezes também íamos dar as nossas voltinhas à noite. Sobretudo à quarta-feira à noite, quando íamos a uns barzinhos que havia em Braga.»

A relação entre os três ficou tão forte que ainda hoje mantêm o contacto. Luís Melo lembra que foi ao casamento de Rui Costa e que Rui Costa, na altura em que jogava na Fiorentina, não faltou ao casamento dele. «Deu lá um saltinho na altura do copo d’água, tirou umas fotos e foi embora.»

Também João Freitas, que na altura era o presidente do Fafe, foi convidado para o casamento do agora presidente do Benfica. João Freitas que foi o responsável por nessa altura construir a Casa do Lavrador, atrás de uma das balizas do estádio, onde no rés-do-chão eram servidas refeições aos jogadores e onde Rui Costa por vezes lanchava. A Casa do Lavrador que ainda existe, de resto.

Voltando a Melo, importa dizer que é natural de Vila Franca de Xira. Depois de uma carreira que passou por Olivais e Moscavide, Estoril e Oriental, ainda treinou os jovens do Vialonga, mas entretanto afastou-se do futebol. «Às vezes o meu filho pedia-me para ir à Luz, eu ia com ele e aproveitava para falar com o Rui Costa.»

Já Fernando Pereira lembra-se de ir ao Estádio da Luz ver a final do Mundial sub-20 de 1991, com um convite de Rui Costa, precisamente. «Encontrei-me em Lisboa com os pais dele, que me deram um convite a mim e outro à minha namorada, e lá fomos ver aquele jogo. Uma loucura.»

Numa viagem rápida que recua trinta anos no tempo, Luís Melo e Fernando Pereira desfiam memórias que os deixam nostálgicos e confessam que Rui Costa sempre foi um ser especial. «Um miúdo muito amigo do seu amigo. Merece a sorte que teve na vida. Era um rapaz cinco estrelas.»

O agora presidente do Benfica revelou, também nessa entrevista ao Expresso, que durante a primeira semana não conseguiu fazer a mala: deixou-a sempre pronta, porque não sabia quanto tempo ia aguentar em Fafe, a mais de trezentos quilómetros de Lisboa e do conforto de casa.

Fernando Pereira lembra-se bem disso.

«Até me lembro perfeitamente de ele dizer que fez a primeira viagem de Lisboa para Fafe toda a chorar. Ele e os pais dele. É normal, era um miúdo.»

«Era filho único, habituado a estar sempre com os pais na Damaia e não foi fácil. Mas teve a sorte de me apanhar a mim, ao Fernando Pereira, ao Jorge Neves, que morava num prédio mais à frente. O Fernando era mais reservado, gostava de ficar no quarto dele, já tinha um vídeo de VHS e via os filmes dele. Nós estávamos muito os dois. O Rui Costa tinha uma mesa de mistura e adorava música. Íamos para a sala fazer aquelas brincadeiras e misturar som. Também gostava de karaoke e metia-se lá a cantar as músicas dele: Bryan Adam, Phil Collins, essas coisas» conta Melo.

«O Rui Costa era muito extrovertido. Gostava da maneira como eu me vestia. Então chamava-me para ir com ele ao centro comercial em Guimarães comprar roupas. Ele era um irmão mais novo para mim e ele, como tinha não irmãos, olhava para mim como um irmão mais velho.»

Fernando Pereira assina tudo por baixo. O agora treinador, que na época passada orientou o Vila Real e que já orientou clubes como o Sp. Braga B, o Pedras Rubras e a Sanjoanense, fala com grande estima de Rui Costa, com quem estabeleceu uma ligação «de pai para filho».

«Eu e o Melo era como se tivéssemos um filho. O Rui Costa é um jovem cheio de talento, com uma personalidade muito forte, muito inteligente e que sabia exatamente o que queria. Mais o que mais destaco era o carácter dele e a personalidade dele. Era cheio de convicções fortes», refere.

«Foi sempre muito alegre, muito bem-disposto, com ele não havia tristeza e adorava música. Estávamos sempre a ouvir as músicas dele no carro, quando íamos a algum lado. Andava sempre com as cassetes e eu usava muito a cassete do Phil Collins quando estava com a minha namorada, que é hoje minha mulher. Também jogávamos cartas, víamos televisão. Por baixo de nossa casa havia um café onde passávamos muito tempo a jogar bilhar e ele perdia quase sempre.»

