O «caso» a que chamaram WAGatha Christie terminou, depois de atrair enorme atenção mediática, dos tabloides à imprensa chamada de referência, fazer as delícias das redes sociais e pelo meio meter até a seleção inglesa ao barulho. Tudo porque duas mulheres com apelidos famosos se zangaram e acabaram em tribunal. Coleen Rooney e Rebekah Vardy levaram de novo para primeiro plano o universo WAG, as mulheres e namoradas de jogadores feitas celebridades, que ganhou expressão máxima em Inglaterra e causou embaraços na seleção. Mas que, paradoxalmente, já não tem a dimensão doutros tempos.

«Isto deu a sensação de fim. É muito uma coisa dos anos 2000, do Mundial 2006, um produto do jornalismo tabloide britânico daquela era. Já não acontece tanto. Os jornais já não fazem o mesmo tipo de histórias intrusivas sobre relações pessoais», observa Jim Waterson, editor de media do jornal Guardian, que acompanhou o julgamento.

Comecemos por aí. «Foi muito divertido», conta o jornalista ao Maisfutebol: «Podia-se fingir que era uma história sobre os media, que era sobre futebol, que era sobre poder e dinheiro e também que era sobre duas pessoas que simplesmente não gostavam uma da outra. Pareceu um bocado que elas estavam num espetáculo para divertimento da nação.»

A nação divertiu-se com toda a história que tinha de um lado a mulher de Wayne Rooney, agora treinador, e do outro a de Jamie Vardy, avançado do Leicester. Eram amigas, tal como os maridos, companheiros na seleção da Inglaterra. Um dia deixaram de ser. E levaram tudo para as redes sociais. Em outubro de 2019, uma publicação de Coleen Rooney falava do «fardo» na sua vida que era a revelação no jornal Sun de informações que publicava na sua conta privada no Instagram e contava como se dedicou a «investigar», qual detetive dos livros de Agatha Christie. Bloqueou o acesso a toda a gente, menos a uma conta, e foi publicando informações, a ver se iam parar ao Sun. Et voilá. A revelação chegava no final do texto: «É a conta de…….. Rebekah Vardy.»

Rebekah Vardy negou, disse-se ofendida e processou Coleen Rooney por difamação. O Supremo Tribunal de Londres, dedicado a processos civis, ainda tentou que chegassem a um acordo, mas não aconteceu. Foi mesmo para julgamento, que decorreu em maio deste ano, com direito a cobertura mediática ao minuto e diretos televisivos, ao longo de sete sessões que analisaram todos os pormenores e procuraram deslindar mistérios como o facto de o telemóvel da agente de Rebekah Vardy, que teria mensagens comprometedoras trocadas entre ambas, ter ido parar misteriosamente ao fundo do mar durante um passeio de barco. «Foram histórias muito estúpidas sobre pessoas que não são assim tão famosas. O engraçado foi o contraste entre a abordagem legal muito séria e a natureza muito tonta daquilo de que se tratava», sorri Jim Waterson.

Uma conversa «embaraçosa» no Euro 2016

A certa altura entrou a seleção de Inglaterra na conversa. Wayne Rooney, que deixou de jogar em 2021 e é ainda o maior goleador de sempre da Inglaterra, acompanhou a mulher ao longo do julgamento e depôs em tribunal, para revelar que as indiscrições de Rebekah Vardy já tinham causado problemas na seleção durante o Euro 2016. Contou Rooney que o selecionador Roy Hodgson e Gary Neville, então adjunto, estavam preocupados com uma coluna que Rebkah Vardy assinava no Sun e lhe pediram para falar com Jamie Vardy: «Perguntaram-me se como capitão podia falar com o sr Vardy sobre questões relacionadas com a sua mulher. Sabíamos todos que era um assunto embaraçoso. Tinha de falar com o sr Vardy e pedir-lhe para falar com a mulher – e pedir-lhe para pedir à mulher para se acalmar.» Fora do tribunal, Vardy negou que essa conversa tivesse existido.

