O livro não é novo (foi publicado no Brasil em 1995), mas surge como um poema que anima emoções: muita alegria e uma enorme tristeza. Para as gerações mais recentes Garrincha pode significar pouco, e com certeza valerá menos do que Pelé, Eusébio ou Maradona, mas para os verdadeiros amantes do futebol surge como um símbolo no estado mais puro, pelas maravilhas que desempenhou em campo.
«Estrela Solitária, um brasileiro chamado Garrincha» (Companhia das Letras) é um livro que se cola à memória do leitor, não só pelos traços da história deixados pelo ex-jogador, mas também pela escrita simples e certeira do brasileiro Ruy Castro. Tudo começa muito antes de o «demónio das pernas tortas» nascer, mais precisamente no tempo do seu avô, de ascendência índia, e com passagem obrigatória pelo pai de Garrincha, um senhor respeitável com queda para a bebida. Uma herança que o «génio» não rejeitaria durante a sua existência.
Nascido a 28 de Outubro de 1933, em Pau Grande, localidade do interior do Rio de Janeiro, cedo Garrincha desenvolveu apetência para tocar na bola e torná-la mágica, guiando-a por caminhos fantásticos com o seu pé direito, prolongamento de bacia e perna torta. A paixão pelo futebol seria tão intensa como a que demonstrou pelas mulheres que preencheram a sua vida. Mané foi um portento, no relvado, como na cama, e por isso foi bicampeão mundial (58 e 62), campeão brasileiro e pai de mais de uma dezena de filhos, distribuídos pelas várias mulheres (e pelos vários países, como se comprova pelo sueco negro, Ulf). Elza Soares, respeitada cantora, foi a companheira de maior renome, tendo-lhe aturado os piores momentos, como o final da carreira e o caminho para o abismo através do álcool.
Garrincha era fantástico em campo, e para muitos conseguiu ser melhor que Pelé, mas o seu carácter afastá-lo-ia do trilho correcto. Venerado em todo o mundo, brilhou intensamente no anos 50 e 60, o que justificou a teimosia do Botafogo. O clube da estrela solitária nunca aceitou negociar a sua transferência e quando o fazia pedia mundos e fundos, verbas incomportáveis, mesmo para os italianos da Juventus. Garrincha tinha de jogar, sempre, e os problemas acabariam por surgir. O álcool nunca o impediu de jogar, nem mesmo as dores no joelho. Quando aceitou operar já era tarde e Mané cairia na desgraça, embora nunca o reconhecesse.
Para contar a história, o autor Ruy Castro realizou mais de 500 entrevistas com 170 pessoas, que estiveram directamente ligados ao ex-jogador. Como se lê na badana do livro de 536 páginas, «Garrincha renasce em Estrela Solitária como um herói, um herói tragicamente humano». Um testemunho de vida que se lê como um romance, em que as personagens são reais e contam o fulgor e a queda de uma das figuras mais marcantes do futebol mundial. Garrincha morreu a 20 de Janeiro de 1983, sem glória e afogado na desgraça do maldito álcool, mas com a certeza de nunca ter perdido pela selecção brasileira com Pelé em campo. No melhor e no pior, uma figura inesquecível e apaixonante.