O leitor de vídeo que Fernando Pereira tinha no quarto, de resto, fazia sucesso lá em casa. Em Fafe, aliás, ainda muita gente se lembra que Rui Costa era um assíduo cliente do clube de vídeo.

«Às vezes o Fernando estava no quarto e nós invadíamos aquilo, deitávamo-nos na cama dele, a ver um VHS, só para o chatear. Mas o Fernando era um miúdo impecável. Era de Vila Real e uma vez até fomos com ele para casa dos pais, conhecer a família dele», recorda Luís Melo.

«Nessa altura andávamos os dois a tirar a carta de condução, íamos às aulas de código em Braga e depois estudávamos juntos à noite na sala. Só que ele ia muitas vezes para a seleção, ficava algum tempo fora e acabei por tirar a carta primeiro. Era um miúdo impecável. Só é pena não largar o cigarrinho. Já fumava na altura. Íamos muitas vezes lanchar a uma pastelaria lá perto, ia também o Jorge Neves, os dois puxavam do cigarro, de vez em quando ofereciam-me e olhe, mais tarde comecei a fumar, quando estava na Ovarense. Aos 21 anos deu-me para isso.»

Melo e Fernando Pereira são, de resto, unânimes numa coisa: muito do que o Rui Costa é hoje deve-o aos pais, que foram absolutamente fundamentais na formação dele.

«O senhor Vítor e a dona Manuela eram fantásticos. Iam todos os quinze dias a Fafe com a Rute, a ex-mulher do Rui Costa, num carro vermelho pequenino, já não me lembro da marca. Ficavam numa residencial em frente ao nosso apartamento, viam os jogos em casa e regressavam a Lisboa.»

Melo diz que os pais de Rui Costa iam de quinze em quinze dias, Fernando Pereira diz que era até mais do que isso, iam praticamente todas as semanas: quando jogavam em casa ou perto de Fafe.

«Muito do que ele é também o deve aos pais, que eram espetaculares. Vinham quase todos os fins de semana de Lisboa, vinham no sábado de manhã, ficavam numa residencial e domingo à noite regressavam a Lisboa. E na altura as viagens não eram como são hoje. Só do Porto a Fafe demorávamos duas horas. A autoestrada não era direta, tinha troços. Os pais faziam mais de cinco horas de viagem desde Lisboa. Fazer o que eles faziam era muito difícil. Mas os pais sempre o ajudaram a ter estabilidade», refere Fernando Pereira.

Melo lembra-se que algumas vezes, quando havia folgas maiores ou férias, os pais de Rui Costa ainda o traziam a ele para Vila Franca de Xira e Jorge Neves para Lisboa. «Vínhamos a viagem toda a ouvir as músicas do Rui Costa», sorri.

Fernando Pereira era o mais velho dos três e era o único do norte. Por isso teve um papel importante na ambientação dos colegas, e sobretudo do miúdo Rui Costa, que aos 18 aninhos enfrentava a primeira saída de casa, do Benfica e de Lisboa.

«A gastronomia é diferente no norte, o ambiente é diferente, o jogo é diferente, porque aqui é mais aguerrido e obrigou o Rui Costa a ser mais agressivo e a pensar mais rápido», diz o transmontano.

«Ele, pela qualidade que tinha, era marcado individualmente em todos os jogos e teve de arranjar defesas para jogar o futebol dele. Mas era um miúdo com uma qualidade incrível. Na altura ficámos em segundo, subiu o Rio Ave do Mário Reis, mas fizemos uma época fantástica. Tenho a certeza que tanto na parte humana, como na parte futebolística, aquele ano ficou para a vida do Rui Costa.»

Melo acrescenta que a qualidade era tanta que Rui Costa se divertia com... brincadeiras.

«Ele queria sempre fazer cuecas a alguém. Chegava a casa todo contente. ‘Hoje fiz duas cuecas’. Ficava feliz da vida. Depois tinha uma visão de jogo e um passe longo extraordinários.»

Certo é que o Fafe, orientado por António Valença, fez uma grande temporada e Rui Costa deu nas vistas ao ponto de despertar a cobiça de vários clubes importantes do norte. O Benfica não o voltou a emprestar, porém, e a partir daí a história do maestro português é conhecida.

«Ele foi sempre reconhecido em Fafe, que foi uma cidade que o acolheu muito bem e gostava muito dele.»

Mas antes de acabar este texto, Fernando Pereira tem só mais uma coisa para dizer.

«Aproveito para desejar ao Rui Costa muita felicidade nestas novas funções, que tenha muito sorte, que ganhe muitos títulos e que continue a ser a pessoa que é.»