As cabeças baixas na entrada em campo.

As bandeiras da Ucrânia a envolver o corpo de cada um.

O respeito absoluto durante o minuto de silêncio.

Mulheres e crianças em maioria nas bancadas.

Jogar «em casa» num país desconhecido.

As lágrimas no fim.

Os abraços dos adversários. O choro envolto no conforto dos braços de quem estava nas bancadas.

O desmoronar.

O regresso à dura realidade.

Nada no jogo entre o Dínamo Kiev e o Sporting, dos oitavos de final da Youth League, foi normal.

Porque não é normal jovens adolescentes precisarem de uma autorização especial para jogar futebol, sobretudo, quando estão à porta do profissionalismo.

Ainda assim, aqueles 90 minutos terão sido do mais normal que os jovens jogadores do Dínamo Kiev viveram nas últimas semanas.

Sem competir desde o final de fevereiro, aos ombros da equipa de sub-19 do clube ucraniano estava a responsabilidade de representar todo um país. Todas as equipas de futebol que, desde a invasão russa ao território ucraniano, se viram impossibilitadas de voltar a entrar em campo.

E esse peso histórico esteve sempre presente. Tanto na cabeça dos jogadores ucranianos como nos do Sporting. Jovens futebolistas que, do nada, se viram metidos no intervalo de um verdadeiro filme de terror vivido pela população ucraniana.

«O nosso desejo é que tudo se resolva, queremos a paz»

Foi com cerca de 2.000 pessoas nas bancadas do Estádio Giulesti, em Bucareste, que os 18 jogadores da equipa de sub-19 do Dín. Kiev tiveram oportunidade para ter uma curta, mas certamente saborosa fuga à realidade do que está a acontecer na Ucrânia.

Há cerca de duas semanas em Bucareste, onde foram acolhidos pelo Steaua do polémico Gigi Becali, os jovens jogadores do Din. Kiev receberam o Sporting com o apuramento para os quartos de final da Youth League em disputa.

A equipa ucraniana que eliminou o Barcelona e o Bayern Munique numa fase de grupos em que apenas ficou atrás do Benfica, e que depois deixou para trás o Deportivo da Corunha, num Riazor com mais de 20 mil adeptos espanhóis na bancada, despediu-se da competição por culpa da derrota por 2-1 com o Sporting.

Mas ninguém acredita que tenha sido o lado desportivo a justificar as lágrimas que se viram no fim. E que foram amparadas num primeiro momento por muitos dos jovens jogadores dos leões.

Após o jogo, o médio Renato Veiga foi o porta-voz da equipa portuguesa e admitiu que em jogo esteve muito mais do que uma simples partida de futebol.

«Isto foi muito mais que um jogo. O que nos foi pedido foi para respeitar o Dínamo Kiev, e a forma de o fazer era dar o nosso máximo dentro de campo», começou por dizer antes de deixar um desejo para os jovens que foram seus adversários durante 90 minutos.

Mas não foi só pela forma como jogaram que os jovens leões mostraram respeito pelos adversários da partida de quinta-feira.

«Ninguém festeja aqui no relvado», ouviu-se pouco depois de o jogo terminar, com o apuramento do Sporting alcançado.

Nem era preciso justificar o pedido lançado, mas Renato Veiga disse o que estava subentendido naquelas palavras.

«Sabemos que este é um momento muito difícil, algo que não se deseja a ninguém. O nosso único desejo é que eles tenham a maior sorte do mundo e que tudo se possa resolver. Queremos a paz», concluiu o jogador de 18 anos.

«Estamos muito sensíveis ao momento que eles vivem. No final do jogo, vimos os jogadores começarem a chorar porque caiu-lhes tudo. E o que tentámos foi confortá-los», acrescentou o treinador Filipe Pedro.

E é essa a imagem que fica. Jovens de países e realidades distintas a partilhar um momento que vale muito mais do que qualquer vitória num jogo de futebol.

Que a normalidade não demore a regressar.