Passinho a passinho, Pepa conseguiu chegar à Primeira Liga.

O técnico, de 35 anos, foi oficializado no Moreirense e vai estrear-se no escalão máximo do futebol português na próxima temporada, depois de ter passado por todos os escalões abaixo.

Treinou equipas de formação, liderou a subida da Sanjoanense dos distritais de Aveiro aos Campeonato Nacional de Seniores (agora Campeonato de Portugal) e fez uma época nesse escalão. Depois assumiu o Feirense na Segunda Liga e foi preponderante na subida do clube, apesar da demissão a sete semanas do fim. Agora...o topo.

O MaisFutebol falou com o treinador, que fez um raio-x a todo o seu percurso, desde o dia em que se estreou no Estádio da Luz como jogador até agora, não fugindo à questão do despedimento no clube da Feira. Sobre o Moreirense, disse que ainda não podia falar. Eis a história:

23 de janeiro de 1999.

O Benfica recebia o Rio Ave, no Estádio da Luz, vencia por duas bolas a uma e a cinco minutos do final, Graeme Souness chama o menino Pepa, coloca-o em campo no lugar de Nuno Gomes e em cima do minuto 90, o avançado faz o terceiro das «águias».

O futuro parecia risonho, Pepa parecia ter o mundo a seus pés, mas defraudou as expetativas e «perdeu-se»: «A minha carreira como jogador ficou aquém do que eu esperava porque prometi muito com aquela entrada, em que tive muita visibilidade, e isso acabou por ser prejudicial para mim. Criaram-se muitas expectativas, já se dizia que eu era isto e aquilo e não era, era um bom jogador, mas daí a ser um jogador de excelência vai uma diferença grande. Era como muitos outros, a diferença é que eu não tive juízo e por seis meses ou um ano de excessos paga-se muito caro.»

Tinha 18 anos quando se estreou na equipa principal do Benfica. Hoje, com 35 anos é treinador e pode estar a um passo de liderar uma conjunto do primeiro escalão, após uma subida gradual na carreira como treinador.

Na carreira de 2006/07 pendurou as botas como futebolistas e um ano volvido pegou na tábua e no apito e começou a treinar. Começou pela camadas jovens do Sacavenense e do Odivelas e foi subindo sustentadamente até chegar ao Feirense, que consigo ao leme quase toda temporada regressou ao escalão máximo do futebol português. O melhor mesmo é ser Pepa a explicar como projetou a sua carreira.

«Começar na formação foi tudo pensado. Quis passar por todos escalões da formação porque é diferente treinar um iniciado de mais velhos, que não tem a mesma facilidade que um juvenil por exemplo. Temos de trabalhar de forma diferente o futebol dos iniciados, os princípios e ideias de jogo. Nós queremos fazer coisas que nos iniciados não dá, nos juvenis já dá para fazer um bocadinho. Quis viver todas as experiências, perceber o que é um infantil, iniciado, juvenis, juniores, futebol feminino. Passei por tudo. Quando saí de Lisboa e cheguei a Aveiro só me faltava juniores e tive essa possibilidade no Taboeira, onde consegui a minha primeira subida de divisão. Quando acabou a época, coloquei um ponto final. Disse a mim mesmo: “Já chega! Vou pôr a formação numa gaveta e quero agora experimentar seniores.”»

Isto aconteceu no final da temporada 2009/10 e Pepa rumou a Tondela, para ser treinador adjunto de Filipe Morais, num clube que militava na Segunda Divisão B. A passagem foi curta porque surgiu um convite «irrecusável», mas foi no clube que atualmente está na Primeira Liga que percebeu que o seu futuro seria como treinador de futebol.

«Tive a possibilidade de ser adjunto do Tondela e foi aí que se deu o «clique». Percebi que gostava muito e tinha paixão por treinar. Uma coisa é paixão pelo futebol, mas o futebol tem muitos agentes desportivos, ser empresário, diretor desportivo, ser observador, ser jornalista desportivo, mas eu percebi que era aquilo que queria, que gostava de o fazer e que me era natural fazê-lo. Apanhei jogadores da minha idade, uns mais velhos, outros mais novos e criei uma empatia com aqueles jogadores do Tondela e percebi que queria aquilo, mas faltava-me um pouco de teoria.»

