No final do último mês de dezembro, houve um momento que aqueceu o coração de adeptos ingleses. Durante o intervalo do jogo entre o Queens Park Rangers e o Bournemouth, um pequeno adepto de oito anos invadiu o relvado do Estádio Kiyan Prince Foundation.

O adepto chama-se Felix Martineau, foi ao centro do terreno acompanhado da irmã mais velha e fez levantar o estádio num aplauso quando tocou um sino: um gesto que serviu para assinalar o fim da vitória numa batalha de três anos contra a leucemia.

Foi um momento mágico, que mereceu uma ovação dos adeptos do Queeens Park Rangers.

Refira-se que em Inglaterra é tradição as pessoas lerem um poema e tocarem um sino quando vencem uma batalha contra o cancro.

«No caso de Felix, isso vai acontecer em campo, no intervalo do jogo contra o Bournemouth, frente a milhares de adeptos», anunciou o Queens Park Rangers.

«Toda a gente no clube está honrada por receber o Felix e a sua família no domingo.»

A leucemia foi, de resto, diagnosticada em 2018, quando o pequeno Felix Martineau tinha cinco anos, e o clube acompanhou o tratamento do jovem adepto durante estes três anos.

Depois daquela longa batalha, o clube combinou com o hospital e a notícia de que a leucemia tinha sido ultrapassada foi dada quando Felix Martineau estava a fazer uma visita ao Estádio Kiyan Prince Foundation. Para além disso, o menino ainda recebeu um telefonema de Ilias Chair, o jogador preferindo do QPR, que lhe deu os parabéns pela tremenda vitória.

No fim, tudo naquele instante foi enternecedor: o sorriso do menino, o abraço da irmã mais velha, os aplausos que se ouviram da bancada. Foi uma conquista maior do que um troféu.

Ora esta iniciativa do Queens Park Rangers serve de pretexto para uma visita a uma tradição enraizada no futebol inglês, tradição essa que alimenta a paixão dos adeptos pelo futebol.

Estamos a falar da atenção que os clubes dão às suas comunidades.

O envolvimento dos grandes emblemas ingleses com as populações locais, e em particular com os adeptos que os apoiam, faz parte da herança que o futebol inglês passa de geração em geração, e por isso é tão sagrado para as pessoas.

Vale a pena viajar por alguns desses exemplos, portanto.

O clube Extra Time do Watford

Josie Ogle estava preocupada com o marido John, que vivia a fase terminal da doença. Queria encontrar alguma coisa que abrisse um sorriso aos últimos dias do companheiro de uma vida quando descobriu que o clube da cidade, o Watford, tinha um clube social para maiores de 60 anos. «Se fosse numa igreja ele não iria, mas como era no clube de futebol aceitou ir.» A partir daí descobriram um local amigável, onde dançavam, jogavam damas, conheciam amigos e até faziam Tai Chi. Josie diz que mesmo naqueles dias em que se sentia com mais dores, o marido não aceitava não ir. «Fomos fazendo amigos e acho que ele viu que me deixava algo para me fazer companhia depois que ele morresse.» Josie diz que o clube Extra Time, financiado pelo Watford, até foi decisivo no apoio que lhe deu após a morte John.

Como o Norwich salvou a vida de Michael Douglas

Michael Douglas mudou-se para Norwich em 2002, quando uma série de tristes acontecimentos, incluindo um divórcio, o atiraram para a depressão e o alcoolismo. Este inglês perdeu tudo o que tinha e acabou a viver em albergues temporários. Até que descobriu o Street Life Soccer, um projeto do Norwich em que os treinadores do clube promoviam sessões de life coaching para pessoas necessitadas. «As sessões afastaram de mim os pensamentos negativos», confessou. Hoje tem o seu apartamento, terminou o nível II de treinador e trabalha no projeto Street Life Soccer.

Newcastle ajudou a integrar dois iranianos na escola

Quando Dyar Kakrash, de 8 anos, e a irmã Sakar, de três, deixaram o Irão e se refugiaram com os pais em Newcastle, colocaram um problema à West Walker Primary School: o que fazer com aquelas duas crianças que não falam uma palavra de inglês? A escola pediu ajuda ao Newcastle United, que tinha a solução dentro de portas: Shayan Gazerani era treinador da formação, responsável do projeto escolar da Fundação Newcastle e ele próprio professor de educação física em várias escolas da região. Além disso era também iraniano. Shayan Gazerani tornou-se então padrinho de toda a família, ajudando-a a integrar-se na cidade e na escola, e o clube até criou uma aplicação que ajudava as crianças a comunicar com os professores, quando tudo o resto falhasse.

Rivais unidos contra a fome

Há vários anos que o Liverpool e o Everton, dois vizinhos com uma história de rivalidade que já tem longas décadas, para muitos, até, a maior rivalidade do futebol inglês, se uniram contra a fome na sua cidade. Nesse sentido criaram uma iniciativa conjunta, que se materializou no Banco Alimentar para Apoio dos adeptos, que recolhe e compra comida para as pessoas mais necessitadas da zona de Merseyside, de onde ambos são originários. Ainda recentemente, aliás, uma campanha de angariação de fundos entre os jogadores das duas equipas recolheu 60 mil euros para o Banco.

Manchester United devolveu um rumo à adolescente Rhea

Rhea não se dedicava aos estudos, não tinha autoestima, não se envolvia com os colegas e não queria ir à escola. Foi então que os pais pediram ajuda à Fundação do Manchester United, que lhe atribuiu um orientador para estar sempre disponível para ela. «Se alguém está lá contigo, para te orientar e trabalhar ao teu lado, não há razão para não consigas alcançar o que desejas», explica Rhea. Quatro anos depois, a jovem acabou a escola secundária e está a tirar um curso de treino desportivo. O impacto da Fundação foi tão grande que hoje em dia ela própria faz voluntariado durante a hora de almoço para ajudar outras pessoas através do Manchester United.

Programa do Stoke City devolve menina aos livros

Lexi Dundas era uma aluna do sexto ano da St. Teresa's Primary School, em Stoke, que passava por extremas dificuldades de aprendizagem. Foi então que a escola a aconselhou ao Stoke City, que desenvolvera um programa de sessões de estudo baseadas na dinâmica do estádio do Stoke City. Como adepta do clube, Lexi Dundas identificou-se com aquelas sessões de estudo, começou a aprender de maneira ativa e divertida, aprendeu a partilhar ideias e a ouvir a opinião dos outros, recuperou o atraso nas capacidades de leitura e desenvolveu até entusiasmo pela matemática.