Por Rui Pedro Silva

Donald Trump venceu a super terça-feira das primárias republicanas nos Estados Unidos e continua na dianteira para ser o candidato nomeado pelo partido às presidenciais de novembro. O multimilionário controverso relegou o mundo dos negócios para segundo plano para se concentrar na política e tem tido resultados.

Esta não é a primeira vez que Trump piscou o olho a outras áreas. O homem que agora ameaça a família que detém os Chicago Cubs (basebol), garantindo ter muito para contar sobre os proprietários que estarão alegadamente a gastar dinheiro noutras campanhas, já foi ele próprio o dono de uma equipa profissional.

A USFL (United States Football League) foi anunciada em 1982 e pretendia ser uma alternativa à NFL. O objetivo não era uma concorrência direta no calendário – iria jogar-se na Primavera e não no Outono/Inverno – mas estabeleceu uma guerra na corrida aos melhores talentos universitários. Com 12 equipas e um contrato de 20 milhões de dólares por dois anos pelas transmissões televisivas, a USFL prometia oferecer uma realidade diferente ao futebol americano.

Donald Trump tinha 36 anos quando foi disputado o primeiro jogo, a 6 de março de 1983. Os New Jersey Generals foram comprados pelo agora candidato republicano mas imediatamente vendidos na época de estreia. Um ano depois, Trump voltou a atacar e recomprou a equipa.

Entrevista de Donald Trump em 1984 durante um jogo

O diagnóstico geral estava feito. Era preciso melhorar a assistência e as audiências televisivas. Ainda assim, a ideia global era de que a USFL tinha pernas para andar. Mas a ambição de Trump levou-a para outros caminhos. O alargamento para 18 equipas (das 12 iniciais) mostrou ser o primeiro erro mas foi a guerra de interesses liderada pelo multimilionário que ditou o destino.

Herschel Walker, um dos grandes rostos que a liga conseguiu recrutar (fora considerado o melhor jogador universitário em 1982 e reconhecido com o Heisman Trophy), fazia parte dos Generals e elogia a capacidade que Trump tinha para «fazer as coisas avançar».

De seis, os Generals passaram para 14 triunfos. Mas o objetivo de Trump não era vencer a USFL: era ganhar dinheiro. E a melhor forma que encontrou para fazê-lo foi processar a NFL. «Jogar na Primavera é um desperdício. Vim para aqui a pensar que a liga ia mudar para o Outono. Vejo a liga a fazer isso daqui a um ano ou dois, a desafiar a NFL. Quero fazê-lo já, precisamos de continuar a desafiar e desafiar…»

Herschel Walker era uma das grandes figuras dos Generals de Trump

A ambição desmedida de Donald Trump encontrou muita resistência entre os restantes proprietários mas, em última instância, a promessa de dinheiro «fácil», entre equipas que não estavam a dar o lucro previsto, fez a diferença.

A batalha foi ganha por Trump e ficou decidido que o quarto ano da USFL, em 1986, seria disputado no Outono. Só que a guerra estava apenas a começar, uma vez que o empresário liderou o processo contra a NFL, acusando-a de monopólio nos contratos televisivos e pedindo uma verba de 1,32 milhões de euros de indemnização.

Tanto por nada

A guerra jurídica fez com que a USFL estagnasse enquanto não houvesse uma decisão. Que decidiu a favor da queixa de Donald Trump, mas com um «asterisco». Sim, a NFL fora considerada culpada de violar as leis de anti-monopólio mas a indemnização à USFL era de apenas… um dólar.

Por esta altura, a USFL tinha perdido a carruagem. A vitória de Pirro não ajudara os proprietários em dificuldades financeiras, Trump virou-lhe as costas e a USFL morreu apenas três anos depois da criação.

Campeões da USFL

1983 Michigan Panthers-Philadelphia Stars, 24-22

1984 Philadelphia Stars-Arizona Wranglers, 23-3

1985 Baltimore Stars-Oakland Invaders, 28-24

Na perspetiva norte-americana, o vilão foi fácil de encontrar: Donald Trump. «Achei que tínhamos de avançar rapidamente, havia donos a morrer, que não conseguiam pagar contas», justificou pouco depois. E em 2009, num documentário da ESPN, foi ainda mais longe na desresponsabilização e nas críticas à liga. «Se tivesse continuado, não passaria de peixe miúdo. Mas já nem penso na USFL, foi há muito tempo, foi divertido.»

«As pessoas podem culpar o Trump, é a história da minha vida. Acho que sem mim a liga teria caído muito mais cedo. Chegou onde chegou por causa de mim», terminou. Muitos viram a atitude de Trump como uma tentativa desesperada de chegar à NFL, forjando um acordo de expansão que acolhesse algumas equipas da USFL e permitisse a distribuição das receitas pelos proprietários em dificuldades. Para o próprio, também seria como ganhar o jackpot, depois de pagar nove milhões de dólares pelos Generals.

Trump liderou guerra da USFL contra a NFL

Bill Simmons, antigo jornalista da ESPN e agora na HBO, garante que Trump estava tão desesperado por ter uma equipa na NFL que teve de ir para a USFL. Já Burt Reynolds, co-proprietário de uma das equipas (Tampa Bay Bandits), garante que «Trump tentou mas não o queriam».

A tese sempre foi negada pelo próprio: «Teria sido muito mais fácil comprar uma equipa da NFL.»

Um outro jornalista, Charley Steiner, revelou a sua teoria ao «Washington Post» já este ano: «Ele [Trump] era o ar dos pneus. Deu à liga o ar que esta precisava, elevou a pressão para outro nível e continuou a fazê-lo até explodir.»

Méritos da USFL

A luta pelos melhores talentos universitários foi a primeira forma encontrada pelas equipas para atrair gente e interesse para a nova liga. Os vencedores do Heisman Trophy eram os mais apetecíveis e, em última instância, eram os milhões oferecidos que faziam a diferença.

Não ficaram por aí. Era preciso dar mais espetáculo, dentro e fora de jogo. Os intervalos foram vistos como fonte essencial de entretenimento e George Foreman, antigo campeão mundial de boxe, chegou a celebrar um casamento num intervalo. Dentro de campo, foi introduzida a jogada de dois pontos após o touchdown e o recurso à repetição da transmissão televisiva para analisar as jogadas. Ambas foram depois acolhidas pela NFL.

Os jogadores também saíram a ganhar. Os testemunhos alinham-se na sensação de divertimento na USFL mas os salários é que provocaram a grande revolução. A concorrência financeira com a NFL provocou a rival a responder ao mesmo nível e fez com que o salário médio dos jogadores registasse o maior aumento na história da liga.

Quando a USFL terminou, 187 jogadores conseguiram prosseguir a carreira na NFL. Jim Kelly passou dos Houston Gamblers para os Buffalo Bills e tornou-se no único quarterback da história a levar uma equipa a quatro finais da Super Bowl consecutivas (todas perdidas).