A teoria que faltava seria adquirida no Ensino Superior, no Instituto Piaget, no qual entrou no curso de Educação Física, mas não conseguiu terminar: «Não deu para continuar, eram muito caras as propinas e com três filhas para sustentar na altura (agora tem quatro) não tinha hipóteses de pagar 500 euros por mês, incluindo transportes e alimentação. Era impossível. Tive abdicar desse sonho/objetivo».

Surge então algo «irrecusável», mesmo que esse convite fosse contra uma ideia que já tinha posto de parte.

«Em dezembro (de 2010), surge o convite do Benfica para ir para a formação. Eu tinha dito que não queria voltar para a formação, mas era um convite irrecusável, por tudo: pelo Benfica, porque senti que a forma como saí não foi a melhor, mas sabia que lá dentro tinha esperança de limpar a minha imagem, para fora não dava porque não teria impacto para adeptos e sócios, mas eu tinha deixado uma imagem errada daquilo que eu era e queria corrigir.»

Assim foi, Pepa ficou na formação do Benfica até 2013, quando decidiu partir para o objetivo de liderar um plantel sénior. Do Seixal trouxe a teoria que precisava e a sensação de dever cumprido.

«Tenho a plena convicção de que os três anos que passei na formação do Benfica serviram para duas coisas: uma foi para beber muito de teoria com treinadores de excelência, desde o falecido Jaime Graça, o professor João Santos, o Luís Nascimento que me marcou muito, o Bruno Lage, o Renato Paiva. Eram quase todos professores e bebi muito de teoria, numa via mais académica. Fez-me crescer e depois consegui deixar no Benfica pessoas de coração e tenho a certeza que se falarem do Pepa aos jogadores que apanhei lá, aos funcionários, vão lembrar-se de mim como competente e sério e o que fica na vida são esses valores.»

A próxima etapa foi a Sanjoanense, um clube do distrito de Aveiro que estava nos distritais.

«Depois de três anos, tive uma conversa com o diretor geral da formação da altura, o Armando Carneiro e achei que estava na minha altura de sair porque estava longe da família, porque já tinha bebido em termos de conhecimento o que precisava, não quero com isto dizer que tinha aprendido tudo pois estamos sempre a aprender todos os dias. Na altura, senti que ia ficar sempre ligado à formação, mais um ano e mais um ano, e optei por dar o passo e sair porque havia a possibilidade de treinar a Sanjoanense.»

Tornou-se um ídolo dos adeptos quando treinava a Sanjoanense

Houve quem aconselhasse Pepa a não dar este passo, por ser um clube da distrital, mas o treinador seguiu o seu próprio instinto: «Fui aconselhado a não o fazer, mas posso ter cinco pessoas próximas a dizer para ir para a direita, mas se a minha convicção é ir para a esquerda, vou para a esquerda! Não quero dizer que não ouça as pessoas, mas vou com as minhas ideias e se tiver que morrer, morro com elas.»

«A vontade era tão grande de trabalhar com seniores», contava o mister que nem olhou para trás. Assinou e logo na época de estreia, numa temporada em que a Sanjoanense «tinha desinvestido» e cujo objetivo era o quarto, quinto ou sexto lugar, foi campeão, subindo ao Campeonato Nacional de Seniores (agora Campeonato de Portugal) e venceu a Supertaça de Aveiro.

Esse feito foi fruto da sua forma de ser: «Sou muito ambicioso. Queria entrar em todos os campos para ganhar e as coisas foram-se construindo. O futebol era positivo, os jogadores tinham grande empatia, havia uma grande exigência, o que não era fácil com jogadores que trabalhavam durante o dia.»

Tudo correu na perfeição e a época seguinte foi novamente positiva. A Sanjoanense, que não estava há muito naquela divisão e sempre que estava voltava a descer, terminou a temporada no quinto lugar e isso fez soar os alarmes da Segunda Liga.

