O Sol está no ponto mais alto quando o Maisfutebol entra no Estádio do F. C. Padroense, em Matosinhos. O complexo alberga um sintético e um relvado onde centenas de miúdos, distribuídos em vários grupos, treinam sob a orientação de 30 treinadores que integram o programa denominado Individual Football Training [IFT]. Traduzido para a língua de Camões significa Treino Individual de Futebol.
 
«Grande leitura, Chico.»

As instruções técnicas ecoam nos dois campos e confundem-se com o som das chuteiras a bater na bola. Este é o quarto dia da semana organizada pela IFT que, tal como os restantes dias, começou bem cedo.

Atletas dos mais variados países, a bola como linguagem universal.

O desenvolvimento da capacidade futebolística de cada um é a essência do projeto e todos os miúdos vêm pelo sonho de serem jogadores. Este projeto abre-se a chineses, checos, brasileiros, venezuelanos e russos que se juntam a atletas dos mais importantes clubes portugueses.

Nicolai é um desses miúdos. O jovem russo viaja com os pais e frequenta vários programas de desenvolvimento individual na procura de cumprir o sonho de ser jogador de futebol.

«Costumo viajar com os meus pais e já participei em campos em Inglaterra e Espanha. Normalmente, o meu pai procura conhecer estes campos de verão através da Internet e este ano inscreveu-me. Enquanto os meus pais estão a visitar a cidade, fico a treinar. Este é o meu primeiro ano aqui», conta Nicolai timidamente em inglês.

Da Europa central, mais precisamente da República Checa, chega Vaklav. O atleta dos quadros do Sparta Praga repete a presença pelo segundo ano consecutivo, desta feita sem os três amigos pelos quais se fazia acompanhar no verão transato.

«Participei em campos de treinos do Ajax e Hertha, para além deste. Fiquei a conhecer este programa através da Internet e decidi experimentar. Este ano vim sem os meus amigos de forma a estar mais perto dos restantes. O futebol aqui é muito diferente daquele que é praticado na República Checa. É muito mais rápido e técnico. Quando regressei ao meu clube após a primeira experiência, senti-me mais preparado do que os meus companheiros», afirma o jovem de 13 anos.

O caso de Maurício é diferente dos outros colegas. Este venezuelano de nascimento viu-se obrigado a abandonar a terra natal devido ao regime de Nicolás Maduro. O facto de ter um avô de nacionalidade portuguesa trouxe-o até Portugal e foi, através da IFT, que teve o primeiro contacto com o futebol do Velho Continente. Depois da estreia neste programa há dois anos, nunca mais falhou uma edição.

«Devido à situação política do meu país, os meus pais decidiram emigrar e vir para Portugal. Depois um amigo falou-me da IFT e decidi experimentar. Senti que evoluiu durante o programa, sobretudo o meu pé mais fraco. Depois de sair daqui consegui arranjar um clube para jogar», refere o atual jogador do Pasteleira, clube da cidade do Porto.
 

FOTO IFT: Francisco Matos, um dos organizadores.


Mas afinal o que é a IFT?

É uma organização que se dedica ao desenvolvimento das capacidades técnicas individuais de jogadores de futebol pertencentes aos mais diversos clubes portugueses e internacionais. Todos os anos, durante o Verão, a organização realiza um Curso Intensivo de Técnica Individual durante uma semana do mês de julho.

«Os objetivos do nosso programa são desenvolver as capacidades técnicas individuais e preparar a nova época desportiva. Este projeto acaba por funcionar como uma espécie de explicadora da escola. É um complemento ao trabalho que os clubes realizam com foco na vertente técnica», introduz Francisco Matos, um dos pilares da iniciativa, em conversa com o nosso jornal.

«Criamos contextos com graus de dificuldade distintos relacionados com a componente técnica até os jogadores aplicarem essas ferramentas técnicas no contexto de jogo. O rendimento individual acaba por aumentar o rendimento coletivo. Ao mesmo tempo permite aos jogadores manterem-se em forma quando estão de férias», acrescenta o treinador.

Refira-se ainda que ao mesmo tempo que treinam, os jogadores usufruem de um ginásio com piscina e de alimentação em espaços com os quais a IFT estabeleceu protocolos.

Barcelona, cidade em que um miúdo chamado Óliver Torres foi protagonista

Este projeto nasceu há cinco anos em Portugal. A iniciativa de lançar este programa em solo português surge através de Francisco Matos e Álvaro Madureira, após sete anos de experiência em Barcelona em programas semelhantes.

