É futebol a passo e não é piada de bancada. «Walking Football», assim mesmo em inglês por enquanto, é futebol lento, desporto para quem quer manter-se ativo e divertir-se a jogar mesmo quando o corpo já não permite grandes aventuras. Já tem milhares de praticantes pela Europa, está a dar os primeiros passos em Portugal - passe o trocadilho fácil - e em Inglaterra até passou a ter regras oficiais.

Foi pelo Algarve que entrou por cá. Em inglês, através do Walking Football Algarve, organização que nasceu há dois anos e promoveu a formação de vários núcleos da modalidade pela região, bem como alguns duelos internacionais. Como este, um dos primeiros.

Os nomes das equipas brincam com aquilo que elas representam. Gente que já passou a meia-idade mas continua a tirar prazer de jogar futebol. Mantendo-se saudável. É o que explica ao Maisfutebol Chris Wright, inglês de 71 anos que se retirou para o Algarve em 2005 e vive em Olhão. Adotou aliás o Olhanense e integra uma claque do clube algarvio formada por britânicos radicados na região: os «Gorilas» de Olhão. Pode vê-los aqui.

Naquele cartaz há várias coisas que chamam a atenção, além da bem intencionada tentativa de escrever em português, e uma delas é o nome de John Mortimore.

Sim, explica Chris. «O John Mortimore, antigo treinador do Benfica, é meu amigo. Apadrinhou o nosso primeiro torneio e apadrinha o torneio anual.» E joga, Mortimore? «Não joga, não. Tem 82 anos.»

«Como voltar a ser criança»

Não joga Mortimore, mas entre os «craques» regulares do Walking Football no Algarve está o antigo jogador inglês Brian Kilcline, capitão da equipa do Coventry que em 1987 ganhou a Taça de Inglaterra numa final com o Tottenham, e que atualmente passa a maior parte do seu tempo no Algarve. Agora com 54 anos, Kilcline diz que redescobriu o prazer de jogar. «Obviamente é um jogo mais lento, mas é muito enérgico e competitivo. Jogar «walking football» é como voltar a ser criança», disse Kilcline ao jornal britânico «Birmingham Mail».

Quem melhor do que um antigo jogador para descrever este novo desporto? Palavra então a Kilcline: «Desde que me retirei não tinha voltado a jogar futebol de 11. Mas isto deu-me um novo fôlego de vida. Recomendo a qualquer um. É uma forma de futebol que nos faz voltar ao essencial: controlar a bola e passá-la de pé para pé. Não apenas atirá-la pelo campo e esperar que corra bem. E adoro as provocações entre jogadores. Isso sempre fez parte do futebol.»

A definição de Chris Wright complementa o conceito: «É abrandar o jogo para toda a gente, para pessoas com mais de 50 anos jogarem futebol. É muito bom para o cardiovascular. Os médicos aprovam. Há pessoas que vêm praticar depois de uma operação ao coração. É muito bom para manter a atividade.»

As descrições enquadram já algumas das regras específicas do Walking Football. Regra número 1: é proibido correr. Um dos pés tem de estar sempre a tocar o solo. Depois, há normalmente um número limite de toques que cada jogador pode  dar antes de passar a bola. E esta também não pode ser jogada acima de certa altura, para alguns acima da zona da cintura, para outros da cabeça. Também tenta evitar-se o contacto físico. De resto há jogo, entusiasmo e golos.

E basicamente treina-se a jogar, explica Chris. «Há um mini-torneio em todas as sessões. Os treinos são jogos. Temos um período de aquecimento, depois é jogar e manter-nos ativos.» E também há árbitros: «O árbitro é escolhido entre nós. Normalmente alguém que já esteja nos 80.... Às vezes temos um em campo e outro na linha lateral.» As equipas podem ser mistas, juntando homens e mulheres.

O «Walking Football» nasceu em Inglaterra há seis anos, iniciativa do Chesterfield FC Community Trust, uma organização de caráter social associada ao Chesterfield. Desde então foi crescendo, muito em Inglaterra mas também um pouco por toda a Europa. No Algarve começou em 2015 e agora também se joga em Lisboa, numa organização da Fundação Benfica.

«Em Inglaterra há mais de 800 equipas. Começámos aqui em Portugal há dois anos. Agora temos grupos em Olhão, Tavira, São Brás, Vilamoura e Lagos», conta Chris Wright. O clube algarvio também organiza torneios internacionais, haverá um em março em Albufeira, e aproveita cada ocasião para competir: «As lendas do Tottenham também vêm cá regularmente, em iniciativas de caridade, e sempre que vêm jogamos contra eles.»