O convite do presidente do Feirense…que inicialmente mandou «passear»

Pepa saiu no final de duas temporadas da Sanjoanense e já só pensava que não ia treinar ninguém e eis que o telefone tocou. Era Rodrigo Nunes, o presidente do Feirense: «Até o mandei passear porque pensei que estavam a gozar comigo. Depois é que percebi que era ele pela voz, que lhe é característica. Tinha noção que a nível distrital, na zona de Aveiro, tinha feito um bom trabalho e que era falado para aqui e para acolá, mas sinceramente não estava a pensar que fosse falado para um Feirense.»

Era mesmo verdade e Pepa chegava a um clube da Segunda Liga, após passar por todos os escalões de formação, pela distrital e pelo Campeonato Nacional de Seniores. Se como jogador foi dos juniores ao estrelato num instante, como treinador tudo foi gradual.

Pepa conheceu Rodrigo Nunes, numa espécie de «entrevista», e o objetivo ficou definido: «O objetivo era fazer o melhor possível, subir em dois anos, mas se pudéssemos subir no primeiro, não iriámos subir no segundo.»

Se analisássemos as equipas pelos orçamentos, o Feirense não era candidato, mas isso a Pepa pouco importa: «Não era um objetivo declarado e com orçamentos como outros clubes mas essa história dos orçamentos a mim… Ajuda, como é óbvio, mas lá dentro são 11 para 11 e antes disso há muito trabalho durante a semana. Há coisas muito mais importantes que ter um orçamento maior que outro, isso pode perfilar na teoria o mais forte candidato, mas na prática, o dia a dia e o trabalho são o primeiro critério para definir quem tem unhas para andar lá em cima.»

Pepa contou que a época começou com «dificuldades», que a sua equipa e o Desp. Aves foram as que começaram mais tarde, mas em outubro já não tinha dúvidas que ia subir.

Só que a sete semanas do fim, e numa altura que o Feirense estava a dois pontos da subida, Rodrigo Nunes abdicou de Pepa. O clube tinha perdido em casa com o Freamunde e por isso perdeu o seu lugar de promoção, mas tudo estava vivo. A série de resultados não era a mais positiva, mas Pepa não duvidava da subida.

«Tivemos derrotas seguidas, mas os jogadores nunca abanaram e eu nunca abanei. Ficámos dececionados e tristes com o que aconteceu, por exemplo na derrota com o Sp.Braga B. Eles foram felizes, roçaram a excelência e nós fomos muito perdulários. Em Famalicão perdemos 1-0 com menos dois homens e no último minuto, uma derrota difícil de digerir. Depois o jogo com o Atlético, onde falhámos o penálti na primeira parte, fizemos golo na segunda e acabámos por ser surpreendidos, no último minuto. Tivemos uma reação fortíssima, ganhámos ao Leixões e ao Benfica B e empatámos no Santa Clara, num jogo em que estávamos a jogar para ir para primeiro isolados.»

Ora, o Feirense não conseguiu a liderança e no jogo seguinte ia perder em casa, mas Pepa explica o que se passou: «Coincidência ou não, jogámos com o Santa Clara numa quarta-feira, com viagens pelo meio, jogo muito intenso num campo muito grande e o Freamunde por acaso não jogou. A seguir foram ganhar a nossa casa por 2-0. Foi aí que acabei por ser despedido. Fui apanhado de surpresa mas gosto de retirar as coisas positivas disto tudo.»

E reiterou: «Estávamos revoltados com o que tinha acontecido, mas não tínhamos dúvidas nenhumas. Sempre tive o discurso de, e os jogadores são prova disso: “não tenho dúvidas que nós vamos subir, a minha única dúvida era se seriamos campeões ou não, porque o FC Porto B estava a praticar um futebol de muita qualidade e muito regular.»

Pepa refere que a única razão apresentada para o despedimento foi um «abanão» que a equipa precisava de levar e que a competência nunca esteve em causa: «Acharam que era preciso mexer, abanar com alguma coisa. É o que eu digo, gosto de pegar nas coisas positivas. Todos os dias o diretor desportivo, por exemplo, via o trabalho que era feito, via a empatia com os jogadores e o presidente também via. Eles melhor que ninguém conseguiam perceber se eu tinha competência ou não. A competência nunca foi colocada em causa, não teve nada a ver com isso.»

O Feirense conseguiu a subida nos nove jogos finais, com José Mota ao leme, e no final da época, em entrevista ao MaisFutebol, Rodrigo Nunes afirmou que se não trocasse de treinador o clube não tinha subido. Pepa confrontado com as palavras, desvalorizou.

