Olga Korbut ganhou quatro medalhas nos Jogos Olímpicos de 1972 e decidiu leiloar três delas. O legado material de um campeão alienado. Não é caso único e é bem menos raro do que possa parecer.

Korbut, hoje com 61 anos, é um nome lendário na ginástica. De origem bielorrussa, maravilhou o mundo em 1972, com apenas 17 anos. Ganhou ouro na trave, no solo e por equipas, prata nas paralelas assimétricas.

Foi nas paralelas que executou pela primeira vez o movimento a que deu nome, conhecido até hoje por «Korbut Flip». Agora banido tal como ela o fazia, à luz dos novos regulamentos que privilegiam a segurança. Aqui está.

Em 1976 não conseguiu igualar a proeza, nuns Jogos em que a estrela foi outra, a romena Nadia Comaneci. Ainda assim, Korbut ganhou ouro por equipas com a União Soviética e prata na trave.

A viver desde 1991 nos Estados Unidos, Korbut mora agora no Arizona. Na imprensa russa, e nomeadamente no jornal Gazeta.ru, atribuiu-se esta decisão da antiga ginasta de leiloar as medalhas a uma situação financeira dramática. Korbut, que já teve problemas financeiros conhecidos, deu por estes dias uma entrevista à norte-americana ABC News, ao lado do seu noivo, onde admitia que o dinheiro lhe iria dar jeito, mas não era a única motivação para abdicar das memórias materiais do seu passado: «Isto é história olímpica e gostaria de a partilhar com todo o mundo. Ajudaram-me a fazer história para sempre. É assim que quero partilhá-las com o público.»

O leilão, conduzido por uma empresa norte-americana e onde não constava uma das medalhas de ouro de 1972 porque já teria sido roubada anteriormente, rendeu algo como 200 mil euros. A medalha licitada por um valor mais alto foi o ouro por equipas de 1972, 62 mil euros.

É bom para uma medalha olímpica, segundo a avaliação de quem anda nestas coisas. Ingrid O’Neil, que detém uma empresa de leilões especializada em «memorabilia» olímpica, deixou indicações surpreendentes sobre os preços das medalhas, numa reportagem do USA Today: «Toda a gente fica desiludida quando me liga a dizer que quer vender uma medalha e lhes digo quanto rende normalmente. Não querem acreditar. Pensam: «OK, a do Jesse Owens rendeu 1.4 milhões de dólares, a minha deve valer aí 200 ou 300.» Em vez disso, a leiloeira estima que uma medalha comum de bronze dos Jogos Olímpicos de Verão renda 5 a 6 mil dólares, uma de prata 8 mil e uma de ouro 10 mil.

As motivações de atletas ou ex-atletas para vender podem ser muitas. Na origem está, essencialmente uma motivação financeira. Mas não só. Existe uma Comissão de Colecionadores Olímpicos associada ao Comité Olímpico, que reune colecionadores de selos, pins e outros artigos de «memorabilia», e um dos seus membros fala também ao USA Today das diferentes motivações dos atletas vendedores, dizendo que normalmente o fazem por estarem em «má forma financeira», mas também há casos de herdeiros que alienam os bens porque não sabem o que lhes fazer: «Podem pensar: ‘Não acredito que não quisessem manter aquilo na família, mas as pessoas não chegam a algum tipo de conclusão comum para o garantirem, por isso vendem.»

O exemplo maior de uma medalha história vendida é precisamente a medalha de Jesse Owens, uma das quatro que o norte-americano venceu nos Jogos Olímpicos de 1936, talvez as conquistas mais simbólicas da história do desporto. Em Berlim, nos Jogos que Adolf Hitler queria usar para glorificar a propaganda da supremacia da raça ariana, o protagonista foi um atleta norte-americano de origem africana.

