Esqueçam os formatos tradicionais da FIFA, dominados por torneios periódicos, participantes corriqueiros e vencedores restritos. Imaginem agora uma história alternativa dos Mundiais de futebol, com jogos particulares transformados em finais. No fim, um troféu virtual que muda de senhorio como quem troca de calções no verão.

Desenganem-se. Esta competição não existe na realidade. Só no papel e em formato digital. Chama-se Unofficial Football World Championship (UFWC) e foi criado em 2003 pelo jornalista Paul Brown. Fenómeno de culto, não vai além de uma maneira original para calcular a melhor seleção de futebol do mundo. Quem ganhar ao melhor do mundo passa a tomar esse epíteto até ser derrotado. Confuso? Há precedentes históricos verídicos por detrás desta fantasia.

«O único objetivo era ter um pouco de diversão»

Correm mais de cinco décadas sobre o golo fantasma de Geoff Hurst contra a Alemanha. Em 1966, a Inglaterra beijava o teto do futebol mundial em casa. Daí em diante, foram nove meses sem derrotas. O fracasso veio a aparecer aos pés da Escócia. Um 2-3 discutido em Wembley, o local do orgulho inglês.

Podia ser um mero fascículo do idoso currículo de batalhas entre ingleses e escoceses. Uma migalha no extinto British Home Championship, que reunia anualmente as quatro nações das ilhas britânicas em plenas brisas primaveris. Mas não. 15 de abril de 1967 teve um significado especial. Nessa tarde, os escoceses autoproclamaram-se campeões não-oficiais do mundo pela batuta do «red devil» Denis Law.

Quase ninguém levou a sério a reivindicação dos «jocks». Diziam ser um devaneio para temperar uma rivalidade secular. 36 anos depois, o sonho escocês foi recuperado. Cortesia de Paul Brown, autor de uma realidade paralela. Quadros legais à parte, o jornalista da revista «FourFourTwo» partiu da ideia de que o campeão do mundo podia ser conhecido jogo a jogo. Criou assim um «ranking» dinâmico, baseado no sistema «knock-out» do boxe e nada familiarizado com a hierarquia mantida pela FIFA.

As seleções são classificadas pelo número de jogos ganhos, embora haja quem se guie pela duração cumulativa em que mantiveram a posse do troféu. Cada vitória vale um ponto, incluindo partidas vencidas no prolongamento ou no desempate por grandes penalidades. Em sentido inverso, não são atribuídos pontos para empates ou derrotas.

Estava dado o pontapé de saída no UFWC. «O único objetivo era ter um pouco de diversão e tornar os jogos amigáveis mais emocionantes», revela Paul Brown em conversa com o Maisfutebol. Para tal, queimou pestanas ao recuar ao exórdio dos encontros de seleções. Pelo caminho analisou mais de 145 anos de futebol internacional. Nove centenas de jogos. Recebeu dados contraditórios e incongruências de toda a ordem.

A Escócia ocupa o topo do UFWC, seguida de perto pela Inglaterra

«Inicialmente combinamos dados de várias fontes, para que pudéssemos duplicá-los e triplicá-los. Se cometíamos um erro, então podíamos confiar nas outras pesquisas para corrigi-lo», constata o fundador da UFWC. Todo o cuidado era ténue, pois um simples engano deitaria por terra toda a investigação.

O enfoque não largava dúvidas: só eram contabilizados encontros entre as seleções principais de dois países afiliados da FIFA. Na prática, a maioria dos particulares e todos os duelos relativos às competições organizadas pelos principais organismos internacionais. Aos poucos, a base de dados foi crescendo.

Fabricou um cordel de campeões alternativo com reconhecimento virtual, em que resultados e «ranking» são atualizados ao detalhe. Em paralelo, Paul publicava artigos soltos na «FourFourTwo». Em 2011 editou em livro sobre histórias escondidas na UFWC. «Foi apenas algo que aconteceu organicamente. O foco sempre esteve no site», confessa o jornalista.

Do afunilamento britânico ao império transatlântico

Os triunfos neste mundial alternativo chegam de qualquer latitude. Já foram consagrados 48 países, incluindo domínio reforçado nos continentes europeu e sul-americano. A Escócia é a nação mais laureada, a Bolívia é atual detentora do troféu – desde 28 de março, na sequência do triunfo caseiro (2-0) sobre a Argentina para a qualificação do Mundial 2018.

O «top10» do UFWC só é formado por nações de dois continentes

De facto, os países britânicos estrearam o ciclo de vencedores com toda a pujança. Escócia e Inglaterra disputaram a primeira partida de futebol internacional da história, corria o derradeiro dia do penúltimo mês de 1872. Oportunamente jogado no St. Andrew's Day, acabou 0-0 e não entrou na contabilidade do UFWC. Três meses depois, a repetição. A seleção dos três leões derrotou (4-2) os «jocks» e deu início à enumeração de campeões oficiosos.

