A ‘Euro 2016 Network' reúne órgãos de comunicação social de vários pontos da Europa para lhe apresentar a melhor informação sobre as 24 seleções que vão disputar o Europeu de França. O Maisfutebol representa Portugal nesta iniciativa do prestigiado jornal Guardian. Leia os perfis completos das seleções que participarão no torneio:

Autor dos textos: Mátyás Szeli

Parceiro oficial na Hungria: Nemzeti Sport

Revisão: João Tiago Figueiredo

Os segredos dos jogadores da Hungria

Daniel Bode

Em criança, o avançado trabalhou a recolher pinos do bowling para ganhar dinheiro para comprar umas chuteiras novas. Jogou em várias posições antes de se assumir como ponta de lança no Ferencvaros. Num jogo das camadas jovens até foi guarda-redes, mas depois de sofrer três golos na primeira parte desistiu. Depois do intervalo jogou à frente, marcou um golo e foi expulso.

Melhor marcador da Liga húngara, é um favorito dos adeptos por causa da sua honestidade, inteligência e tendência para frases marcantes. Deixamos algumas das nossas preferidas…

Há uns anos, sobre a possibilidade de jogar na seleção: «Primeiro tenho de acertar bem na bola. Depois falamos disso.»

Em agosto, em direto na televisão, sobre ter ficado de fora de um jogo da seleção: «Para ser sincero, soube a m***»~

Sobre o golo às Ilhas Faroé, após jogada individual: «Queria atirar para as bancadas, mas falhei.»

Sobre a sua capacidade: «Sou um dos melhores do mundo desde que não haja bola ou adversário. Quando eles estão no relvado nem sempre corre bem.»

Attila Fiola

O seu pai era bombeiro e, mesmo que tenha passado muitas noites com ele no quartel, não quis seguir as suas pisadas. Mas também não era muito focado no futebol – até aos nove anos, altura em que um amigo o convenceu a ir treinar, emprestando-lhe umas chuteiras quatro números acima. Depois disso, passou a treinar com regularidade mas o amigo que o levou não chegou a vê-lo chegar à seleção, porque morreu num acidente rodoviário. Começou como ponta de lança ou extremo esquerdo e foi o melhor marcador da equipa do Paks de sub-15 e sub-17, mas quando se estreou como senior já era um médio defensivo. E daí recuou ainda mais para o centro da defesa, posição que prefere. Quando joga na consola, coloca-se a si próprio como central. Para finalizar, agora é a primeira opção da Hungria para…defesa direito.

Zoltan Gera

Passou uma infância difícil: desde tenra idade começou a fumar, beber, lidar com drogas e roubar a sua mãe. Não terminou o ensino obrigatório até que a religião apareceu na sua vida e mudou-lhe o percurso. Tornou-se um modelo desde aí. Aos 16 anos disseram-lhe que nunca seria profissional, mas o médio de poucas palavras jogou mais de 250 jogos pelo West Bromwich e Fulham antes de voltar ao Ferencvaros, onde venceu a dobradinha esta época e foi eleito o jogador do ano.

Adam Nagy

O médio de 20 anos, bem falante, ainda mora com os pais. Começou a chorar quando o pai o levou ao primeiro treino, mas rapidamente cresceu e começou a adorar o futebol. Com 12 anos disseram-lhe para desistir, porque não seria profissional. Mas dois treinadores convenceram-no a continuar e aos 16 anos foi para a, agora extinta, academia VSI em La Manga, Espanha. O diretor técnico da Academia, Bobby Davison, antigo jogador do Derby County e do Leeds, gostou muito dele e dois anos depois estava no Ferencvaros. Esta época passou a ser titular quase indiscutível e pode mudar de ares este verão.

Adam Szalai

Depois de uma derrota de 8-1 contra a Holanda, no apuramento para o Mundial 2014, o avançado falou aos jornalistas sobre os problemas da equipa. Disse que os adeptos são enganados com objetivos irrealistas e que as pessoas esperam milagres. Acrescentou que os treinadores húngaros estão sempre a dar facadas nas costas uns dos outros e depois de cada insucesso toda a gente fala e diz saber o que está mal.

Szalai disse que os jogadores húngaros precisavam jogar por grandes clubes para ter sucesso e não há um único talento de topo húngaro nos últimos 20 anos. O futebol húngaro tem de produzir talento, reconheceu, mas também precisa de treinadores experientes, mais do que pessoas que ainda estão a terminar o curso e a tentar culpar outra pessoa.

Criticou Sandor Egervani, treinador que estava de saída, dizendo que a equipa precisava de um treinador conhecedor e que motivasse a equipa. Em resposta, Attila Pinter, que treinava o Gyor, clube da Hungria, rebateu as críticas e disse que Szalai não tinha moral para falar. Algum tempo depois, Pinter foi nomeado selecionador nacional e Szalai disse que enquanto ele lá estivesse, não jogaria. Depois da derrota com a Irlanda do Norte, no primeiro jogo de apuramento, Pinter foi despedido e Szalai voltou.

Hungria em ação contra a Alemanha

Que jogador da Hungria pode surpreender no Euro?

Adam Nagy esteve bem contra a Irlanda do Norte, na sua estreia, em setembro, e tem melhorado consistentemente desde aí. O jovem médio defensivo tem uma boa capacidade de trabalho, é bom a intercetar passes e a iniciar os ataques.

Que jogador pode desiludir?

Balas Dzsudzsak. Pode ser o jogador que decide os jogos, mas como é a estrela da equipa enfrenta expectativas maiores e mais criticismo depois de más exibições. Ter falhado o final da época no Bursaspor por causa de uma lesão também não ajuda.

Até onde pode chegar a Hungria e porquê?