A medalha de Jesse Owens e a taça de Spyridon Louis, com 116 anos

Foi uma dessas medalhas de Owens que apareceu a ser leiloada em novembro de 2013, depois de dar muitas voltas. Não se sabe exatamente qual era a medalha, porque não tem o evento gravado, mas foi oferecida pelo antigo atleta a um amigo, o ator e artista Bill «Bojangles» Robinson. Quando este morreu a sua mulher herdou-a e acabou por levá-la a leilão. Foi comprada por 1.466 milhões de dólares, algo como 1.2 milhões de euros, por Ron Burkle, investidor e um dos proprietários da equipa norte-americana de hóquei no gelo Pittsburgh Penguins.

Mais antigo ainda o troféu que foi a leilão em abril de 2012: a taça de prata ganha por Spyridon Louis na maratona nos primeiros Jogos Olímpicos da era moderna, em 1896. Ficou durante 116 anos na posse da família do atleta grego, mas o seu neto acabou por decidir vendê-la. «É altura de olhar para o futuro. Tenho dois filhos», dizia o descendente de Louis, Spyros, em declarações reproduzidas pela Christie’s, que promoveu o leilão: «Vai ser sempre impossível dividir uma taça, por isso decidi que o melhor a fazer é leiloá-la e usar o dinheiro para garantir o futuro da minha família.»

Rendeu 655 mil euros e foi comprada pela fundação grega Stravos Niarchos, que decidiu colocá-la em exposição permanente.

Outras medalhas de ouro que chegaram a valores notáveis foram aquelas vendidas por alguns dos jogadores norte-americanos que ganharam o torneio de hóquei no gelo nos Jogos de Inverno de 1980. Um triunfo sobre a então União Soviética, historicamente a grande dominadora da modalidade, que ficou conhecido para os americanos como «Milagre no gelo». Uma delas foi vendida por Mark Wells em 2010 e rendeu 310 mil dólares, mais tarde outro jogador, Mark Pavelich, leiloou a sua por 262 mil dólares. Há um ano o guarda-redes dessa equipa, Jim Craig, também leiloou algumas das suas memórias. E se a medalha ficou por vender, por não ter sido atingido o valor que pedia, a máscara que usou nos Jogos rendeu-lhe nada menos que 130 mil dólares.

Das medalhas e das botas de Pelé à Bola de Mourinho

Não são apenas medalhas olímpicas. A lista de troféus desportivos que já apareceu no mercado é infindável e estende-se também ao futebol. Ainda no verão passado, por exemplo, Pelé leiloou nada menos que dois mil objetos ligados à sua carreira, num evento que durou três dias.

Entre eles estavam as três medalhas de campeão do mundo que Pelé ganhou, mas também coisas como as botas que usou no filme «Fuga para a vitória» ou uma réplica da Taça do Mundo especial que lhe foi oferecida quando ganhou o Mundial de 1970. Foi essa taça o artigo mais caro, rendeu cerca de 500 mil euros.  A medalha de campeão de 1958 rendeu 230 mil euros, acima do preço definido originalmente.

Menos bem sucedido foi o leilão promovido por outro campeão do mundo. Também no verão passado, o inglês Geoff Hurst licitou a sua camisola da final do Mundial 1966, mas ela não foi comprada. Ninguém chegou ao preço definido pela leiloeira, a partir dos 350 mil euros.

Há casos em que são instituições ou clubes a comprar os troféus, para preservar a memória. Foi o caso das medalhas de Nobby Stiles, que em 2010 pôs a leilão a de campeão europeu, ganha pelo Manchester United em 1968, frente ao Benfica, mais a de campeão do mundo de 1966. Comprou-as o próprio Manchester United, por algo como 230 mil euros.

Não acontece apenas com antigas glórias. Em 2014 David James, ex-guarda-redes da Inglaterra, pôs à venda também uma série de artigos que fizeram a sua carreira desportiva, incluindo uma volumosa coleção de camisolas.

E depois há troféus valiosos que os donos oferecem, normalmente por motivos solidários. Foi assim com o FC Porto e José Mourinho, por exemplo, em 2011. Os dragões ofereceram à Fundação Bobby Robson uma réplica da Taça de Portugal de 1994/95 e o treinador a primeira Bola de Ouro da FIFA que ganhou. Foi o artigo que mais rendeu no leilão, 30 mil euros.A réplica da taça do FC Porto foi vendida por seis mil euros.