Na Grécia treina-se por estes dias sem um horizonte à vista. Os campeonatos foram suspensos depois de uma agressão violenta a um dirigente do Conselho de Arbitragem. É a segunda vez este ano, a primeira foi na sequência da morte de um adepto. Mas este novo caso voltou a colocar na ordem do dia os problemas profundos do futebol grego, onde a seleção era um oásis. Agora, deixou de o ser.


Christoforos Zografos é vice-presidente de um Conselho de Arbitragem que tem como referência máxima o escocês Hugh Dallas, antigo árbitro internacional, que foi contratado precisamente na tentativa de lidar com uma situação complicada, quando muitos pediam árbitros estrangeiros na Liga grega. Zografos foi agredido na sexta-feira, com uma barra de ferro, à saída da sua casa. Sofreu lesões na cabeça e num braço e foi hospitalizado.


Giorgos Sarris, presidente da Federação, reagiu na televisão, falando de um «ataque assassino» e revelando de caminho que o próprio Hugh Dallas lhe tinha revelado que foi ele próprio alvo de ameaças. Perante a ameaça de boicote dos árbitros aos campeonatos, a Federação decidiu que não haveria nomeações, o que na prática significou a suspensão dos campeonatos, por tempo indeterminado.


Seguiram-se uma série de reações e troca de acusações. Numa reunião de clubes do principal campeonato, o presidente do Olympiakos terá dito que tinha informações sobre o ataque a Zografos, associando-o a pressões do AEK Atenas, agora na segunda divisão, por nomeações de árbitros. Em público, Evangelos Marinakis, líder do principal clube grego, enfatizou a gravidade da situação e apelou a um esforço comum dos clubes para lidar com a situação, bem como à intervenção das autoridades.


Também o Panathinaikos reagiu, num comunicado em que isola outra das questões que muitos apontam como fazendo parte do problema, a inatividade das autoridades perante os sinais de violência e corrupção no futebol grego. «Recriminamos o Governo pela tolerância mostrada ao longo dos anos em relação ao futebol, a qual significa cumplicidade», defendeu o clube.


Na Grécia, a ideia generalizada é que o ataque a Zografos foi premeditado e organizado. «Não foram hooligans. É um trabalho profissional. Esperaram por ele. É muito estranho e muito perigoso», diz o jornalista Dmitri Jorzos, do jornal Gavros, em conversa com o Maisfutebol.

«Não é a primeira vez que agridem um membro da comissão de árbitros. No ano passado já aconteceu. É um grande problema, e está a aumentar», nota, referindo também como pano de fundo a luta de poder e de interesses no futebol grego.

Com muita gente a defender, através dos media, que a situação atingiu um ponto limite, a imprensa grega noticiou nesta segunda-feira que a justiça helénica quer ouvir alguns dos principais dirigentes do futebol grego sobre a agressão a Zografos. O procurador Constantinos Simitzoglou terá requerido a audição dos presidentes do Olympiakos e do AEK, bem como do presidente da Federação grega.


Milhazes: um português na expectativa


Para os jogadores, o momento é de expectativa. O Maisfutebol falou com Milhazes, que vai na segunda época no OFI Creta. «Estamos a treinar, à espera que se decida», conta o defesa português de 33 anos, ex-Rio Ave, Boavista e V. Guimarães, notando como as coisas já se complicam em termos de calendário, depois de em setembro ter ficado para trás uma jornada, na sequência da morte de um adepto, vítima de agressões.


«Já temos uma jornada em atraso, supostamente para jogar em janeiro, ainda estavam a ver qual era a melhor altura», diz Milhazes, acreditando que a paragem será curta: «Os árbitros optaram por fazer um protesto, mas acredito que será só uma semana, como um aviso.»


A tentar procurar explicações para a situação na Grécia, Milhazes fala de uma abordagem muito intensa ao futebol. «Acho que acontece pelo fanatismo», observa. «O nosso selecionador sabe isso bem, os adeptos são muito fanáticos.»