«Ainda frequentava a faculdade e todos os meus colegas procuravam trabalho nas Férias Desportivas. Naquele momento, decidi procurar na Internet algo relacionado com futebol. Encontrei o projeto da Fundação Marçet e fiz um pedido de estágio. Fui aceite e viajei para Barcelona. Quando um dos treinadores adoeceu, estava lá e acabei por o substituir. Os responsáveis gostaram do meu trabalho. A partir daí, fui todos os anos», recorda Francisco Matos que rumou a Espanha com o amigo Álvaro Madureira.

Durante esses anos na Cidade Condal, um talentoso miúdo chamado Óliver Torres era presença assídua entre o grupo de inscritos nesse programa espanhol.

«O Óliver Torres já com 12 aninhos era um craque. Demonstrava uma grande paixão pelo treino. Era algo impressionante. Naquela altura, salvo erro, ele tinha ido fazer testes ao Barcelona e não tinha sido aceite», continua o técnico.

O aspeto franzino escondia um talento enorme com a bola nos pés. Palavra de quem viu em tenra idade o atual médio do FC Porto.

«Os pais vinham vê-lo treinar e ele não queria saber. Mesmo depois de terminarmos os treinos, ele não saía do relvado. Um dia, lembro-me perfeitamente, estávamos a realizar um exercício de 1x1 com finalização. Então, o Óliver Torres encara o defesa e decide levantar-lhe a bola por cima de antes de fazer um "chapéu" ao guarda-redes. Os restantes miúdos que estavam na bancada ficaram malucos!», lembra, com grande entusiasmo.


Terminada a experiência em Espanha, os dois treinadores optaram por fixar o projeto em Portugal, acrescentando uma metodologia própria contextualizada com a realidade dos jogadores portugueses. Contudo, os primeiros passos não foram propriamente certeiros, devido aos entraves colocados por grande parte dos clubes.

«Aprendemos muito em Barcelona com pessoas que estudavam isto e em determinado momento, sentimos que havia espaço para um projeto deste tipo em Portugal. Ainda assim, no início os clubes acharam que estávamos a criar um espaço de recrutamento de atletas. Partimos muita pedra. Fecharam-nos muitas portas, tivemos reuniões frequentes com os coordenadores de formação dos clubes até eles [responsáveis dos clubes] perceberem que isto funciona como um complemento. E o projeto continuou e cresceu», conta Álvaro Madureira, o cofundador do projeto e treinador do Foz, formação da cidade Invicta.

O programa ganhou forma, a muito custo diga-se, em solo português e tem sofrido um crescimento gradual. No espaço de cinco anos, as inscrições passaram de 70 para 230 atletas.

«Este ano tivemos que recusar várias inscrições. Deixámos de fora praticamente meia centena de atletas porque temos claras limitações de espaço», salienta Francisco Matos.

Embora a ideia inicial fosse realizar o programa no Estádio Rei Ramiro, em Candal a «enorme quantidade de futebolistas» obrigou-os a mudaram-se para o Estádio do Padroense. 
 

FOTO: IFT



Por norma, a Internet funciona como forma de propaganda ao programa e a inscrição é realizada online.
Tem um custo de 160 euros, bem diferente dos preços praticados na vizinha Espanha que oscilam entre os 500 e os 600 euros.

Este é um local aberto a todos em que a única condição é ser atleta federado. A essência deste projeto é o futebol e enquanto houver paixão pelo treino e vontade de ser melhor o programa vai continuar a expandir-se em Portugal. Ou, quiçá, começar por uma experiência no estrangeiro.

«Queremos crescer mais e criar polos em outros pontos do país. Lisboa e Algarve, por exemplo. O que nos distingue é a qualidade do treino individual. O mercado não nos assusta porque existe espaço para toda a gente», afirma o treinador do Foz.

Por sua vez, Francisco Matos realça a ambição do projeto e aponta para os mercados estrangeiros para a continuação do seu desenvolvimento.

«Queremos dar passos de qualidade. Preferia que fosse no estrangeiro e até já tivemos propostas nesse sentido. Mas acho que neste momento ainda precisamos de cimentar totalmente as bases aqui antes de dar esse passo».

Quem sabe, porventura, daqui a uns anos, a IFT ganhe novo fulgor além-fronteiras.

Atualmente a base deste projeto está sediada no Porto. E talvez haja um Óliver Torres a crescer entre tantos outros miúdos que lutam por um sonho.