São papoilas, mas não são apenas papoilas. Saltaram de símbolo de homenagem às vítimas da guerra para o centro de uma frente de conflito entre a Inglaterra e a FIFA, que já envolve a primeira-ministra britânica. Por enquanto estamos neste ponto: «Vai haver papoilas em Wembley.» Palavra do presidente da FA, a Federação inglesa.

Já aconteceu há cinco anos e volta a acontecer agora. O jogo entre Inglaterra e Escócia de qualificação para o Mundial 2018 calha a 11 de novembro, dia em que o Reino Unido celebra o «Dia da memória». E as duas seleções querem que os seus jogadores usem braçadeiras com papoilas, como tem sido tradição no futebol britânico. Também Gales pretende fazê-lo no seu jogo do dia 12 com a Sérvia.

Embora não haja ainda uma posição oficial pública da FIFA sobre o assunto, o presidente da Federação escocesa revelou que a resposta inicial do organismo internacional foi a de sempre: não é permitido utilizar os equipamentos para mensagens políticas, religiosas ou comerciais. E a BBC cita a nova secretária-geral da FIFA, Fatma Samoura, a dizer que pode ocorrer «qualquer tipo de sanção». 

O que levou a reações indignadas de vários políticos, incluindo Theresa May. A primeira-ministra britânica foi bem direita ao ponto fraco da FIFA, envolta nos últimos tempos em escândalos de corrupção, suspeita e descrédito. «Antes de começarem a dizer-nos o que fazer, deviam começar por arrumar a casa deles», disse May, considerando a posição da FIFA «ultrajante»: «Os nossos futebolistas querem homenagear os que deram a vida pela segurança. Acho que é de toda a justiça que possam fazê-lo.»

Um deputado britânico, John Whittingdale, defendeu mesmo, em declarações à BBC, que a Inglaterra devia usar a papoila, «mesmo que corra o risco de perder pontos.»

São muitas reações políticas a este «Poppy Gate», para mais considerando que um dos principais argumentos usados contra a proibição da FIFA é de que a papoila não é um símbolo político.

O presidente da Federação inglesa disse que haverá seguramente homenagem a 11 de novembro em Wembley. «Estamos a equilibrar o respeito entre as vítimas e as suas famílias com o respeito pelo organismo que tutela o futebol, e estamos a negociar de boa fé com a FIFA para tentar encontrar uma solução. Mas haverá papoilas em Wembley», disse Greg Clarke à ITV.

O secretário-geral da FA foi mais longe e disse à BBC que tanto a Inglaterra como a Escócia vão mesmo usar braçadeiras negras com a papoila, por «uma questão de princípio», acreditando que não haverá sanções pesadas: «Não é um símbolo político e acho que muitos concordarão connosco. Achamos que não estamos a violar regulamentos, eles é que estão a interpretá-los mal. Acho que não haverá nenhuma consequência draconiana.»

Já assistimos mais ou menos a este filme em novembro de 2011, quando a Inglaterra quis usar papoilas num jogo com a Espanha. Então também houve protestos políticos ao mais alto nível e até manifestações à porta da sede da FIFA, em Zurique. E a FIFA cedeu, permitindo as braçadeiras com as papoilas em campo. Não apenas no jogo da Inglaterra, também Gales as usou num particular com a Noruega nessa altura.

A tradição da papoila vem da I Guerra Mundial, inspirada no poema «Nos campos da Flandres», do canadiano John McRae, que morreu ele próprio em combate na Bélgica.

Assim termina o poema:

«Se trairem a fé em nós que morremos/

Jamais dormiremos, embora as papoilas cresçam/

Nos campos da Flandres»

A papoila tornou-se símbolo de homenagem aos militares que morreram na guerra nos países da Commonwealth, sobretudo no Reino Unido e Canadá, a nação onde a tradição está mais enraízada.

Com o tempo, a papoila deixou de evocar apenas as duas grandes guerras e passou a assinalar todos os conflitos armados que se lhes seguiram. No Reino Unido passou nos últimos anos a ser usada entre os últimos dias de outubro e o dia 11 de novembro, que é o «Remembrance Day», «Dia da memória» ou «Dia do armísticio», celebrado desde o fim da I Guerra Mundial.

