A morte de Miklos Feher em 2004 serviu para despertar consciências a nível nacional. Foi uma morte filmada e toda a gente ficou a perceber que se deveu a um problema cardíaco. Naquela noite de chuva em Guimarães não foi possível salvar o jogador do Benfica, apesar de o estádio D. Afonso Henriques estar equipado com desfibrilhadores, ter duas equipas médicas bem preparadas e o hospital local distar menos de um quilómetro.

É difícil dizer se alguma coisa poderia ser feita naquele momento. «Talvez com os exames de prevenção que existem hoje pudesse ter sido encontrado o problema anteriormente, mas pelo menos pelas minhas mãos ele não passou», recorda o especialista Fonseca Esteves, que na altura dos factos era o diretor do Centro Nacional de Medicina Desportiva. O caso foi encerrado e nem uma vontade do Ministério Público em analisar nove situações concretas de morte súbita cardíaca desportiva serviu para tirar dúvidas. Os exames foram revistos, mas a Justiça impede a sua divulgação. É este o estado de coisas em Portugal dez anos depois da trágica morte de Feher e alguns meses depois de Alex Marques ter caído inanimado em campo durante um jogo do Tourizense.

Mas algo mudou. Desde logo a legislação, que obriga à instalação de Desfibrilhadores Automáticos Externos (DAE) em todos os recintos desportivos com mais de cinco mil pessoas. São dispositivos pouco dispendiosos (entre 1500 a 2000 euros cada), que podem fazer toda a diferença na vida de uma pessoa. «Hoje em dia qualquer pessoa pode salvar vidas», considera o cardiologia João Freitas, responsável pela observação dos exames cardiológicos dos atletas do FC Porto. «O mais importante que aconteceu nos últimos dez anos é a utilização de desfibrilhador automático, que já é possível encontrar nos estádios e não obriga que seja um médico a utilizá-lo», acrescentou.

O DAE é um dispositivo portátil que permite, através de elétrodos adesivos colocados no tórax de uma vítima em paragem cardiorrespiratória, analisar o ritmo cardíaco e recomendar ou não um choque elétrico. Este equipamento regista som, eletrocardiograma, fornece indicações aos reanimadores, analisa os dados e indica o choque ou não, segundo o algoritmo pré-definido.



Nos Estados Unidos estes dispositivos estão instalados em todos os colégios e em Portugal está a ser feito um trabalho importante para a sua massificação. Muito recentemente, a 8 de agosto de 2012, o decreto-lei 184/2012 veio tornar obrigatória, até setembro de 2014, a instalação de equipamentos de DAE em determinados locais de acesso público, nomeadamente em estabelecimentos de comércio a retalho, isoladamente considerados ou inseridos em conjuntos comerciais, que tenham uma área de venda igual ou superior a 2000 m2; conjuntos comerciais que tenham uma área bruta locável igual ou superior a 8000 m2; Aeroportos e Portos Comerciais; Estações ferroviárias, de metro e de camionagem, com fluxo médio diário superior a 10 000 passageiros; Recintos desportivos, de lazer e de recreio, com lotação superior a 5000 pessoas.

Segundo dados fornecidos ao Maisfutebol pelo INEM, existem neste momento 296 Programas de DAE licenciados pelo INEM, aos quais correspondem 441 Espaços Públicos e/ou Viaturas, 635 Equipamentos de DAE e 7424 Operacionais de DAE.

Estes dispositivos são muito importantes porque o tempo é vital para evitar a morte. Perante situações de paragem cardíaca por arritmia o único tratamento eficaz é o suporte básico de vida e o choque de desfribrilhação elétrica, cuja eficácia decresce em 10% por cada minuto que passa, pelo que deve ser aplicado nos primeiros seis minutos após a paragem.

O que a genética pode trazer

Há uma nova esperança na prevenção de casos de morte súbita cardiaca. A utilização dos resultados da genética como meio auxiliar de diagnóstico clínico é já uma realidade em vários países desenvolvidos e é uma prática que se irá globalizar. Em Portugal surgiu no último ano HeartGenetics, uma «spin-off» do Instituto Superior Técnico responsável pelo desenvolvimento de uma metodologia que permite a optimização de plataformas que utilizam chips de DNA para o teste de um elevado número de alterações genéticas.

Esta nova tecnologia permite detetar se uma pessoa está sujeita a um risco elevado de sofrer de Miocardiopatia Hipertrófica, a principal causadora de morte súbita nos atletas. «Todos deviam fazer este teste. Isto representa uma esperança para o atleta. Estamos a dar oportunidades de vida. O primeiro sintoma de morte súbita é a morte súbita, por isso, não há esperança», considera Ana Teresa Freitas, investigadora e CEO da empresa.

«Os atletas que faleceram, infelizmente desconheciam ter uma bomba relógio que não foi desativada. Este chip permite prevenir a morte súbita, permite proteger o atleta e garantir a sua vida», acrescenta, embora na opinião do cardiologista Nuno Cardim esta tecnologia ainda tenha de ser mais desenvolvida para ser claramente eficaz:

«Muitas destas doenças que causam morte súbita são quase todas cardíacas e hereditárias. Como os estudos genéticos estão na berra, criou-se a ideia de que se as doenças são genéticas, com uma análise clínica poderemos detetá-las nos atletas. Mas o estudo genético só serve para confirmar a doença. Como os pacotes de screening ainda não identificam todos os genes ainda não podemos avançar mais, mas o estudo genético é já muito importante».

O papel da genética no despiste de problemas cardíacos nos atletas vai ser, aliás, motivo de discussão no congresso «Leaping Forward», que vai ocorrer durante o dia 17 de fevereiro em Lisboa. Trata-se de uma abordagem importante para a cardiologia nesta altura e pode vir a salvar vidas no futuro.