O que tem um lado positivo, diz Milhazes, a falar dos atrativos no campeonato onde joga. «É sempre bom ver os estádios cheios, jogar em estádios cheios, mas tem esse outro lado. É um contraste com Portugal, onde só temos quatro ou cinco equipas que enchem os estádios», diz: «E o futebol na Grécia é altamente competitivo.»


«A seleção era o nosso orgulho»


Quanto aos gregos, vão assistindo ao desenrolar de mais um escândalo em torno do seu futebol, mas agora num cenário novo: a penosa situação da seleção, que sofreu uma derrota escandalosa em casa, perante as Ilhas Faroé. O nº 187 do ranking da FIFA venceu o nº 18 do mundo, nunca tinha havido nada tão desnivelado.

A Grécia chega ao fim de quatro jogos na corrida ao Euro 2016 com apenas um ponto. A Federação já decidiu afastar o selecionador Claudio Ranieri, embora a rescisão ainda não tenha sido formalizada.


«São coisas diferentes, os clubes e a seleção», observa Dmitri Jorzos. «Com a situação da seleção está toda a gente muito perturbada. Nos últimos 12 anos, esta equipa era o nosso orgulho. Esteve nas grandes competições, no Mundial ficou nas 16 melhores. Agora toda a gente está muito perturbada e preocupada», explica.


Ranieri nunca encaixou. «A seleção está muito confusa. Estávamos ma expectativa sobre o que ia acontecer depois de sair o Fernando Santos. O novo treinador queria uma nova filosofia. Queria aplicar uma filosofia atacante, mas a seleção grega é melhor a defende», observa Dmitri Jorzos, falando também das escolhas do italiano. «Perdemos jogadores importantes, como o Karagounis, que foi uma grande perda. E agora o Ranieri não convocou o Mitroglou nem o Samaras, por achar que não estavam em boa forma», observa.


Há muito quem suspire por Fernando Santos. Como conta Milhazes: «Alguns colegas dizem-me na brincadeira: «Diz ao Fernando Santos para vir outra vez para cá.»


«Com o Fernando Santos eles passaram por uma fase ótima. Antes ganharam-nos duas vezes e roubaram-nos o Europeu, é normal que lhes esteja a custar», nota o jogador português.


Problemas extra-futebol à parte, Milhazes sente-se bem na Grécia, numa segunda época em que passou a ser treinado por Gennaro Gattuso, depois do português Sá Pinto, com quem a equipa terminou no sexto lugar do campeonato. «As coisas estão a correr-me bem. Tenho uma proposta de renovação por três anos. Tenho falado com o mister Gattuso, que me tem aconselhado», diz Milhazes, descrevendo o antigo médio italiano, que foi notícia há algumas semanas por ter ameaçado abandonar o clube, como a extensão do que era em campo, no banco.


«É a mesma coisa como treinador, quer ganhar todos os jogos. Leva os treinos muito a sério. Faz-me lembrar um bocado o mister Sá Pinto», diz Milhazes, comentando assim a tal ameaça de bater com a porta feita por Gattuso: «Foi mais uma pressão, para reforçar o seu ponto de vista. Ainda bem que ficou.»


E, a propósito de Fernando Santos, o defesa revela como a chegada do treinador à seleção lhe abriu um novo horizonte de esperança. «Vou esperar que, como ele conhece o campeonato grego, olhe para nós. O mister Fernando Santos disse que não importa a idade, desde que o jogador esteja bem. Porque não? No ano passado fui considerado um dos melhores laterais-esquerdos da Grécia, às vezes as oportunidades acontecem», diz Milhazes. «A nossa seleção sempre foi aquele grupo restrito. Agora temos um selecionador que esteve a trabalhar na Grécia, tem conhecimento do campeonato e dos jogadores, porque não? Só nos dá aos portugueses mais vontade de trabalhar. Há muitos portugueses espalhados pelo mundo com valor, às vezes é necessário só uma oportunidade.»