A TVI convidou Silas, Zé Pedro e Cândido Costa para uma conversa em torno de Jorge Jesus. O ponto de encontro ficou marcado para Alcochete e as melhores histórias do treinador do Flamengo desfiaram em torno de uma roda no relvado sintético da Academia leonina.

Cândido Costa lembrou, por exemplo, o dia em que o Belenenses foi fazer um treino ao Jamor, antes da final de uma Taça de Portugal com o Sporting. Era a primeira final da Taça de Jorge Jesus e o agora comentador lembra que ele nesse dia «estava possuído».

Às tantas, durante o treino, Jorge Jesus interrompe a sessão de trabalho e começa aos gritos. Os fotógrafos dispararam a máquina e o treinador atravessa o campo todo aos gritos e a gesticular.

«Como é que isto jogou no FC Porto?», gritava. Cândido estava a fechar por dentro e não entendia aquela irritação. «Achas que estás bem?», perguntou o treinador. «Acho, mister. Estou entre o central e o extremo, rapidamente chego a qualquer um.» Nessa altura Jesus meteu as mãos no jogador, arrastou-o um passo e gritou. «É aqui». Cândido diz que se mexeu cinco centímetros.

Zé Pedro e Silas riem-se da história e lembram como Cândido Costa era uma das vítimas preferidas de Jorge Jesus. «Estava sempre a levar duras», conta Silas. «Era muito submisso», admite Cândido. «Eu levantava-lhe o polegar e dizia ‘tem razão, mister’. Ora dizer ‘tem razão’ subia-lhe à cabeça. Começava logo ‘como é que isto jogou no FC Porto?’ e ‘eu faço milagres’.»

Ora com Zé Pedro e Silas era diferente. Silas era mesmo o capitão do Belenenses, Zé Pedro tinha uma personalidade introvertida, mas forte, e Jorge Jesus raramente se metia com eles.

«Um dia num jogo eu senti que não estava bem posicionado, devia estar um metro ao lado, mas a bola estava longe e estava descontraído», conta Zé Pedro. «Às tantas ouço-o gritar no banco. ‘Zé’, Zéééé’ e ‘Zééééééé’», lembra o antigo esquerdino, agora adjunto de Silas no Sporting.

«Ignorei a primeira, ignorei a segunda, à terceira olhei. ‘Que é?’, perguntei. Ele diz-me naquele jeito dele, aos gritos como um doido, que tinha de estar um metro mais ao lado. ‘Tem calma contigo, pá’, gritei. Ele meteu a cabeça no chão, virou-se para trás e recuou para trás no banco.»

Já Silas lembra o dia em que o Belenenses deixou o 4x4x2 losango e passou a jogar num 4x4x2 clássico. Fez um primeiro jogo que correu bem e repetiu a estratégia frente ao FC Porto.

«Entrámos muito bem no jogo, marcámos o primeiro golo e depois, nos dez minutos finais da primeira parte, o FC Porto adaptou-se a nós. Ao intervalo disse ao Jesus que eles já se tinham adaptado e devíamos voltar ao losango. Ele disse para esperarmos mais um pouco», lembrou Silas.

«Acabámos por empatar o jogo por 1-1. Na terça-feira seguinte, no regresso aos treinos, ele à frente de toda a gente contou que eu tinha sugerido voltar ao losango e que tinha razão.»

Cândido Costa volta às histórias engraçadas para lembrar o primeiro dia no Belenenses. Tinha saído do FC Porto, assinou contrato e subiu ao relvado, onde já estavam os colegas a treinar.

«Dirijo-me ao treinador para o cumprimentar e ele diz-me ‘estás gordo’. Respondi-lhe que não, que estava no peso normal. ‘Estás gordo, estás. Pareces uma bola. Tu andas a rebolar’. A minha sorte é que não me deixava ir abaixo com críticas, porque aquilo matava qualquer reforço.»

Silas aproveita para lembrar a história de Roma, avançado brasileiro que lhe fazia lembrar Romário. «Nós no início da época vimos logo que ele craque. Pensámos que ia dar nas vistas. Mas ele estava sempre a levar duras do Jesus e não tinha estofo para aguentar aquilo», recorda.

«Passado dois meses nem parecia o mesmo jogador. Parecia que não sabia jogar. Há jogadores que, pelo seu feitio, pensam que aquilo é pessoal, que o treinador os está a perseguir, e vão-se abaixo. Esse Roma acabou por sair do Belenenses sem dar nada de especial.»

A propósito disso, Silas aproveita para contar que ainda há dias estava a pensar no Flamengo de Jorge Jesus e em como o treinador português foi inteligente.

«Os jogadores brasileiros geralmente têm muitas resistências a ouvir, a aprender, a fazer as coisas como queremos. Eu passei isso com um jogador que ainda tenho no plantel, o Eduardo Henrique. É uma característica do brasileiro, sobretudo do que vem de São Paulo ou Rio de Janeiro», conta.

«Por isso Jorge Jesus foi muito inteligente em ir buscar jogadores brasileiros que estavam na Europa, como o Rafinha, o Filipe Luís ou Gerson, que estão habituados a um nível de exigência mais alto e acabaram por arrastar os outros jogadores para esse nível de exigência», finaliza Silas.

Enfim, a conversa continuou cheia de histórias engraçadas e curiosas. Uma conversa com Jesus no meio que borbulhou como cerveja: uma grande conversa como todas as que acontecem em torno de certejas.