A maior parte dos adeptos já estão satisfeitos por a equipa se ter qualificado. A Hungria irá lugar pelo terceiro lugar do grupo e quatro pontos devem ser suficientes para o apuramento ou, se tiverem sorte, talvez até três. É mais provável que consigam vencer a Islândia no segundo jogo que será crucial. Certamente irão estar mais tempo a defender, mas terão as suas hipóteses de marcar. Mais do que provável, chegar aos oitavos de final é possível.

A figura: Gabor Kiraly

As famosas calças cinzentas de Kiraly

Gabor Kiraly olhava para a câmara e tentava conter as lágrimas. Estávamos em 1998 e o guarda-redes de 22 anos fazia a sua estreia na seleção, numa vitória sobre a Áustria, defendendo um penálti na sua primeira ação em campo.

«É fantástico ouvir os adeptos a cantar o meu nome. Tenho a sensação que isto é o início da nossa subida. Pedimos paciência, mas estamos a trabalhar nisso», afirmou, no final do jogo.

Havia algumas coisas que não sabia naquela altura. Primeiro que seriam precisos 18 anos e muitos falhanços para a Hungria chegar a uma fase final de uma grande competição e, depois, que ele ainda seria o guarda-redes titular.

Naturalmente, Kiraly é o único jogador que resta daquele jogo de 1998 e pode ser, ainda, o mais velho de sempre a jogar um Europeu. O torneio pode ser um final perfeito – embora ele não tenha dito que planeia retirar-se – para um longo caminho que começou na cidade ocidental de Szombathely.

Foi ali que Kiraly nasceu, no dia das mentiras, em abril de 1976.

O seu pai não ficou surpreendido que ela tenha decidido ser jogador de futebol, pois também ele tinha jogado como avançado na Haladas, equipa local. Foi lá que Kiraly começou, jogando mesmo durante o tempo em que teve de cumprir o serviço militar obrigatório.

Com 19 anos, recebeu um castigo de 10 jogos por atirar uma bola contra um árbitro depois de uma derrota. Isso levou-o a ter de trabalhar ainda mais e, graças ao seu talento e dedicação, rapidamente voltou a ser titular.

Não ficou muito tempo em Haladas. Em 1997 apareceu o Hertha Berlim, onde ficou por sete anos. Em 2004, o Crystal Palace levou-o para Inglaterra, acabando por ser emprestado a West Ham e Aston Villa, antes de se juntar ao Burnley e de voltar à Alemanha, para o Bayer Leverkusen e 1860 Munique. Depois veio o Fulham e, em 2015, o regresso ao Haladas.

Sobre o tempo em Londres, Király contou: «Os adeptos vinham de Munique a Craven Cottage vestidos com calças de fato de treino cinzentas. O meu filho era guarda-redes nos sub-11 do Fulham e o filho do José Mourinho também lá jogava, nos sub-15. Chegamos a falar algumas vezes, como pais. Ele é boa pessoa.»

Há uma história do seu tempo em Berlim que merece ser contada: uma vez iniciou um ataque atirando a bola contra a própria trave! Ele fazia isso constantemente nos treinos no Hertha mas o treinador dizia-lhe que ia para o banco se tentasse isso no jogo. Na última jornada, contra o Hamburgo, o Hertha tinha o terceiro lugar assegurado e simulou que ia fazer aquilo, o que levou o estádio a gritar, pedindo que o fizesse. Estas coisas já não fazem parte do jogo dele, mas continua a jogar com as calças que são a sua imagem de marca.

Começou por usar calças pretas porque em pisos duros é melhor jogar de calças. Num jogo, o Haladas não tinha nenhumas calças pretas limpas e Kiraly usou umas cinzentas. Venceu a partida e não perdeu nenhuma das oito seguintes. O Haladas garantiu a manutenção e Kiraly manteve as calças cinzentas.

«Alguns dos clubes onde joguei tinham de pedir à marca dos equipamentos para fazer umas para mim porque não tinham. No 1860 Munique até as vendiam nas lojas oficiais», conta.

Mesmo que as que usa agora não sejam as originais, o primeiro par está em sua casa guardado. Usou-as mais de 100 vezes. E não é a única peça de roupa que Kiraly acha que lhe dá sorte. Debaixo da camisola, usa uma t-shirt preta com um tigre e uma camisola de basquetebol com o seu número da sorte, o 13. É ele que lava as suas roupas da sorte e se viajar de avião, leva-as sempre na bagagem de mão.

As superstições não acabam aqui. Tem de ir no banco da frente no autocarro da equipa e coloca sempre primeiro a caneleira esquerda. Antes de cada jogo, desde 2000, ouve sempre a música «It’s my life», do Bon Jovi, nome que está escrito no seu carro, um Mini Morris.

Aliás, já conheceu o cantor. E conta a história: «No dia antes da última jornada da Liga 2012/13 Bon Jovi dava um concerto em Munique, mas eu não podia ir. Depois do jogo, o nosso assessor de imprensa disse-me que em vez de ir à zona mista devia ir para o relvado porque ia estar lá o Bon Jovi dali a uma hora. Estive 20 anos à espera daquilo, acho que nunca estive tão nervoso.»

Kiraly foi titular em dez dos doze jogos de apuramento da Hungria, incluindo o play-off com a Noruega. Sofreu apenas três golos nos primeiros três jogos e quatro no último, com a Grécia, que era praticamente a feijões.

A UEFA elegeu-o o melhor jogador dos play-offs.

Ao contrário de há 18 anos contra a Áustria, desta vez é um veterano jogador e armado com toda aquela roupa da sorte. Numa entrevista recente perguntaram-lhe o que faria se se esquecesse de levar algum daquele material. Respondeu rapidamente: «Isso não vai acontecer.»