De mala na mão, desorientado, sem saber para onde o levara o futebol. Para trás ficara a loucura nem sempre saudável de Londres, mais de 100 jogos pelo Tottenham, um punhado de sonhos. Em Évora, o Lusitano histórico esperava por Tariq Hinds.
Nos sub18, sub19 e sub23 dos Spurs, Tariq construíra uma rara imagem de polivalência. Lateral direito, lateral esquerdo, médio defensivo, a todos os desafios respondera de forma eficiente. O que falhara, então?
Que motivos o tiraram de Inglaterra, onde a carreira seguia o curso normal da evolução, e o atiraram para o nosso belíssimo Alentejo, região que continua a chorar a ausência de duas décadas dos palcos do principal escalão?
Estávamos em janeiro e o inverno de Tariq Hinds já há muito começara. «Houve uma mudança na SAD e a senhora Nneka Ede, uma nigeriana que vive em Inglaterra, passou de investidora a acionista maioritária. Foi através dos seus conhecimentos que o Tariq nos chegou às mãos», diz Nelson Cardoso, team manager do Lusitano e uma das pessoas mais próximas de Tariq Hinds, ao Maisfutebol.
Em julho de 2020, o contrato de Tariq com o Tottenham cessou. Apesar das referências de excelência, onde também se incluíam 12 jogos na UEFA Youth League, a renovação não avançou. Tariq Hinds ficou livre e, pior, lesionado.
«A informação chegou à senhora Nneka. Era um jogador de qualidade, que estava a enfrentar um problema físico e em choque com um antigo empresário. Veio para o Lusitano para procurar relançar-se, atraído pelas imagens do Alentejo e atraído pela presença do Edgar Davids.»
Edgar Davids? É verdade, o antigo internacional holandês jogou no Tottenham, é um dos ídolos de Tariq Hinds e chegou no início de 2021 ao Olhanense. Adversário do Lusitano de Évora na Série H do Campeonato de Portugal.
«O Tarik é um menino de 20 anos, introvertido, e aceitou uma mudança radical na vida e no futebol. A vinda do Davids para este campeonato despertou-lhe a atenção e ele veio atrás de minutos e de visibilidade, até para se mostrar a outros clubes portugueses.»
O dia 10 de abril acabou por ter um sabor agridoce. Tariq cumpriu o sonho de conhecer Edgar Davids mas, nesse dia, o Lusitano de Évora foi oficialmente despromovido aos distritais. Tariq Hinds jogou os 90 minutos e os alentejanos empataram 1-1 em Olhão.
Resultado insuficiente para a manutenção. O Lusitano acabou com os mesmos pontos do Esperança de Lagos e a um do vizinho e rival Juventude. Um golpe profundo num projeto que prometia o regresso do histórico emblema às ligas profissionais.
Em Lisboa, a receber ofertas e a pensar no futuro
Évora, Património Mundial da Unesco. A beleza da Praça do Giraldo, as Ruínas Fingidas, a Capela dos Ossos, as ruas estreitas da zona histórica, o inconfundível odor à gastronomia alentejana. Muito para Tariq Hinds conhecer nos momentos de folga.
O rapaz inglês integrou-se nas ideias dos treinadores – José Bizarro e, depois, o belga Desmond Ofei – e na vida da cidade. «O Tariq e os outros jogadores estrangeiros viviam no mesmo hotel, perto do Templo de Diana. Ele até me veio fazer perguntas sobre o monumento, não esperava encontrar uma ruína romana em Portugal», conta Nelson Cardoso.
No campo, Tariq também não desiludiu. Chegou, fez três treinos e foi logo titular em Loulé. No total, o ex-Tottenham esteve em oito jogos do Lusitano.
«No primeiro jogo foi lateral esquerdo. Percebemos logo a qualidade dele. O Tariq vinha de meses difíceis, parado, e quisemos que ele se sentisse útil. Foi pena, de facto, a chegada dele ter coincidido com muitas mudanças, tanto na SAD como no plantel», continua Nelson Cardoso.
De que jogador estamos, afinal, a falar? «O Tariq tem muita qualidade. É versátil, joga facilmente na direita e na esquerda, defende e ataca bem. Adaptou-se bem, como dizia, aceitou sempre tudo o que lhe foi pedido.»
Nelson Cardoso não sabe, agora, por onde passará o futuro do atleta. A descida do Lusitano deixou o projeto em momento de reflexão e o atleta a procurar outras opções. Muito provavelmente em Portugal.
«Falei com ele há uns dias e está há uns dias em Lisboa com amigos. Disse-me que tem algumas ofertas para continuar cá, está um pouco dividido. Também me disse que só pode agradecer ao Lusitano de Évora o que lhe deu, depois de tantos anos no Tottenham.»
O Lusitano de Évora tem 108 anos de vida e tem no rico palmarés 14 presenças no Campeonato Nacional da I Divisão. A última foi em… 1966. A SAD existe desde 2016 e tem o objetivo de devolver o grande alentejano aos maiores palcos nacionais. Afinal, diz Nelson Cardoso, essa é a sua essência.
«Cresci a ouvir o meu avô a falar do penálti que o Vital, histórico guarda-redes do Lusitano, defendeu ao Eusébio aqui em Évora. Não nos podemos esquecer destas memórias, são elas que nos provam que este clube é muito grande.»
VÍDEO: momentos de Tariq no Tottenham