Ainda não há muitos portugueses a aderir, diz ainda Chris. «Temos alguns, gostaríamos de ter mais. Mas além de ingleseses temos alemães, holandeses, várias nacionalidades. Normalmente temos 30 pessoas em cada sessão.»

Na Luz, para promover o envelhecimento ativo

O Walking Football Algarve está agora em contacto com a Fundação Benfica, que promove sessões no Estádio da Luz, numa iniciativa que surgiu a partir de um projeto europeu com uma rede de clubes que desenvolvem projetos sociais. «O Walking Football surge connosco na sequência de um projeto com a European Football Development Network, onde estamos com mais 13 clubes. É na área da responsabilidade social, uma resposta na área do envelhecimento ativo», explica ao Maisfutebol Nuno Costa, da Fundação Benfica.

«Estamos a desenvolver com vários parceiros da Fundação sessões regulares no Estádio da Luz, no sintético, para fazer esse trabalho de evitar algum isolamento e conseguir maior inclusão das pessoas na vida ativa, melhorando a saúde e também a vertente social», prossegue. Participa nessas sessões nesta altura meia centena de pessoas, utentes de várias instituições. Alguns desses jogadores vão participar em Setembro num torneio na Holanda. 

A primeira iniciativa promovida na Luz no âmbito deste projeto foi um jogo para o qual foram convidados antigos jogadores, Veloso, Stefan Schwarz ou Paulo Madeira, em setembro passado.

Mas este é ainda um começo lento, observa Nuno Costa. «Ainda estamos numa fase muito embrionária, sobretudo em Portugal. O único clube a praticar de que temos conhecimento é o Walking Football Algarve, já encetámos contactos com eles. Os parceiros europeus facilmente conseguem juntar-se, vários clubes holandeses podem juntar-se para jogar e conviver. Nós em Portugal estamos um bocado isolados.»

As regras e as «Leis do jogo» oficiais

Também não é fácil assentar as próprias regras, acrescenta. Sim, essa é uma das questões em torno do desporto, há várias orientações diferentes sobre algumas das regulamentações específicas. «Até existe alguma diferença em termos de regras entre quem joga mais na zona britânica e quem joga na Alemanha ou na Holanda. Diferenças como haver ou não contacto, ou coisas mais práticas. A regra geral é que a bola não pode passar acima da cintura. Mas, por exemplo, quando uma bola pontapeada por um jogador bate noutro e sobe acima dessa linha, de quem é a falta?»

Foi para tentar arrumar ideias sobre o assunto que a Federação inglesa (FA) decidiu formalizar um livro de regulamentos de Walking Football. Já tinha declarado a intenção e esta semana anunciou que as «Leis do jogo» do Walking Football estavam prontas. Inclui princípios como a definição de «andar» e a penalização para quem correr, que é a atribuição de um pontapé livre ao adversário. Ainda a proibição de a bola subir acima da altura da cabeça (definida como 1,83m), ou ainda de haver jogadores dentro da área de penálti, para evitar «táticas» demasiado defensivas. Está aqui.

Quem joga por cá aprova este passo na definição das regras. «É bom, havia esse objetivo de conseguir harmonizar regras, esperemos que seja um passo nesse sentido», diz Nuno Costa. «Sabia que iam publicar as regras. É bom», comenta por sua vez Chris Wright, embora o veterano britânico admita que, basicamente, a prática é «adaptar as regras à situação». Nomeadamente ao número de jogadores disponíveis para jogar.

Nuno Costa acredita que o Walking Football pode evoluir como mais uma variante do futebol. Para já ainda em inglês, não há um nome português adotado para a modalidade: «Temos mantido o Walking Football, é o nome por que é conhecido, mesmo em países como a Holanda ou a Alemanha.»

«No fundo, se calhar também poderá passar por um processo como houve com o futebol de rua. Atualmente a equipa que a CAIS organiza já é reconhecida como seleção nacional no âmbito da Federação, já há apuramentos regionais para definir a seleção. Espero que o caminho possa ser nesse sentido, valorizar uma nova modalidade no futebol», diz Nuno Costa.

Mas terá sempre na essência a simples prática de desporto e o convívio. De preferência com humor. De novo Chris Wright, a falar sobre o Walking Football Algarve: «Temos uma componente social, fazemos um convívio no Natal, temos um jantar anual em que entregamos prémios. Chamamos-lhes Zimmer Awards.» É chato explicar uma piada, mas esta tem de ser. «Zimmer frame» é uma andadeira, um daqueles aparelhos para ajudar quem tem dificuldades de locomoção. «Escolhemos o jogador do ano, o melhor golo, ou ainda o jogador que corre mais, que é o prémio «Diarreia».»