No novo século, o advento das Guerras Mundiais dificultou a globalização do futebol. Nenhuma equipa britânica competiu nos Mundiais de 1930, 1934 e 1938, pelo que o título não-oficial foi trocando entre Escócia, Inglaterra, Irlanda e País de Gales. Só em 1931 houve uma seleção da Europa continental a coroar-se campeã. Foi a Áustria, que goleou (5-0) a Escócia em Viena. Eram os primórdios da famigerada «Wunderteam».

Nenhuma seleção conseguiu defender o título UFWC durante um Mundial

Desde então, o título vem passando de mão em mão. Abriu espaço às potências tradicionais, mas também a cinco países que nunca participaram no Campeonato do Mundo FIFA: Curaçao, Gales, Geórgia, Venezuela e Zimbabwe. «Penso que é uma maneira de fazer com que os adeptos assistam a jogos pouco mediatizados. Nos últimos anos tem sido divertido assistir a partidas envolvendo a Coreia do Norte, o Tajiquistão ou o Taipé Chinês. Acho que poucas pessoas assistem normalmente a esses jogos», realça Paul Brown.

Numa análise comparativa entre competições oficiais e oficiosas, a conclusão é perentória: nenhum país conseguiu defender o título UFWC durante um Mundial FIFA. Só a Holanda esteve realmente perto de tal acontecimento, ao perder as finais de 1974 e 2010. Por outro lado, só três nações conseguiram ser ao mesmo tempo campeãs do Mundo, da Europa e do UFWC.

E Portugal?

Bem, as quinas encontram-se numa discreta 41ª posição, com 22 partidas disputadas e apenas duas vitórias. Começar a surgir no historial de confrontos a 14 de maio de 1950, numa derrota (3-5) com a Inglaterra no Estádio Nacional. O luso-cabo-verdiano Ben David bisou. Manuel Vasques, o «Malhoa» dos cinco violinos do Sporting, completou a lista de marcadores. Era selecionador Salvador do Carmo.

Portugal foi galardoado pela primeira vez em novembro de 1983. Mérito outorgado por Rui Jordão, que matou as aspirações soviéticas de chegar ao primeiro Europeu jogado em França. Nove anos depois a dose foi redobrada, após golos de Oceano e César Brito num amigável com a Holanda. Ao fim de dois jogos, as quinas cederam o troféu aos Estados Unidos.

A última aparição deu-se em outubro de 2008. Portugal tentava sacar o UFWC à Suécia e endireitar trilhos para o Mundial da África do Sul. Não foi além de um nulo e o título continuou a vaguear pela Escandinávia. Até conhecer um novo dono.

Foi em Solna que Portugal apareceu pela última vez na UFWC

«O UFWC não pode realmente competir com o Mundial»

O modelo é inovador, mas não anda longe do que se faz nos maiores palcos internacionais. Há direito a troféu e mascote personalizadas, mas isolados pelos limites da World Wide Web.

A CW Alcock Cup leva o nome de Charles William Alcock e faz jus às origens. Em 1872, o antigo futebolista ia disputar o primeiro jogo internacional da história pela seleção inglesa. Estava lesionado e acabou por integrar a equipa de arbitragem. Por outro lado, o pequeno dinossauro Hughie é o símbolo do UFWC. «Não há nenhuma razão real. Talvez porque a UFWC é uma competição histórica e os dinossauros são históricos!», graceja Paul, sublinhando que o nome foi escolhido pelos próprios leitores.

O logótipo do Unofficial Football World Championship

«Comunidade fiel? Não tenho certeza, talvez haja. Acho que muitas pessoas seguem a competição quando o seu próprio país se torna campeão», considera o fundador. Certo é que a iniciativa já foi elogiada há alguns anos pela FIFA.

«Enquanto as pessoas se divertirem com o futebol jogado com espírito de respeito por todos os envolvidos, sem haver qualquer violação das regras e da ética desportiva, a FIFA só pode estar mais do que feliz!», escreveu a assessoria de imprensa do organismo regulador do futebol mundial. Paul Brown relativiza a mensagem e fecha a porta ao reconhecimento do UFWC pela FIFA. «É melhor permanecer como uma competição não-oficial», defende.

Na calha também estão afastados quaisquer planos de comercialização. Os fins lúdicos vão continuar a imperar, havendo mesmo quem trabalhe em projetos similares, com diferentes regras, linhas de tempo e vencedores. «O UFWC não pode realmente competir com o Campeonato do Mundo. Nem tenta. Esperamos apenas que o título possa acrescentar um pouco mais de emoção a outros jogos», conclui Brown.

Daí o carácter oficioso da prova. A competição segue no próximo sábado. A Nicarágua recebe a Bolívia num particular com honras de título. Valerá a pena espreitar.