O fenómeno das WAG caminhou desde sempre ao lado da seleção inglesa. Aliás, nasceu formalmente no Campeonato do Mundo de 2006, quando as esposas e namoradas dos jogadores, algumas delas já personalidades mediáticas como Victoria Beckham, viajaram para a Alemanha e passaram a competição juntas e a alimentar as capas dos tabloides.

Do Mundial 2006 para a fama

«A razão por que as mulheres dos jogadores se tornaram uma coisa foi uma criação dos jornais. Do que é que os nossos leitores gostam? Gostam de futebol. Do que é que gostam mais? Gostam de celebridades e relações. Ótimo: podemos ter isso tudo junto numa história», analisa Jim Waterson: «Foram literalmente os tabloides em 2006 que decidiram fazê-lo. Em parte porque havia algumas mulheres famosas, havia um Mundial, elas estavam todas juntas a embebedar-se em Baden Baden, na Alemanha, e basicamente estavam lá todos os jornalistas, estava lá toda a gente, toda a gente estava aborrecida e criaram isto. Eles decidiram: ‘Vamos fazer disto uma coisa’.»

A relação convinha a todas as partes. E teve sucesso porque o público se interessava, claro. A curiosidade pela vida das ditas «celebridades» é universal, considera Waterson: «Todos gostamos. Todos gostamos de ver o que as outras pessoas estão a fazer.»

O incómodo de Roy Hogdson de que falava Rooney também não era novo. Depois do Mundial 2006, e nomeadamente com a chegada de Fabio Capello em 2008, passaram a ser impostas na seleção barreiras ao circo que representava a proximidade entre as mulheres e a equipa nas grandes competições. Mas as WAGS já se tinham tornado uma indústria lucrativa, com reality shows dedicados e toda uma máquina mediática a rolar.

Ao longo dos anos, e com a afirmação das redes sociais, isso foi mudando. «Agora, uma mulher ou namorada de um jogador pode ter uma conta de Tik Tok com dois milhões de seguidores, uma conta de Instagram com três milhões. Não precisa de lidar com os media. Pode fazer ‘vídeos confessionais’ nas redes sociais e controlá-los por completo», diz: «Também decorre do facto de dois ou três jornais já não terem o dinheiro ou o poder que tinham. Se pensarmos que um tabloide britânico em 2006 pagaria dinheiro a amigos de futebolistas sobre a sua vida amorosa, agora, por uma combinação de dinheiro e motivos legais, eles não têm o dinheiro e não vale o risco legal.»

Uma geração «mais socialmente consciente»

O fenómeno não acabou, naturalmente. As redes sociais potenciam hoje de forma ainda mais massiva uma série de celebridades e influenciadores e entre elas continua a haver mulheres que são conhecidas pela sua ligação a jogadores. Além do público, o espaço mediático de entretenimento continua a alimentar-se disso, mas agora à boleia das redes sociais. Por todo o lado e também em Inglaterra. «O jornalismo de celebridades agora é muito escrever algo que alguém publicou no Instagram, as coisas ‘oficiais’».

Mas o conceito de WAG, que ainda que alimentado pelas próprias protagonistas era acusado por muitos de ser na essência sexista, já não está no centro das atenções. Nem é esse o foco no espaço público da maioria dos jogadores de futebol e de quem os rodeia. Como nota Jim Waterson: «Aquela geração de jogadores ingleses já não existe. E a nova geração fala sobre o seu trabalho a tentar reduzir a pobreza, sobre fazer as crianças sentirem-se empoderadas na escola. Esta é uma era muito mais socialmente consciente.»

Para não deixar a intriga do «caso» Wagatha Christie sem desfecho, resta dizer que o tribunal considerou que as alegações de Coleen Rooney eram «substancialmente verdadeiras». Portanto, Rebekah Vardy perdeu e foi agora condenada a pagar a Rooney os custos legais do processo, no valor de 1.5 milhões de libras, qualquer coisa como 1.72 milhões de euros.

Mas o «espetáculo para divertimento da nação» vai continuar. O que quer dizer que vai continuar a render, porque já há várias séries e documentários em volta de toda a história na calha.