«O presidente é o rosto, a cara e o grande motor daquele clube, esse comentário… Uma coisa nós sabemos: a alteração foi feita e subimos de divisão, mas a outra situação não sabemos. O que me vale dizer se eu continuasse eramos campeões, se eu continuasse ficávamos em segundo ou subíamos em terceiro? Não vale nada. Até podíamos não ter subido, não sei nem nunca vou saber. Isto não volta atras.»

Uma coisa é certa para o treinador, que colocou o Feirense na rota da subida, que foi apenas eliminado pelo FC Porto nos «oitavos» da Taça de Portugal e que na Taça da Liga venceu mesmo a equipa de José Peseiro: «O que eu sei é que o clube é fantástico, que nós fizemos um trabalho extraordinário, o José Mota fez um trabalho extraordinário a dar continuidade ao que foi feito. Esse tipo de comentários não quero valorizar, valorizo o que foi conseguido. Agora se foi com o Mota, se foi com o Pepa, foram todos: foram os jogadores, foi o diretor Manuel Fernandes, que ia para lá às sete e oito da manhã fazer o pequeno-almoço, foi o sr. Barbosa, o sr. Cunha, o sr. Manel da rouparia, a esposa dele, essa gente toda que fez um trabalho fantástico que tem que ser valorizado.»

Pepa considera que mesmo a dois pontos de lugares de subida nada estava «beliscado» e mesmo assumindo que ficou «muito triste» com a decisão do presidente, agradeceu a oportunidade: «Fico tranquilo porque sei o que foi feito. Ele e o diretor desportivo acompanhavam quase todos os dias o trabalho realizado. Podia estar ressabiado, com bocas mas não é o sentimento que tenho. Tenho é que agradecer, porque se o trabalho era feito a nível distrital, se calhar com a oportunidade que o presidente Rodrigo Nunes me deu, o trabalho foi reconhecido a nível nacional.»

A saída deixou Pepa «de rastos», mas o técnico fez apenas uma promessa aos jogadores até final: «Fui apanhado de surpresa, tanto é que prometi ao grupo de trabalho que me ia afastar, que não ia dar qualquer tipo de entrevista. Tudo que eu pudesse fazer para ajudar, ia fazer. A melhor coisa que eu podia fazer era estar calado, não dar entrevistas, não ir ver jogo nenhum, e assim fiquei durante sete semanas a sofrer muito por fora e a festejar que nem um doido sozinho.»

Mas no final, a subida foi festejada como se lá estivesse em Chaves: «É uma dor inexplicável não estar com eles, mas o sentimento é tremendo de um sonho alcançado no primeiro ano que estou a treinar uma equipa profissional, não há palavras.»

E terminou o tema assim: «Vou estar eternamente grato ao presidente, independentemente do que foi dito e de me ter despedido a sete semanas do fim, vou estar sempre grato ao presidente e ao clube.»

Pepa com Bernardo Silva nos juniores do Benfica, em 2011/12

Agora o sonho...um Pepa de Primeira.

Olhando para a carreira de Pepa, a lógica diria que o próximo passo seria a Primeira Liga e foi mesmo que aconteceu. O treinador salienta primeiro o percurso na última temporada e ressalva os elogios feitos: «O futebol praticado foi muito positivo, para uma Segunda Liga que tem fama de muito combativo, competitivo e com muita luta. Isso foi reconhecido por senhores do futebol, como o Vítor Oliveira, o Luís Castro, entre outros adversários como o Julen Lopetegui e depois o Peseiro. Dá gosto ouvir esse tipo de comentário de pessoas com muitos anos disto e muita competência adquirida.»

Sobre o futuro, antecipa a chegada à Primeira Liga: «É uma situação gira porque nunca ninguém me deu nada no futebol, não tenho nenhum pai nem nenhuma mãe ricos que me possam empurrar para aqui ou para ali. Se fui para a Sanjoanense foi por mérito, competência e trabalho, se o presidente Rodrigo Nunes me convidou para treinar o Feirense foi pelo trabalho, pelo carácter, personalidade e futebol praticado que a Sanjoanense teve durante dois anos.»