A história do futebol da Alemanha Oriental está intimamente ligada a um nome: Jurgen Sparwasser. Foi ele quem marcou o golo da única vitória sobre a Alemanha Ocidental. O que se tornou um feito capitalizado pelo regime comunista de leste.
Até ao dia em que também Sparwasser fugiu. Como cerca de cinco mil alemães orientais.
Mas por partes.
Primeiro o golo. Aconteceu em Hamburgo, no Mundial organizado pela Alemanha Ocidental. O pontapé vitorioso aos 77 minutos permitiu à Alemanha de Leste ganhar o grupo à frente da Alemanha Ocidental.
O que deixou às portas do céu o orgulho do bloco de leste. Até o defunto Estaline exultou na campa.
Sparwasser foi então convertido num menino-propaganda do regime. Uma distinção que o jogador nunca quis.
Por isso fugiu.
Aproveitou um jogo de veteranos e desertou. Estabeleceu-se em Frankfurt, onde trabalhou como adjunto do Eitracht. Foi na capital financeira da Alemanha que soube da queda do Muro de Berlim.
Ora no dia em que se completam trinta anos sobre a queda do Muro de Berlim, o Maisfutebol recorda uma conversa tida com Sparwasser, hoje um idoso de 71 anos a viver em Frankfurt.
Antes de mais, convém dizer que o herói da antiga Alemanha de Leste não quer ser lembrando como uma arma da Guerra Fria, .
«Na época existia uma grande rivalidade e eu fiquei obviamente feliz com o golo. Mas foi um jogo como outro do Mundial. Disseram que eu fiquei rico, mas não é verdade. O golo só me deu fama e a fama deu-me oportunidades».
As oportunidades surgiam porém condicionadas pelo regime e pela Stasi. O que Sparwasser nunca aceitou.
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Por isso em 1988, já depois de encerrar a carreira de jogador e um ano antes da queda do muro de Berlim, fugiu para a Alemanha Ocidental. Aproveitou uma viagem a Frankfurt e ficou lá.
«Dava aulas na universidade e fui indicado para treinador do Magdeburgo, o clube que representei toda a vida como jogador. Eu só queria dar aulas e o regime só queria que eu fosse treinador do Magdeburgo. Era um momento político diferente e não podia dizer-se que não. Para não acabar com as perspetivas de carreira académica, fui obrigado a sair. O regime não me dava hipótese de escolha.»
Curiosamente Sparwasser não foi o único desertor do regime. Lutz Eigendorf, defesa da selecção e do Dínamo de Berlim (o clube da Stasi) também fugiu. Aproveitou um jogo com o Kaiserlautern e nunca mais regressou ao lado oriental do Muro. Eigendorf teve porém um fim bem mais trágico.
A deserção aconteceu em 1979, numa altura em que o fim da divisão ainda estava longe. Pouco depois de fugir, Eigendorf morreu na sequência de um acidente de automóvel. Na altura disse-se que o jogador estava bêbado. Após a queda do Muro, descobriu-se que o acidente tinha sido provocado pela Stasi.
Trinta anos depois da queda do Muro, Sparwasser diz que são episódios da história.
«A Alemanha Oriental foi integrada na Alemanha Ocidental e as diferenças foram sendo absorvidas», sublinha, quem quer apenas enterrar o passado político e ser lembrado pelo que fez dentro dos relvados.
«Aquele jogo foi muito marcante e é um motivo de celebração independente de qualquer questão política.»
Veja o golo de Sparwasser:
[Artigo originalmente publicado a 9 de novembro de 2009]