Atualmente, as papoilas que os britânicos usam na lapela ao longo destes dias são uma forma de financiar a Royal British Legion, Legião Britânica, organização de apoio aos veteranos das forças armadas e suas famílias.

O futebol associou-se ao movimento também nos últimos anos. Desde 2010 passou a ser norma os clubes adotarem neste período camisolas com papoilas estampadas, ou usarem braçadeiras com papoilas nos jogos, iniciativa a que aderem todos os clubes da Premier League.

McClean, o não à «Poppy» em nome do Domingo Sangrento

Mas nem todos os jogadores. Se a maior parte dos futebolistas segue as orientações dos clubes e usa a papoila, há quem tenha decidido não o fazer, por questão de princípio. Como James McClean, o rosto mais notório do não à «Poppy».

Chegando novembro, o médio de 27 anos, agora a jogar no West Bromwich Albion, torna-se notícia. É o único que não usa a papoila na camisola: já foi assim no sábado passado, na receção do WBA ao Manchester City.

McClean nasceu na Irlanda do Norte. Mais precisamente em Derry, a cidade onde num domingo de janeiro de 1972 militares britânicos dispararam sobre dezenas de civis que se manifestavam na rua contra a detenção de alegados membros do IRA, matando 14 pessoas. Esse «Bloody Sunday», marco negro do conflito na Irlanda do Norte, é a fronteira que McClean traça para a sua decisão.

McClean recusou usar a papoila desde que chegou à Premier League em 2012, vindo do Derry City, então para jogar no Sunderland. Mas foi em 2014, depois de muita polémica sobre a sua atitude, que se tornaram claros os seus motivos. Então no Wigan, o médio escreveu uma carta ao presidente do clube a explicar por que não alinhava no movimento da papoila.

«Tenho todo o respeito pelos que lutaram e morreram em ambas as Guerras Mundiais – muitos dos quais nasceram na Irlanda», dizia. «Mas a Papoila é usada também para lembrar vítimas de outros conflitos desde 1945 e é aqui que o problema começa para mim.»

«Para as pessoas da Irlanda do Norte e para mim, especialmente os que são de Derry, palco do massacre do Domingo Sangrento de 1972, a papoila passou a ter um significado muito diferente. Por favor perceba, mr Whelan, que quando se vem de Creggan como eu, ou Bogside, Brandwell ou a maioria dos locais em Derry, toda a gente vive ainda na sombra de um dos das mais negros na história da Irlanda», prosseguia: «É uma parte de quem somos, embebida em nós desde a nascença.»

A cada novo clube, McClean tem voltado a explicar aos adeptos as suas razões. Fê-lo agora de novo no West Bromwich, com uma declaração no programa oficial do jogo com o City. 

McClean está habituado a lidar com a controvérsia. Teve de se habituar, desde que em 2012 decidiu trocar a seleção da Irlanda do Norte, que tinha representado nos escalões jovens, pela Irlanda. A decisão valeu-lhe insultos e ameaças, muitas das quais nas redes sociais. Na altura viu-se a obrigado a fechar a sua conta no Twitter e a polícia chegou a investigar ameaças de morte que terá recebido. Giovanni Trapattoni, o então selecionador, defendeu o jogador e levou-o mesmo à fase final do Euro 2012.

Na questão da papoila, McClean também não está sozinho. Há várias personagens públicas no Reino Unido que não usam a papoila na lapela no Dia da memória. E sempre que alguém o faz gera polémica. Um deles, o apresentador televisivo Jon Snow, diz que não usa a «Poppy» na lapela porque recusa tomar qualquer posição, seja de que natureza for, em antena. E definiu a indignação pela sua posição como «fascismo da papoila».

A questão da papoila tornou-se tão sensível que alimenta situações caricatas. Há um ano, foi viral uma imagem de David Cameron, ainda primeiro-ministro britânico na altura, nos canais oficiais do 10 de Downing Street nas redes sociais. Depois de ter sido notado que na imagem atualizada nesse dia de Cameron o político não usava a papoila, foi-lhe adicionada uma na lapela através de... Photoshop.